Wellington Neves Vieira
Mestre emCrítica Cultural. Professor titular da Faculdade Sete de
Setembro-Fasete, em Paulo Afonso-BA e do Centro Universitário do Vale do São
Francisco-CESVASF, em Belém do SãoFrancisco-PE.
RESUMO
O
objetivo desta pesquisa é identificar a representação do espaço de libertação
na obra Amada de Toni Morrison, a partir de uma percepção sobre o espaço,
demonstrando a relação dos espaços ocupados pelos personagens negros, na
transmissão de sentimentos de topofília.
A metodologia empregada é de caráter teórico, qualitativo-descritivo. Na
intenção de esquematizar a pesquisa literária por meio de análises
explicativas, descritivas e exploratórias, adentra-se o campo da Geografia
Humanista como base de sustentação do estudo. Discute-se o espaço na literatura
e a Geografia Humanista do ponto de vista espacial. Por fim, averígua-se a
relação dos personagens com o espaço topofílico. Constatou-se ao final da
pesquisa que as análises dos espaços que foram feitas no romance “Amada”
transmitem o encontro da libertação dos personagens e a revitalização de um
passado à procura de dar voz a uma nova realidade histórica, o que poderá ser
compreendido como a constituição de um espaço para uma “alteridade” que desafia
e resiste ao discurso dominante.
Palavras-chave: Espaço;
Topofília; Toni Morrison.
ABSTRACT
The objective of this research is to identify the representations of
space libertation in the novel “Beloved” by Toni Morrison From a perception of
the space, showing the relationship between the spaces occupied by the black
characters, in conveying feelings of topophilia. The methodology is
theoretical, qualitative-descriptive. Intending to design the literary research
through explanatory, descriptive and exploratory analyzes, the field of Humanistic Geography is used as basis to the
study, which discusses Humanistic Geography terms of space and the relationship
of Black Americans with these space. It was found at the end of the research
that analyzes the spaces that were made in the novel “Beloved”, transmits the
revitalization of a past for giving voice to a new historical reality, which
may be understood as the creation of a space for an “alterity” that challenges
and resists to the dominant discourse.
Keywords:Space; Topophilia; Toni Morrison.
O campo
ecológico ainda é pouco cultivado na literatura afro-americana, e, nessa
abordagem, o presente estudo parte-se para uma análise da a relação da natureza
social humana entre os personagens em sua relação com o próprio espaço
geográfico estadunidense pelo víeis do romance Amada de Toni Morrison sob o olhar da Geografia Humanista de Yi-Fu Tuan
(1980). O
objetivo desta pesquisa é identificar a representação do espaço de libertação
na obra Amada de Toni Morrison, a partir de uma percepção sobre o espaço,
demonstrando a relação dos espaços ocupados pelos personagens negros, na
transmissão de sentimentos de topofília.
Narra-se, em Amada, a história de fuga da escrava
Sethe e suas atitudes conflitantes para com a natureza, como resultado da
violência que vivencia enquanto escravizada no Sul do país. Muitos escritores
têm pintado a natureza apenas como espaço figurado sem problemáticas sociais;
já Morrison instiga o modo como “[...] nossas percepções e avaliações da
natureza não são simplesmente respostas ‘Naturais’ ao mundo verde, mas a
resposta que repousa sobre a política subjacente racial”[1]
(WALLACE; ARMBRUSTE, 2001, p. 225, tradução
nossa).
Desse modo, literatura e meio
ambiente manifestam as ações e relações do homem com os outros seres e o
próprio espaço no qual se vive. Em consonância com a produção literária
contemporânea afro-americana, o presente estudo oferece um olhar humanitário na
qual o clima, espaço, terra, flora, fauna e o ser humano poderão ser vistos de
modo mais harmonizados nas constituições de estratégias de resistência de
políticas raciais.
A metodologia empregada é de caráter teórico,
qualitativo-descritivo. Na intenção de esquematizar a pesquisa literária
através de análises explicativas, descritivas e exploratórias, o presente
estudo motiva a principal questão: como a natureza é mapeada por Toni
Morrison para discutir questões de opressões raciais e de gêneros no espaço estadunidense?
Como resultado constatou-se a que
as análises dos espaços que foram feitas no romance “Amada” transmitem o
encontro da libertação dos personagens e a revitalização de um passado à
procura de dar voz a uma nova realidade histórica, o que poderá ser
compreendido como a constituição de um espaço para uma “alteridade” que desafia
e resiste ao discurso dominante.
Nesse sentido, busca-se, no primeiro tópico, a
percepção do espaço na Literatura. No segundo tópico é enfatizado a Geografia
Humanista para compreender os sentimentos de topofília,dados aos espaços
físicos sobre a relação humana, cuja finalidade é fazer entender as várias
simbologias sociais e étnica representadas na obra Amada de Toni Morrison. No terceiro, parte-se para conhecer a obra
e seus personagens.No quarto e último tópico, analisa-se a relação dos personagens
com os espaços topofílico do romance em questão, que envolve oconceito de topofília.
1. Percepção do espaço na Literatura
É sabido que o homem vive imergido em
um determinado lugar no espaço, seja ele público seja privado, o homem se
relaciona e se movimenta num determinado espaço/lugar na sociedade e, se a
literatura é uma arte que ao menos expressa determinados tipos de sociedade,
esta movimenta seres num determinado lugar no espaço,esses seres se comportam
de modos peculiares a depender do escritor, das situações ou dos cenários
constituído pelo autor. Por esta razão, se faz necessário compreender o espaço
na literatura.
Na literatura, o espaço surge como
elemento centralizador para o desenvolvimento das ações das personagens,
trazendo à tona outros elementos da narrativa. Com a leitura do espaço
literário, podemos averiguar determinados tipos de sentimentos ou, até mesmo,
prever o que vai acontecer na narrativa, isso por que ele, o espaço, influencia
as ações das personagens. Essa temática na literatura tem acalorado inúmeras
vertentes, na perspectiva de Gancho (1998,pag. 23):
O espaço tem como funções principais situar as ações dos personagens e estabelecer com eles uma interação quer influenciando suas atitudes, pensamentos ou emoções, que sofrendo eventuais transformações provocadas pelos personagens.
Claramente, compreendemos que o espaço é palco
para o agir das personagens, é um elemento que funciona como uma fio condutor
numa comovente demonstração de sentimentos, bem como o ganho de novas
características e dimensões alteradas pelas personagens. Nas palavras de
Gancho, convém notar, também, que as ações das personagens são influenciadas
pelo espaço. Nesse levantamento subjetivo sobre o espaço, Massud Moisés, no
livro A Criação Literária (1973, p. 193), afirma que:
O lugar dos acontecimentos no romance caracteriza-se pela pluralidade geográfica. O romancista sendo demiurgo assenhoreia-se totalmente da geografia em que se passam os lances da história que narra... Pode fazer que as personagens viajem constantemente, ou que fiquem encerradas numa casa e mesmo num só cômodo.
Na
visão de Moisés, observa-se que o espaço funciona como elemento estruturador de
um romance , os espaços são projetados e juntos a eles as personagens se
movimentam e se fundem na narração de modo diversificado. Ainda nessa perspectiva
de Moisés, compreende-se que a riqueza estética de um determinado romance só se
faz presente na criação literária , porque antes de tudo existe um espaço
desenhado pelo romancista que nos possibilita reconhecer e descrever as
impressões dos cenários em que as personagens estão inseridas.
Dependendo
do contexto esses cenários expressam várias características na
literatura,apresenta o “espaço carregado
de características socioeconômicas, morais, psicológicas, em que vivem os
personagens [...]” (GANCHO, 1998, p. 17). Esses elementos presentes no espaço
são importantes para a análise literária,no romance Amada, os espaços são
carregados de inúmeras significações nos conduzindo para a dinâmica de uma política
de resistência racial.
Ao
ler determinada obra, se constroem várias imagens na nossa mente, isso porque a
literatura cria e recria situações em espaços diferenciados, a evocação do espaço na literatura é algo
extremamente enriquecedor, pois possibilita ao leitor adentrar em novos
universos que talvez só seja possível na imaginação humana, como o clássico da
literatura infantil, O mágico de OZ, do escritor norte-americano Frank Baum,
que projeta imagens e espaços do universo imaginário.
Sob
o prisma de Bachelard (1993), a constituição do espaço na literatura se revela
de inúmeras formas,o teórico explica:
Assim reconforto-me nos desenhos das minhas leituras. Vou morar nas “gravuras literárias” que os poetas me oferecem. Quando mais simples é a casa gravada, mais ela trabalha a minha imaginação de habitante. Ela não é apenas uma “representação”... E vejam! Quando digo sinceramente a imagem, eis que sinto necessidade de sublinhá-la. Sublinhar não será gravar escrevendo?” ( 1993, p. 66 )
Na
ótica de Bachelard, o espaço é constituído pelas letras que capturadas nos
invoca ilustrações, estas, por sua vez, mexem com a nossa imaginação nos
transmitindo impressões de horror, drama, medo, harmonia e etc. Essas
percepções vão depender da temática e do contexto que o romancista procura
tratar.
Esta apreciação nos conduz para a perspectiva
de Bella Jozef(2006), que trata da representação do espaço na tessitura do texto
literário, afirma que “o espaço da
representação é um espaço em que o sentido se lança e toma forma. O conceito de
mimese, ressaltando o papel do imaginário na arte, se entrosa com a tese
moderna segundo a qual a obra de arte é um objeto intencional” (2006, p.
177-178).
O
espaço mencionado acima é o da reprodução das ações na qual se constitui por
meio dos sentidos que são atribuídos a eles,ainda nessa mesma linha, é traçado
o jogo da representação como um projeto intencional, com isso, compreende-se que, na arte
literária, nada é colocado por acaso sempre, há uma função naquilo que está
sendo representado, por isso que “toma forma”.
Como
afirma Tuan (1983, p. 180), “uma função da arte literária é dar visibilidade a
experiências íntimas (...) chamar a atenção para áreas da experiência que de
outro modo passariam despercebidas”, isso é exatamente o que Toni Morrison faz
em sua escrita literária, especialmente em Amada
evoca relações das personagens com os espaços vividos, fazendo surgir o
universo cultural das comunidades afro-americanas com a intenção de fazer
perceber as necessidades, os desejos e os anseios dos grupos afrodescendentes.
Esse posicionamento já é, antes de tudo, uma ação para a criação de uma
política de resistência racial.
A
geografia literária de Morrison se encarrega de cumprir representações
culturais dentro de uma multiplicidade de cenários, entre eles, o urbano e o
rural que giram sempre em torno de uma determinada função atribuindo-lhes
percepções, emoções e sentidos. Para Marcel, citado por Pesavento (2002, p. 09
):
[...] a literatura, como representação das formas urbanas, tem o poder metafórico de conferir aos lugares um sentido e uma função. É nessa medida que as obras literárias, em prosa ou verso, têm contribuído para a recuperação, a identificação, a interpretação e a crítica das formas urbanas.
No
romance Amada, o espaço é representado de inúmeras formas, entre elas, na
relação simbólica das personagens no espaço habitado. As metáforas da escrita
de Morrison são construídas a partir do real que o leva para o imaginário para,
assim, concretizar outra realidade de vida, essa parece ser uma das funções da
escrita literária de Morrison. Por isso que tratou-se de explorar nesse tópico
a importância do espaço na literatura. Parte-se para o próximo tópico a fim de
compreender o conceito do espaço topofílico.
2.Topofilia: Conceito e Percepção
O
espaço é uma característica relevante no romance Amada,a escritora Toni Morrison conduz para uma apreciação
alegórica do que esses espaços significam para as personagens, numa complexa
rede de simbologias que evocam amor, ódio, tristeza, medo, mas também segurança
ao lugar. Morrison revela em Amada
uma inegável realidade afro-americana, por isso o espaço em sua obra está
relacionado aos modos de reprodução da vida das personagens, que despertam os
mais variados sentimentos, como topofilia e
topofobia. Esses termos foram empregados por Yi-Fu Tuan na Geografia Humanista, nos livros Topofilia (1980) e Paisagem
do medo (2005), com a finalidade de
descrever os sentimentos do indivíduo em relação ao espaço/lugar.
De
acordo com Tuan (1980, p. 8), topofilia é “o elo afetivo entre a pessoa e o
lugar ou ambiente físico”. Então,topofilia é compreendida como o sentimento de amor ao lugar,
desenvolvido ao longo da experiência do indivíduo no local. Pois é nessa
relação de amizade com o lugar que o homem mantém o bem-estar individual.
Contudo, é preciso lembrar
que o espaço organiza lugares a partir dessa relação humana.
Tuan
(1980, p. 107) complementa que “a palavra topofilia é um neologismo, útil
quando pode ser definida em sentido amplo, incluindo todos os laços afetivos
dos seres humanos com o meio ambiente material. Estes diferem profundamente em
intensidade, sutileza e modo de expressão”. A noção de topofilia refere o
aspecto emocional por meio dos quais o sujeito cria lugares dentro do espaço
onde vive a vida.
Conforme
observa Tuan (1980, p. 137), “As imagens da topofilia são derivadas da
realidade circundante. As pessoas atentam para aqueles aspectos do meio
ambiente que lhes inspiram respeito ou lhes prometem sustento e satisfação no
contexto das finalidades de suas vidas”. Nessa perspectiva, ambos se relacionam
num processo de troca de valores, ou seja, o ambiente físico oferece ao homem
substâncias significativas para sobrevivência, em contrapartida, o homem cuida
do ambiente de modo que este lhe continue servindo. É por meio desse
entrosamento e percepção de mundo vivido que se desenvolve o sentimento da
topofilia.
Ainda
segundo Tuan, “o meio ambiente pode não ser a causa direta da topofilia, mas
fornece o estímulo sensorial que, ao agir como imagem percebida, dá forma as.
O filósofo francês Merleau-Ponty (1999), na obra
Fenomenologia da percepção, explica
a relação entre o corpo e o espaço exterior no laborioso movimento das
percepções:
Toda percepção é imediatamente sinônima de uma certa percepção de meu corpo, assim como toda percepção de meu corpo se explicita na linguagem da percepção exterior [...] será preciso despertar a experiência do mundo tal como ele nos aparece enquanto percebemos o mundo com nosso corpo (p. 277-8).
Compreende-se,
assim, que o processo simbólico e significativo da sociedade só existe porque,
antes de tudo, a sensibilidade humana é ativada pelo mundo exterior e, desse
modo, interpreta-se tal universo com a percepção que temos desse mundo, que,
por sua vez, ocorre por meio da experiência do homem nesse ambiente. Ainda na
perspectiva da topofilia, Bachelard (1993, p. 19) refere:
[...] as imagens do espaço feliz. Nessa perspectiva, nossas investigações mereciam o nome de topofilia. Visam determinar o valor Humano dos espaços de posse dos espaços defendidos contra forças adversas, dos espaços amados. Por razões não raro muito diversas e com as diferenças que poéticas não comportam, são espaços louvados. Ao seu valor de proteção, que pode ser positivo, ligam-se também valores imaginados, e que logo se tornam dominantes. O espaço percebido pela Imaginação não pode ser o espaço indiferente entregue à mensuração e à reflexão do geômetra. É um espaço vivido. E vivido não em sua positividade, mas com todas as parcialidades da imaginação.
Nesse
ponto, o entendimento a respeito da topofilia se dá pela percepção otimista do
bem-estar do homem naquele espaço de vivência, segue, portanto, a mesma linha
de raciocínio de Tuan (1980). Os autores analisam as interações e as condições
de percepções, e interações sociais que têm como cerne o espaço vivido, pois é
nesse espaço que os sujeitos manifestam as primeiras afetuosidades.
Nesse
espaço, Sethe e Denver estão aprisionadas em uma memória persistente que se
recusa a libertá-las. A clareira, lugar no qual Baby Suggs, sogra de Sethe,
incentiva as pessoas negras a familiarizar-se com o próprio violado pela
escravidão, era considerada o lugar de renovação. Assim, percebe-se um
sentimento desenvolvido pelas personagens que se pode definir como topofilia.
De
um lado, são expressas as funções espaciais metaforicamente empregadas na
narrativa, do outro lado, o conhecido espaço, principalmente o lugar,
circunscrito e material, que possibilita cartografar os significados sociais e
psicológicos presentes nas personagens. Além disso, o interesse maior está na
análise do espaço como dimensão para registrar os espaços de libertação como
subsídio para o desenvolvimento de uma política de resistência racial.
As
imagens espacialmente capturadas em Amada
estabelecem uma conexão entre o habitante, espaço e história social, o que será
visto mais adiante, no próximo tópico.Tendencialmente, o espaço social adquire
diversas caracterizações dependendo dos ideais da sociedade, que lhe atribui
valores específico. O contexto da obra Amada
ocupa o espaço norte-americano. De modo geral, a constituição simbólica dos
lugares no espaço é de caráter eurocêntrico; dessa forma, anulam-se os espaços
dos negros.
Tratou-se
até aqui de expor o entendimento a respeito do lugar/espaço topofílico, bem
como os sentimentos do sujeito para com o lugar situado em determinado
tempo-espaço, mencionado por Tuan (1980), como topofilia, Breves argumentações
foram feitas sobre a obra Amada para
mostrar queo sentimento de topofilía se faz presente na obra, que sera
analisada mais detalhadamente no próximo tópico.
3.Conhecendo o romance
“Amada"
Em Amada,
Morrison propõe a árdua problemática da condição dos escravos e seus
descendentes e, em especial, da mulher negra
nos Estados Unidos retratada no século XIX. As dores da escravidão
recém-abolida ainda não estavam completamente extintas, cujos vestígios eram
explícitos, como a cicatriz em forma de árvore nas costas de Setheque mostra os sinais da flagelação, quando era açoitada na fazenda em que trabalhava, chamada Sweet Home. O romance é
composto por três longas narrativas em 28 capítulos, abordando os costumes
religiosos e culturais, a luta das mulheres negras pela liberdade, mostrando a
cruel realidade que viveram após a Guerra Civil norte-americana.
No desenvolvimento
da obra, além de detalhar as memórias que atormentam a mãe por ter assassinado
a filha, a autora aborda com riqueza de detalhes as opressões sofridas pelas
mulheres negras da época, as violências físicas e sexuais a que eram submetidas
e as diferenças de classe entre brancos e negros.
Sethe – protagonista do romance, é a incorporação da
própria Margareth Garner, foi escrava na Sweet Home e, no tempo presente da história, vive com a filha
caçula de 18 anos, Denver, em uma casa completamente assustadora e perturbada,
no nº 124 da Bluestone Road.
Denver –filha mais nova de
Sethe, adora o fantasma, pois acredita que é o espírito da irmã mais velha.
Baby Suggs – sogra de Sethe. Também
foi escrava em Sweet Home, mas
tem a liberdade comprada pelo filho Halle e é levada pelo antigo dono para
morar em Cincinnati, Ohio. É muito querida e, junto com outros ex-escravos,
pratica louvores a Deus junto à natureza. Morre algum tempo depois da morte da
neta Amada e da fuga dos outros dois
netos.
Paul D – escravo fugitivo
da Sweet Home.Chega ao nº 124
das Bluestone Road para rever Baby Suggs e Sethe, por quem sempre foi
apaixonado. Primeiro, tenta exorcizar o fantasma do bebê da casa, contudo, este
retorna em formato de uma jovem de quase 18 anos. Para afastar Paul D da casa e
da vida de Sethe, com quem está tentando ser feliz, o fantasma de Amada o seduz e, com isso, faz com que
ele se sinta culpado e vá embora.
Amada – fantasma da filha
assassinada por Sethe, que retorna como uma jovem de 18 anos para controlar a
casa e dominar Sethe, forçando-a a relembrar o passado que sempre tentou
esquecer. Com a volta de Amada, a vida de Sethe começa a correr perigo, pois,
para fugir da culpa que carrega por ter matado a filha, passa a fazer todas as
vontades do fantasma.
Vale ressaltar que a construção da narrativa da
vida das personagens em Amada
acontece de forma não linear, não tem pontos firmes de espaço e tempo, há a
presença de diferentes vozes que compõem fragmentos de memória, histórias
vivenciadas e recontadas algum tempo depois. Constroem-se e reconstroem-se
acontecimentos do passado com pontos obscuros e incompreensíveis nos fatos das
trajetórias das personagens.
A narrativa de Amada
é contada no presente por um narrador em terceira pessoa. Quando o narrador
intercala os flashbacks contados
pelas personagens, a narrativa passa a ser em primeira pessoa. Os relatos e as
lembranças do passado na fazenda Sweet Home e a violência da escravidão são
revelados aos poucos e de forma dolorosa pelas personagens.
Ao analisar a constituição da narrativa, Morrison
dá mais ênfase às circunstâncias de opressões, violências sexuais e
intercepções do negro no espaço social. Junto desse sofrimento, a escritora
envolve também todo o cenário natural do ambiente no qual os afros sobreviviam:
“[...] lá estava a Sweet Home rolando, rolando diante de seus olhos, e, embora
não houvesse uma única folha naquela fazenda que não lhe desse ganas de gritar”
(MORRISON, 1987, p. 14). Analisa-se no próximo tópico a dinâmica do espaço
topofílico.
4. Espaço da libertação: é possível?
As flores e rosas em Amada demonstram importante papel para curar as dores e conduzir o
homem para ambientes agradáveis. Paul D, em um passeio com Sethe, observa
“acima e abaixo da cerca da madeira as rosas velhas [...] o serrador que as
tinha plantado doze anos antes para dar uma aparência agradável a seu local de
trabalho – [...] ficou perplexo com a sua abundância; como elas se enredaram
depressa na cerca” (MORRISON, 2007, p. 75/76).
Percebe-se que Morrison recheia o romance com as
belezas da natureza, ela mostra o poder que as plantas fornecem em harmonizar
os espaços e, ao mesmo
tempo, curar a
dor da “retirada das árvores” (MORRISON, 2007, p. 75). Nessa mesma linha,Sethe,
enquanto trabalhava na cozinha da Senhora Garner, na Sweet Home, faz o mesmo
procedimento do serrador, traz plantas e flores a fim de se sentir segura no
ambiente de trabalho:
[...] ela que tinha que trazer um punhado de cercefi à cozinha da Senhora Gardner todo dia para poder trabalhar, [...] ela queria amar o lugar em que trabalhava, tirar o que tinha de feio, e a única maneira de ela sentir-se em casa em Sweet Home era colher alguma plantinha e carregá-la com ela. O dia em que não fazia era o dia em que a manteiga não solidificava ou em que a salmoura no barril fazia bolhas em seus braços. Pelo menos é o que parecia (MORRISON, 2007, p. 42).
Sethe tenta tirar o feio, o horror da Sweet Home,
era a única maneira de poder sentir-se “segura” e confortável no trabalho.
Sethe olha para a natureza para trazer conforto e harmonia na Sweet Home,
talvez a beleza das flores pudesse mascarar a feiura ao redor.
Esse procedimento realizado por Sethe é a tentativa
de fugir do espaço opressivo, o contato com a natureza possibilita camuflar o
local da dor e resistir aos inúmeros empecilhos manifestados nesse ambiente, e,
quando ela não procura a natureza para trazer a paz para o recinto, o dia a dia
torna-se mais difícil de ser suportado. Nesse ritual, ela
procurava “umas poucas flores amarelas na mesa, um pouco de murta amarrado no
pegador do ferro de engomar que mantinha a porta aberta para que a brisa
entrasse, acalmavam-na, e quando a Senhora Gardner e ela tinha de cardar, ou
fazer tinta, ela se sentia bem” (MORRISON, 2007, p. 43).
Morrison demonstra a harmoniosa relação entre os
negros com a natureza, constituindo, assim, um antídoto para curar as
feridas da escravidão, proporcionando distração ou lazer; mas o senso de
propriedade e pertencimento pela Sweet Home nunca foi desenvolvido por Sethe,
que afirma: “Como se um ramo de hortelã na boca mudasse o hálito como mudava o
seu odor” (MORRISON, 2007, p. 44). Não bastava apenas olhar, apreciar e colocar
flores no ambiente de trabalho, pois elas não alteravam as situações, apenas
amenizavam.
A natureza
desse espaço é caracterizada por uma cultura branca dominante que olha para a
natureza como sua e não pertencente ao negro, por isso os negros devem renegociar
com a natureza, com o intuito de encontrar o espaço de libertação e de
propriedade como modelo de alteridade. Para que isso ocorra, o negro
deverá atribuir-lhe os próprios valores e os próprios fins. Segundo Stacy
Alaimo (2000, p. 139), “a natureza é um lugar fora da cultura dominante,
que pode ser recuperado por mulheres e pessoas de cor”. Os negros
norte-americanos procuram usufruir a natureza para encontrar trilhas de escape
como um lugar de refúgio.
Na mesma sintonia, adentra-se, agora, nos espaços
da clareira em que Baby Suggs fazia pregações, local considerado sagrado,
porque, ali, era possível a fuga da realidade, em que se permitia o equilíbrio
espiritual, ou seja, encontrava-se o espaço delibertação pelo viés espiritual.
Um extrato vívido que deixa isso explícito em Amada é a forma como a clareira é
utilizada pelas mulheres negras da comunidade e, em especial, por Baby Suggs.
Com a sensibilidade de pregar e direcionar uma visão de paz e novas
perspectivas de vida e relações da natureza social humana, Baby Suggs oferece
cura para os ex-escravos e tece cooptações positivas com a natureza por meio
das relações ambientais que não dependem de fronteiras ou binários.
A representação da clareira na floresta conduz para
uma rica análise, pois Baby Suggs forma um anexo de resistência nesse ambiente,
um espaço na floresta em que prega mensagens de esperança e cura para a
comunidade negra, enfim, um local no qual, certamente, encontra a paz e a
libertação: “Ali Baby Suggs dançava ao sol, como uma santa, amava, aconselhava,
alimentava, castigava e consolava” (MORRISON, 2007, p. 124).
Como se pode notar, as palavras de Baby são de
otimismo, apoio e renovação, Baby, uma pessoa doce e aprazível. Isso está
relacionado ao nome Baby, que, traduzido para o Português, significa “bebê”,
indivíduo puro, sem malícia, uma forma de tratamento carinhosa. Baby Suggs
parece ser o equilíbrio da comunidade negra norte-americana, pois é considerada
pelas pessoas da comunidade uma espécie de figura santa, em torno da qual se reuniam
negros, fugidos ou não, todo final de semana para ouvi-la falar na clareira,
como demonstra o fragmento a seguir:
No verão, Baby Suggs, a santa, seguida pelos homens, mulheres e crianças negras que conseguiam chegar até Cincinnati, levava seu enorme coração para a Clareira – um lugar amplo e aberto, bem dentro da mata, no final de uma trilha conhecida apenas pelos veados e os que haviam desbravado a terra virgem. Nas tardes calorentas, ela sentava-se ali, enquanto as pessoas esperavam, ocultas entre as árvores (MORRISON, 2007, p. 124/125)
O espaço da clareiraé um local que poucas pessoas
conheciam. Um ambiente específico para os rituais de resistência e libertação
proferidos por Baby Suggs, um entorno que traz interpretações muito mais além a
respeito da natureza; uma natureza que, embora tenha sido usada pelos homens
brancos para oprimir, aqui é utilizada pelos negros para revigorar as forças e
atuações por uma política de resistência racial, aliviando a dor dos traumas da
escravidão.
Esse ritual fluía pelo grupo de seguidores, “depois
de se situar em uma imensa pedra chata, Baby Suggs baixava a cabeça e rezava em
silêncio, todos observavam das árvores. Sabiam que ela estava pronta quando
colocava a bengala de lado” (MORRISON, 2007, p. 125). Baby Suggs pede à
comunidade para recuperar seus corpos, e encontrar força dentro de si mesmo e
de sua gente. Desse modo (MORRISON, 2007, p. 125):
Ela gritava: – Que venham as crianças! – E estas saíam correndo em sua direção. – Riam alto para que suas mães ouçam – dizia. As risadas ecoavam na mata, e os adultos não conseguiam deixar de sorrir. Então Baby Suggs gritava novamente: – Que venham os homens! E eles avançavam um a um por entre as árvores. – Dancem para que suas mulheres e seus filhos vejam – dizia, e os bichinhos da terra estremeciam sob seus pés. Finalmente ela chamava as mulheres. – Chorem – diziam – pelos vivos e pelos mortos. Apenas chorem. O riso das crianças, a dança dos homens e o choro das mulheres tomavam conta da mata. Então tudo se misturava: as mulheres paravam de chorar e começavam a dançar; os homens se sentavam e choravam; as crianças dançavam, as mulheres riam, até que, exaustos e aliviados, todos se deitavam espalhados pela Clareira, suados e ofegantes.
Como se pode ver no trecho acima, é nesse espaço
natural da clareira que os negros celebram o corpo, os valores e a
espiritualidade para fugir de todas as coisas que a cultura branca tem
oprimido. É o momento de revitalizar, de lavar a alma, e encontrar, nesse
espaço, energia para repor pensamentos e
atitudes contra os sistemas opressores. Além do mais, o local, enquanto
um cenário natural, sugere a fluidez da natureza social humana. Em sintonia:
Aqui – dizia –, neste lugar, somos carne; carne que chora, que ri; carne que dança descalça sobre o capim. Amem essa carne. Amem muito. Lá fora eles não amam nossa carne. Eles a desprezam. Nem amam nossos olhos; só querem arrancá-los. Muito menos amam a pele em nossas costas. Lá fora eles açoitam. E, meu povo, eles não amam nossas mãos. Essas eles apenas usam, amarram, prendem, cortam fora e deixam vazias. Amem suas mãos! (MORRISON, 2007, p. 126).
Tinha muita força e potência o discurso de Baby
Suggs, ela impulsiona a comunidade para se amar a cada
dia, fazendo com que se valorizem cada vez mais para erguer a guarda e buscar
caminhos para os espaços sociais e morais por uma política séria que atenda a
suas necessidades comunitárias de efeito econômico, religioso e cultural, traçando
questões de gêneros e etnias. Nessa proporção, Baby
Suggs pede:
Levantem suas mãos e beijem-nas! Toquem-se uns aos outros com elas, acariciem seu rosto com elas, por que eles também não gostam dele. Vocês têm de amar seu rosto, vocês! E mais: eles não gostam de nossa boca. Lá fora, irão quebrá-la e quebrá-la de novo. [...] amem mais do que os olhos ou pés. Mais do que os pulmões que ainda têm muito a esperar para respirar o ar da liberdade [...] Sem dizer mais nada, ela então se levantava e punha-se a dançar, expressando tudo que ainda restava em seu coração, enquanto os outros cantavam, emitindo longas notas que vibravam em consonância perfeita com aquela carne profundamente amada (MORRISON, 2007, p. 126).
Como se pode
observar, esse é o lugar mágico, outro
ambiente que proporciona a liberdade, distante do mundo opressor, o ambiente da
clareira imprime a imagem da paz espiritual, é um universo estabelecido à parte
que celebra a liberdade dos afrodescendentes. A presença da natureza evidencia
a cura para os males do sistema escravocrata, caracterizando-o, assim, como um
ambiente politizado, sobre o qual Baby Suggs constitui nas suas mentes uma
subjetivação política de lutar e almejar pelos direitos, não baixar a cabeça e
reivindicar a cada ponto que for necessário, pois o grito de guerra está em
“Levantar as mãos” (MORRISON, 2007).
Na clareira, Sethe sente a cura que Baby Suggs
oferece e, pouco a pouco, junto com os demais, ela vai se rendendo: “Baby Suggs
moldando a sua nuca, dando-lhe nova forma, dizendo: Ponha-os de lado Sethe. A
espada e o escudo. Abaixe-os. Os dois” (MORRISON, 2007, p. 123). A luta de Baby
Suggs é uma atuação ativista de paz sem violência, e diante da força de seu
discurso Sethe, “na margem do rio perto da água que corria clara, depositava
uma a uma suas pesadas facas de defesas contra a miséria, o pesar, a amargura e
a dor [...] Baby Suggs, a santa, não aprovava excessos. Tudo depende de se
saber quanto” (MORRISON, 2007, p. 123-4).
Percebe-se que fortes ligações espirituais ocorrem
nesse espaço em que ecoam religiões africanas e visões de mundo natural, sobre
o qual se desconstroem as fronteiras entre os corpos, a natureza e a cultura.
De acordo com Daniels (2002, p. 4), depois de “divertindo-se com a verdade do
brilho de sua humanidade e conexão com a Natureza, Baby Suggs vê a si mesma
como sujeito de uma realidade africana de valores igualitários”,[2] que
ela pretende partilhar com os outros da comunidade.
Nessa percepção, o ritual africano de Baby Suggs traz
a reflexão na qual é necessário, antes de desbravar qualquer luta, se fazer
amar, para, então, continuar nas brigas dos direitos raciais de modo
harmonioso, como já dito anteriormente: a máquina de guerra de Baby Suggs está
no discurso pacífico, ela extrai, primeiramente, o rancor e o ódio que estavam
enraizado nos ex-escravos.
Do mesmo modo como Martin Luther King, líder do
ativismo político racial norte-americano, o qual conquistou inúmeras
instituições brancocêntricas nos Estados Unidos, visto que no discurso “I have
a Dream” (Eu tenho um sonho) ele prega o sonho de conquistar mais espaço na
sociedade branca. O mesmo acontece com Baby Suggs, ela potencializa a voz da
comunidade, fala em nome de uma coletividade e sustenta, com discursos, o
equilíbrio dos ex-escravos.
Dessa maneira, Baby Suggs consegue fazer com que
Sethe, finalmente, encontre a liberdade dentro da comunidade por usar a
natureza para amar a si mesma sem se conformar com outras normas da sociedade
brancocêntrica: “Na Clareira, junto com os outros, ela recuperou a si mesma.
Libertar-se era uma coisa; reclamar a propriedade desse eu libertado era outra”
(MORRISON, 2007, p. 134). Sethe fortifica, cada vez mais, a relação com a
natureza e compreende que não precisa forjar a própria relação com a natureza
só porque está em ambientes dos brancos, como foi o caso de enfeitar a cozinha
da senhora Gardner, quando ela camufla o espaço com as flores na tentativa de
sarar as dores da opressão, e encontra, na natureza, energias vitais que se
fundiam com as suas, assim, a sua relação com a natureza nunca foi mascarada,
pois Sethe sempre reconheceu que a natureza poderia ser usada para contestar a
opressão.
Nos momentos de angústia, Sethe visitava a Clareira
a fim de encontrar força e conforto. Esse espaço é visto por muitas pessoas
como um lugar que cura as dores. “Sethe resolveu ir à Clareira antes que a luz
mudasse, quando ainda era o lugar verde abençoado de que ela se lembrava: enevoado
com o vapor das plantas e das frutinhas em decomposição” (MORRISON, 2007, p.
127).
A aproximação das mulheres negras com a natureza
permitirá curar o trauma causado pela violência da escravidão. Nesse espaço de
conforto, Sethe lembra muito bem dos rituais ali realizados: “na Clareira,
Sethe encontrou a velha pedra de pregação de Baby e lembrou do cheiro de folhas
tremulando ao sol, o trovão dos pés e gritos que arrancava os brotos dos ramos
de castanheira. Com o coração de Baby Suggs no controle, o povo se soltava”
(MORRISON, 2007, p. 134).
É nesse ambiente de ar livre que Sethe busca
libertar-se das amarguras da vida que carrega consigo, as aflições de um
passado tenebroso. A clareira é o único espaço que, no fluxo de memória das
personagens, é relembrado com imenso carinho, pois proporciona a libertação dos
negros, liberta seus espíritos para ir ao encontro da paz, descarrega a
angústia, rancor, ódio, raiva, deixa o desejo de vingança de lado. Ou seja, é o
espaço do revigoramento, em que se encontram trilhas de fugas para a liberdade.
Esse é o espaço sobre o qual são relembrados os
rituais da grandiosa Baby Suggs, a apreciação amorosa a esse espaço é conhecida
como topofilia, logo, é definido por Tuan (1980, p. 8) como “o elo afetivo
entre a pessoa e o lugar ou ambiente físico”. Como visto, é o estreito
relacionamento de intimidade, afeto e carinho da pessoa para com o espaço que
constitui um “elo” significativo na vida de cada ser humano. A clareira é uma
representação do tipo topofílico.
Com as cenas expressas até aqui, Morrison revela,
no romance Amada, que as relações
positivas com a natureza são possíveis para as mulheres negras. Toni Morrison é
uma das autoras que escreve uma nova história que contém experiências positivas
com a natureza, por isso lhes permitirá curar o trauma causado pela violência
da escravidão e, desse modo, proporciona, também, uma oportunidade de se
reconectar com os rituais da cultura afrodescendente. Assim, o espaço da
clareira é uma fonte de poder e resistência para os afro-americanos; com isso,
torna-se um espaço que resiste e subverte o domínio da cultura branca.
Tratou-se de analisar, neste tópico, os aspectos da
biodiversidade e da comunidade negra, desbravando, na diversidade, a
representação do espaço topofílico e seus envolvimentos com as
personagens.Portanto, averiguou-se que a natureza analisada no romance se
apresenta como o espaço da cura espiritual, um ambiente seguro e amigo de
sentimento topofílico, como foi analisado na clareira de Baby Suggs.
4 –Considerações
Finais
No
romance Amada, o espaço é
representado de inúmeras formas, entre elas, na relação simbólica das
personagens no espaço habitado. As análises realizadas foram possíveis por que,
antes de tudo, existe um espaço na literaturaque permite o crítico analisaressas
inúmeras dinamicidades do espaço que são construídas a partir do real que o
leva para a ficção no intuito de concretizar outra realidade de vida, essa
parece ser uma das funções da escrita literária de Morrison.
A escolha da clareira por Morrison como o espaço da
resistência é uma forma de reparação, um lugar para celebrações que os
personagens desenvolvem o sentimento de topofília. É justamente nesse espaço
explorado por Morrison que é expressa a visão de grupos raciais, suas histórias
e papéis, demonstrando, dentro da formação americana, os modos pelos quais
foram marginalizados. Isso está claro na clareira, pois, nesse espaço, Morrison
chama a atenção para a vigilância; a natureza, nesse momento, é utilizada como
um escudo de defesa para os negros americanos.
O contato com a natureza nas representações das
personagensSethe e Baby suggs é visto comopossibilidades de recuperação e de
novos entendimentos acerca do convívio social dentro das encruzilhadas
culturais nos Estados Unidos que se permite aos afro-americanos imaginar uma
nova realidade de vida.
Desse modo,
constata-se que as personagens aqui analisadas encontraram o espaço de
libertação. Em torno dessas análises, verifica-se, também, que Morrison expõem os
espaços para retratar as relações fluidas de gênero, raça, natureza, identidade
e história dos afrodescendentes, desenhando o choque de percepções culturais do
mundo natural que incluem histórias alternativas e valores ligados à natureza.
Desse modo, Morrison permite a realização de várias experiências e, assim, cria
um espaço de “Alteridade” para desafiar e resistir aos discursos dominantes.
Vale salientar que essa pesquisa é um todo inacabada,assim, espera-se
contribuir de forma inovadora aos estudos de linha morrisoniana.
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Press, 2001.
[1]
Original: “Our perceptions and valuations of nature are not simply ‘natural’
responses to the green world but responses that rest on underlying racial
politics” (WALLACE; ARMBRUSTER, 2001, p. 225).
[2]
Original: “Reveling in the dazzling truth of her humanity and connection to
Nature, Baby Suggs sees herself as the subject of an African reality of
equalitarian values” (DANIELS, 2002, p. 4).