'UM PRESENTE PARA O MISTER': O HOMEM CORDIAL EM 'CORONEL DE BARRANCO'



Jamescley Almeida de Souza[1]
Francisca de Lourdes Souza Louro[2]

RESUMO:
Com o conceito de homem cordial, Sérgio Buarque de Holanda contribuiu de maneira significativa para a compreensão da cultura brasileira. A cordialidade é a contribuição tupiniquim para a civilização mundial.Coronel de Barranco é um romance histórico escrito por Cláudio de Araújo Lima cuja narrativa tenta reconstruir meio século do passado amazônico (1876-1926). Além de ser obra fundamental da literatura amazônica, o romance permite a análise desse traço do comportamento brasileiro em suas personagens, em especial, na vida do seringueiro Sandoval. Neste trabalho, os autores se propõem a realizar três objetivos: delinear o plano literário da obra, mostrar a cordialidade de que falou Holanda no personagem Sandoval e apresentar uma crítica a esse paradigma do comportamento brasileiro.
Palavras-chave:Amazônia.Coronel de Barranco. Homem cordial.Sandoval.

ABSTRACT:
Sérgio Buarque de Holanda helped significantly to understand the Brazilian culture when he devised the concept of “friendly man”. Friendlinessis the Tupiniquim contribution to the world civilization. Coronel de Barranco is a historical novel written by Cláudio de Araújo Lima whose narrative tries to reconstruct fifty years (1876-1926) of the Amazonic past. Besides being a paramount work of Amazonic literature, this novel gives the opportunity of analyzing this feature of Brazilian behavior in its characters, especially in Sandoval’s life. This paper aims to carry out three purposes: First, to outline the novel’s literary level; second, to show the friendliness in character Sandoval’s life. Last, to present a criticism to this paradigm of Brazilian behavior.
Keywords:Amazon. Coronel de Barranco. Friendly man. Sandoval.

INTRODUÇÃO

Um dos predicados mais formidáveis de uma cosmovisão é o seu caráter de se escamotear dentro de seu próprio conjunto de crenças (PALMER, 2001).A crença mesmo pode estar ali, até governando tudo, mas distante de qualquer reflexão. Um indivíduo, pois, pode possuir uma cosmovisão, agir de acordo com ela, defendê-la, mas ser incapaz de entendê-la, sopesá-la e alcançar o significado maior de suas ações. É nesse sentido que Ricoeur (1990) diz que a “ideologia é operatória e não-temática”. Tais são os brasileiros em relação à cordialidade. Deixam-se dirigir por ela em tudo, mas raramente ponderam até que ponto essa exacerbação de afeto pode lhes ser prejudicial. É bem verdade que esse traço humano pode estar presente em todas as culturas. Mas não seria exagero afirmar que não se pode discutir o assunto sem iniciar falando dos brasileiros.
Umas das maiores contribuições que já se fez ao entendimento da cultura brasileira veio de Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982), com sua reflexão sobre o homem cordial. O homem cordial é a parcela da ajuda brasileira ao mundo, é o tijolo proposto pelo povo tupiniquim para a edificação da cultura do orbe. E enquanto se discutir o que cada nacionalidade pode dar ao mundo, Holanda (1995) será axiomático: “já se disse, numa expressão feliz, que a contribuição brasileira para a civilização será de cordialidade — daremos ao mundo o homem cordial”.
A mentalidade cordial parece estar implantada no traço comportamental de todo brasileiro. É possível afirmar que ela constitui, bem é verdade, um dos arquétipos angulares do tipo nacional. O brasileiro é o homem cordial, o indivíduo em que “predominam os comportamentos exacerbados de aparência afetiva”. Lhaneza no trato, hospitalidade, generosidade e expansividade são os elementos de sua ação.
No romance amazônico Coronel de Barranco, de Claudio de Araújo Lima (1970; 2002), é possível observar com meridiana clareza a ação do homem cordial na personagem do seringueiro Sandoval. Sempre de “cara amarrada”, “pouco comunicativo e sistematicamente hostil a qualquer nova relação”, Sandoval muda completamente de conduta diante da presença do inglês Wickhan. É de tal monta a polidez com que ele trata o homem responsável pela saída das sementes de Hevea brasiliensis da Amazônia, que o comportamento do borracheiro parece ser a própria encarnação do tipo descrito por Holanda (1995). As deferências especiais ao planter vão desde uma recepção “com derramamentos de velho conhecido” ao presente inusitado — um galo-da-serra trazido em uma gaiola tosca —, momentos antes da viagem “apressada” de Wickhan, ansioso para embarcar com as mudas para a Inglaterra. É de Sandoval, e referente ao episódio supracitado, a frase que dá título a esse trabalho: “Um presente para o Mister”.
A abordagem que ora se faz à obra se propõe a três objetivos principais: delinear o plano literário do romance, mostrar o homem cordial encarnado nas ações do personagem Sandoval e apresentar uma crítica a esse paradigma do comportamento brasileiro, de alcunha holandiana.
Coronel de Barranco é um romance histórico, relatado pela memória do narrador, trazendo para o presente que ora se analisa como passado. Traz à baila ou ressurreição a poética dos seres humanos e que deles fazem parte. “O passado funciona assim como pré-história do presente, lugar onde se encarnam as verdades religiosas e as intemporais paixões humanas” (MARINHO, 1999).

O PLANO LITERÁRIO
            O Enredo
Coronel de Barranco, originalmente publicado em 1970, é um romance documental que reconstitui, em sua narrativa, cerca de meio século do passado amazônico. Os fatos, narrados pelo protagonista Matias Cavalcanti, vão do ano 1876 — quando Henry A. Wickhan foge com as sementes de seringueira para a Inglaterra — a 1926, ano em que se dá, de forma aberta, o fim da narração. O término do enredo não faz referência direta à morte de Matias, embora a interrupção se tome como certa. Pelo contrário, finaliza lançando mão de “um pedaço de existência que já se abismara no mais fundo de sua memória”, momento em que parecem dar as mãos os dois extremos da vida — o despontar e o anoitecer. Lukacs reitera esta ideia. Chamando a atenção para a força dramática que um autor pode imprimir a uma situação determinada:

E foi pelo anoitecer, à hora de voltar, o céu se avermelhando com os últimos raios de sol, que a barulheira áspera, de repente, me arrancou da contemplação em que eu vinha, alheado do mundo, os ouvidos acalentados pelo baticum rítmico do remo de Quinquim, a atravessar o rio de águas barrentas. Quando o bando de araras, azuis e amarelas e verdes e encarnadas, cruzou o rio, grasnindo e grasnindo, até se perder no outro lado da mata.

É razoável, portanto, classificar o enredo de Coronel de Barranco como orgânico (estrutura-se numa relação de interdependência entre os fatos narrados) e aberto, embora — como já se ressaltou — seja certo o passamento da vida.Segundo Carpeaux (2011), a práxis que se tem de a grande maioria de os enredos se encerrarem com a cessação da vida terrestre é uma criação moderna. Na Divina Comédia, por exemplo, Dante visita, como porta-voz do espírito humano, o mundo além-túmulo, e a epopeia universal permite que o florentino conheça o inferno, o purgatório e o céu.
A referência a “os ouvidos acalentados pelo baticum rítmico do remo de Quinquim, a atravessar o rio de águas barrentas” pode-se inferir com a tradição judaica e cristã, simboliza a origem da criação. Todavia, a água, como aliás todos os símbolos, pode ser encarada em dois planos rigorosamente opostos, embora de nenhum modo irredutíveis, e essa ambivalência se situa em todos os níveis. “A água, fonte de vida e fonte de morte, criadora e destruidora” (BACHELAR, 1989). A água diz com bastante clareza, pela sua colaboração, o que se passava na alma de Quinquim. E, “araras que cruzam o rio até se perder do outro lado da mata”, acompanham-no nessa travessia que poderia ser de solidão; no entanto, vão cantando ou prenunciando algo a acontecer. Pode-se dizer que elas prenunciam a poética da dor de um homem infeliz.

Espaço e tempo
O passado amazônico mostrado na obra tem como espaço o triângulo tapiri, barracão e casa aviadora nos longes do seringal “Fé em Deus”, no alto Acre, já fronteira com a Bolívia. É eminentemente rural. É nesse ambiente que se passa a maior parte dos acontecimentos, ainda que, em suas andanças pelo mundo, Matias pise o solo de outros seringais. Seu conflito psicológico o leva ainda à Manaus da “Belle époque”,bem como à Europa e à Ásia.
Boa parte da narrativa se passa tendo como pano de fundo os rios. Os rios são, na Amazônia, as verdadeiras estradas reais. São o espaço em que desfilam regatões, canoas e navios a vapor, ora transportando trabalhadores para os seringais ou mercadoria para os armazéns; ora à procura do sustento para a vida (marisco) ou a se realizar comércio. Em relação a esse último, surge, no horizonte da cultura amazônica, a figura daquele que pode ser considerado o verdadeiro mercador dos seus sinuosos rios: o árabe ou simplesmente “turco”, como era erroneamente chamado. Vindos do mundo sírio-libanês na segunda metade do século XIX, foram mais uma das etnias que ajudaram a formar o mosaico cultural da Amazônia. “Trocando o p pelo b, trocando o feminino pelo masculino”, como é narrado em E Deus chorou sobre o rio, de Elizabeth Azize(2006), a imagem do árabe se confunde com a história dos regatões amazônicos.Pode-se dizer que dava colorido e luxo à vida ribeirinha com seus produtos, mudava o ritmo da vida no interior. Foram os primeiros “Shoppings” na Amazônia.  
As barracas ou tapiris em que moravam os seringueiros, e lá passavam a maior parte da semana, eram habitações muito rústicas (ARAÚJO, 2003). A Sra. Agassiz, esposa de Jean Louis Agassiz, professor da Universidade de Cambridge que viajou pela Amazônia, ao visitar uma dessas habitações por aqui muito comuns, chegou a falar de certa “incúria” e “miséria” presentes na vida do homem amazônico (VERÍSSIMO, 1970). O seringueiro pegava a “estrada” antes das cinco da manhã e só retornava à barraca por volta das dez horas, momento em que tomava um café. A dieta, muito pobre, à base de enlatados (conservas e sardinhas) e de pirarucu salgado, era a causa de doenças fatais, que fazia “murchar a batata da perna”, como o beribéri. Era quase impossível escapar dessa moléstia, uma vez que — para continuarem sendo explorados — o seringalista os proibia de plantar verduras e pescar peixe fresco. Foi o que aconteceu com o seringueiro Joca:

Fisionomia triste, sem ânimo nem vontade de conversar, prostrado na rede, pálido e descarnado, Joca não conseguia mais pôr-se de pé [...] As pernas bambas e murchas, de batatas doloridas e sensíveis quando tentei apertá-las, os pés caídos e incapazes de manter a posição normal, eram a prova do processo de miséria orgânica que assumira um ritmo de aceleração incompreensível.

O narrador socializa os dados elementares fazendo-nos participar do momento histórico sem ponderação, obedecendo a um objetivo racional, um ato moral e apologético, que revela um mundo de valores onde o esforço de tornar inteligível, de pôr ordem e de racionalizar se conforma com a exigência da construção de uma imagem. E aquele que lê aceita também este pacto e entra no jogo, deixando-se então embalar pela ilusão realista, fingindo acreditar no encadeamento necessário dos acontecimentos, aceitando ser tomado como testemunha, cúmplice, juiz.
O tempo de Coronel de Barranco é cronológico. Os caudalosos rios de memórias que fluem de Matias são apresentados linearmente e os acontecimentos que passam diante dos olhos do leitor são postos em discurso direto.Daí concluímos que o sentimento da necessidade de reconstrução e interpretação do passado (nessa escolha de discurso direto) leva a que ele apareça tão caótico e complexo como o presente. “Assim, a (H)istória aparece submetida à literatura, devendo sempre prevalecer a lógica a ficção, desde que faça sentido histórico(MARINHO, 1999).

O narrador
O romance é narrado em primeira pessoa por Matias Cavalcanti, jovem que nos idos de 1876 se encontrava “em certo trecho de mundo que se estende entre a foz do Madeira e a boca do Tapajós”. Lá, ele consegue hospedagem no seringal “Tristeza”, de propriedade de seu tio Amâncio, onde também encontra Wickhan. Matias é o personagem principal; logo, um narrador protagonista ou autodiegético:

Meu tio Amâncio concedera-lhe a hospedagem, pedida para servir de base a pequenas explorações na região. Como estava escrito na carta assinada pelo cônsul da Grã-Bretanha em Belém, que o credenciava como cientista digno da maior consideração. Um súdito de Sua Majestade, a serviço exclusivo da botânica e da agricultura.

Ainda dentro dessa perspectiva de romance histórico, percebe-se a atestação da veracidade com o topos do lugar e o topos da credencial dos hóspedes aqui chegados. Isso foi uma preocupação dos romancistas do século XIX. É evidente que em muitos destes romances os heróis são personagens inventadas que se movimentam num fundo histórico autêntico, podendo os acontecimentos reais ter uma maior ou menor influência no desenrolar da intriga.

O ponto de vista
O ponto de vista (ciência) assumido é a focalização externa. Matias lança mão de suas lembranças — o citado “pedaço de existência que já se abismara no mais fundo da memória” com que abre a narração — para narrar aquilo que pode apreender através dos sentidos: “De repente, a explosão de uma lembrança que fez minha vida cavalgar às avessas, devorando anos e anos [...] E a certeza de que tudo aquilo acontecera, sim. Talqualmente, com todas as cores e sons, em semelhante momento crepuscular, também à hora de cruzar o rio”.
O rio é a metáfora da viagem da vida ou da morte no romance. Recai sobre Matias“o reconhecimento de si, e, a questão é: de que me lembro”? Será sob a égide de Bergsono“reconhecimento das imagens”, pois é nele que ressurge com força a noção grega de “anámnesis”, é nele que o personagem se questionará a recordação da lembrança – quê? – como?- ou – quem se lembra? Esta é a dinâmica da rememoração para o reconhecimento de si mesmo. “A mneme-memória designa a simples presença do espírito de uma imagem do passado concluído; uma imagem do passado vem-me ao espírito” (RICOEUR, 2006).

As personagens
Com o propósito de mostrar a figura exploradora do seringalista, na maior parte das ações Matias divide a cena com Cipriano Maria da Conceição, ou simplesmente Coronel Cipriano. Cipriano é o Coronel de Barranco que rege o seringal “Fé em Deus” com cetro de ferro. Como a maioria dos seringueiros da Amazônia, era proveniente do Ceará, vindo com “a leva de cearenses flagelados, da seca de setenta e sete”, e conseguiu fazer seu pé de meia porque possuía os “certos defeitos indispensáveis”. Como conta o escrivão de bordo do gaiola “Rio Pauini”, o transporte aquático que levava os “brabos” para o seringal de Cipriano:

Porque o senhor pode ter certeza de uma coisa: para ser um verdadeiro “patrão” de seringal, e acabar assim com brilhante no dedo, gastando contos e contos de réis nas pensões de Manaus, o sujeito tem de ter uns certos defeitos indispensáveis. Senão, a coisa não vai. É preciso ter uma ambição cega. Só pensar no lucro. E, acima de tudo, precisa ter o coração duro. Principalmente, para enfrentar e saber castigar certos seringueiros desonestos. Do tipo de Cipriano, que era bicho desonesto mesmo.

Coronel Cipriano soube ser “patrão” e conseguiu subir na vida. Passou a ter o direito de desfrutar daquilo que ele mais amava na vida: gastar seus contos de réis no gozo venéreo com as cocotas da Floreaux. Era falar de mulheres e “recrudescia a eloquência de meu rude patrão”. “— Cada vez que a gente chega a Floreaux, é mais mulherio novo. E é cada pedaço de francesa, que Deus me livre e guarde”, costumava soltar Cipriano.
No início do romance, Matias vive com seu tio Amâncio e sua tia Raimunda no seringal “Tristeza”. Na mesma casa mora Rosinha, sua prima de “grande olhos negros” e “colo moreno”, por quem ele se enamorou e a quem jamais esqueceu. Nem mesmo quando sua vida se une à da doce Mitsi, oriental de “olhos amendoados” radicada em Paris, com quem se casou. A Amazônia e a Ásia se encontraram em Matias e no fundo da sua memória se fundiu os dois lados do sol, representados nas imagens de Rosinha e Mitsi.

Acima de tudo, as que se prendiam à imagem de Rosinha, que fluía e refluía na minha consciência, sob as mais variadas formas. Alegre e irônica, como eu a reencontrara, mulher feita, meses antes. Triste e agressiva, como na noite de sua confissão de amor. Misteriosa, como nos dois dias que passara a se esconder de mim, após a última conversa [...] Por fim, quando o jogo já houvesse começado, as manobras para escapar em direção à popa, para o que eu mesmo já chamava, em solilóquio, o meu encontro espiritual com Mitsi.

As duas personagens femininas, bem a propósito configuradas: uma amazônida, que representa a terra, e a outra a Ásia, para onde foram levadas e plantadas as sementes da seringueira. Em Rosinha, a tradição, em Mitsi, a perdição. Matias, no dizer de Machado de Assis, une as duas pontas — Amazônia e Ásia.
Um verdadeiro caldeirão étnico é exibido na narrativa: além dos seringueiros e seringalistas, muitos aventureiros e imigrantes de outras nacionalidades— britânicos, franceses, asiáticos etc.

SANDOVAL: O HOMEM CORDIAL
Em Coronel de Barranco são cordiais Matias, seu tio Amâncio e sua tia Raimunda. Matias, valendo-se do “pouco do inglês que aprendera no Colégio Anacleto”, decide ajudar Wickhan e acaba se tornando o seu intérprete, deliberação que selaria o seu destino para sempre. Seu tio Amâncio, “entre sorrisos que se propagavam aos demais que sentavam à mesa, ordenou que, ao invés do trabalho quotidiano”, Matias “acompanhasse aquele bife engraçado por onde ele quisesse passear”. Wickhan chegava mesmo a ocupar Matias não só durante o dia, mas também à noite, em conversas no “alpendre, mesmo depois que todos se recolhiam”, o que impedia que o mancebo cumprisse a última parte de seu “ritual diário”: a conversa com a prima Rosinha. A tia Raimunda, por sua vez, não se mostrava menos cordial, iniciando Wickhan nos “mistérios gastronômicos do guisado e do paxicá de tartaruga”, sempre com uma boa dose de hospitalidade matriarcal. Mas, no romance de Cláudio de Araújo Lima, o homem cordial por excelência é mesmo o seringueiro Sandoval.
Sandoval morava em uma barraca a trinta minutos de caminhada do armazém. Era a mais próxima dentre todas as do seringal “Tristeza”. Sempre de “cara amarrada” com seus pares, o machadinho muda de conduta tão logo vê uma cara de “gente da estranja” chegando à sua barraca: “Encontrei-o de cara amarrada, a que atribuí a estranheza que lhe houvesse causado a presença do inglês, que o saudou com derramamentos de velho conhecido, sendo Sandoval tão pouco comunicativo e sistematicamente hostil a qualquer nova relação”.
Enquanto “servia o inglês um pouco de café, na caneca de folha”, Sandoval ia lhe dando informação sobre tudo ao que tocava a questão da extração do látex amazônico:

Seu Matias, por favor, explique a ele que esta é a primeira madeira da minha estrada [...] Retornando à barraca, o inglês prosseguiu no asfixiante inquérito. E eu a dar-lhe, como pedia, informações sobre a vida de um extrator de borracha, o tema em que agora se concentrava [...] Já então poucos metros adiante começava a coleta do látex nos galões, sob o olhar interessadíssimo do inglês, que o mirava atentamente. E cheirava-o. Procurava sentir-lhe a consistência, a viscosidade, o grau de elasticidade, entre o indicador e o polegar [...] Ao passo que, a cada gesto, eu era obrigado a tentar traduzir-lhe o significado específico da atividade extrativa. A machadinha. O galão. As pequenas tigelas de folha-de-flandres. Primitivos e reduzidos petrechos, cujo nome ele repetia, preocupado em fixar, após soletrar e escrever, com a minha ajuda, no seu caderninho de notas.

Ao se informar sobre todo o modus operandi e o modus vivendi de um seringueiro — o know how que seria utilizado no sucesso das plantations no Ceilão —, Wickhan vê, em toda a sua efusão, a contribuição brasileira para a civilização. É essa cena de Sandoval que dá título e sentido ao trabalho:

Ao ver que teríamos mesmo de partir, Sandoval pediu um minuto de espera, desaparecendo por trás da barraca. E, voltando, trazia na mão uma gaiola tosca, por ele próprio fabricada, onde se destacava a beleza de um galo-da-serra. Um presente para o Mister, que o recebeu com emoção, abraçando-o efusivamente, à maneira brasileira (grifos nossos).

Depois, numa manhã de domingo, quando os fiéis ouviam o sermão do padre, “com uma eloquência vigorosa”, surge, no meio da missa, a figura de Sandoval, caminhando em direção ao altar. “Questão de meio minuto: de repente só vi a lâmina do punhal brilhar e logo se afundar no coração do padre [...] virou-se na direção de Rosinha que, num gesto instintivo de fuga, se levantou”.
Sandoval também matara Rosinha. “Em um mínimo de segundos, estava prostrada, ali mesmo, sangue a correr do ventre rasgado pela fúria de Sandoval”.
Aquela “cara amarrada” e aquele “olhar tímido” que Sandoval direcionou a Matias quando da visita deste com Wickhan ao tapiri do seringueiro estavam “prenhes” de ódio e de vingança. Sandoval amava Rosinha. Esta amava Matias. Matias também amava Rosinha, mas era “britânico” demais — como ele a si mesmo se referia — para dar o passo decisivo. Agora, o filho, “o filho proibido”, que ela trazia no ventre era do jovem padre. Daí o tom misterioso com que Sandoval promete visitar o barracão no domingo: “No domingo, quando eu for me aviar, queria conversar melhor com o senhor”. Essa é a história de Sandoval, o homem cordial de Coronel de Barranco.
O romance de Cláudio de Araújo Lima mostra, com clareza meridiana, a contribuição brasileira para a civilização. Como disse Holanda (1995), “daremos ao mundo o homem cordial”. Os franceses podem ter entrado com o glamour ou com a culinária para a formação da cultura do orbe; os gregos, por sua vez, com quase tudo — a política, a democracia, a filosofia, o estado, a tragédia; os italianos, com o canto lírico; os japoneses, com a polidez; os ingleses, com o futebol ou com a pontualidade; os ibéricos, com a cavalaria ou com a descoberta de novos mundos e de novos mares; os chineses, com a pólvora e com o papel; os fenícios (sírio-libaneses), com a invenção do alfabeto e com a arte da navegação, como mostra Azize (2006) em E Deus chorou sobre o rio, onde a figura do árabenavegante sobe e desce os rios amazônicos em regatões e batelões. A lista poderia ser imensa. Mas a contribuição tupiniquim para o mundo é o predomínio dos comportamentos de aparência afetiva, mostrados por Sandoval aqui ao inglês Wickhan.
Segundo Holanda (1995), engana-se quem pensa que aquela saudação de Sandoval a Wickhan com “derramamentos de velho conhecido” era sincera ou profunda. E olha que se trata de um espaço rural, de um homem da Amazônia ribeirinha, dos “caboclos da beira” (TOCANTINS, 2000), lugares em que, teoricamente, há um cuidado e uma hospitalidade até hoje ainda maior entre os homens. Mas aquela conduta era, na verdade, a verdadeira cordialidade brasileira em ação, como revela Holanda (1995):

O “homem cordial” não pressupõe bondade, mas somente o predomínio dos comportamentos de aparência afetiva, inclusive suas manifestações externas, não necessariamente sinceras nem profundas, que se opõem aos ritualismos da polidez. O “homem cordial” é visceralmente inadequado às relações impessoais que decorrem da posição e da função do individuo, e não da sua marca pessoal e familiar, das afinidades nascidas na intimidade dos grupos primários.

E continua:

Ao que se poderia chamar “mentalidade cordial” estão ligados vários traços importantes, como a sociabilidade apenas aparente, que na verdade não se impõe ao indivíduo e não exerce efeito positivo na estruturação de uma ordem coletiva. Decorre deste fato o individualismo, que aparece aqui focalizado de outro ângulo e se manifesta como relutância em face da lei que o contrarie.

Até hoje,face à visita de um estrangeiro ao país, se comportam assim os brasileiros. Cercam-no de tudo: cuidados, comida, afetividade, boas gargalhadas, boa companhia. São hospitaleiros ao extremo e é comum aqueles que visitam o Brasil o deixarem com uma boa dose de cordialidade, até mesmo muito alardeadas lá fora. E quando chegam à sua terra e lhes pedem para descrever os brasileiros, falam, sobretudo, do “calor” que flui dos tratos nacionais. 
Segundo o autor de Raízes do Brasil, esse ímpeto brasileiro de tentar cooptar tudo para a esfera da intimidade possui uma explicação. Ele não significa “boas maneiras, civilidade”, mas uma tentativa de fugir do rigor dos “ritualismos da polidez”. Polidez aqui no sentido de civilidade, de tratamento adequado das “relações impessoais que decorrem da posição e da função do indivíduo, e não da sua marca pessoal e familiar, das afinidades nascidas na intimidade dos grupos primários”. A Holanda (1995), mais uma vez, a palavra:

Nenhum povo está mais distante dessa noção ritualista da vida do que o brasileiro. Nossa forma ordinária de convívio social é, no fundo, justamente o contrário da polidez. Ela pode iludir na aparência — e isso se explica pelo fato de a atitude polida consistir precisamente em uma espécie de mímica deliberada de manifestações que são espontâneas no “homem cordial”: é a forma natural e viva que se converteu em fórmula. Além disso, a polidez é, de algum modo, organização de defesa ante a sociedade. Detém-se na parte exterior, epidérmica do individuo, podendo mesmo servir, quando necessário, de peça de resistência. Equivale a um disfarce que permitirá a cada qual preservar intatas sua sensibilidade e suas emoções.

Daí haver, no Brasil, a dificuldade que homens públicos encontram para separarem o espaço público do privado, descambando em males como o nepotismo e outras antipolíticas que tanto tem prejudicado “o funcionamento dos nossos serviços”:

A nostalgia dessa organização compacta, única e intransferível, onde prevalecem necessariamente as preferências fundadas em laços afetivos, não podia deixar de marcar nossa sociedade, nossa vida pública,todas as nossas atividades. Representando, como já se notou acima, o único setor onde o princípio de autoridade e indisputado,a família colonial fornecia a ideia mais normal do poder, da respeitabilidade,da obediência e da coesão entre os homens. O resultado era predominarem, em toda a vida social, sentimentos próprios à comunidade doméstica, naturalmente particularista e antipolíticas, uma invasão do público pelo privado, do Estado pela família.

Daí, igualmente, a abundância e o pendor acentuado para o uso de diminutivos, tão presentes nos codinomes dos jogadores de futebol brasileiros (“Ronaldinho”, “Robinho”, “Mazinho”, “Cicinho”, “Romarinho”, “Fernandinho”, “Zinho”, “Kaká”, que não deixa de ser forma linguística afetiva). É interessante reparar que todos os esportistas e atletas europeus, asiáticos, africanos, médio-orientais, americanos, centro-americanos e quase todos os sul-americanos usam o nome de família na parte superior da costa para identificação. A única exceção — repito, a única — é o brasileiro, que parte para o nome de batismo e para o diminutivo. A explicação linguística de Holanda (1995) é:

A terminação “inho”, aposta às palavras, serve para nos familiarizar mais com as pessoas ou os objetos e, ao mesmo tempo, para lhes dar relevo. É a maneira de fazê-los mais acessíveis aos sentidos e também de aproximá-los do coração. Sabemos como é frequente, entre portugueses, o zombarem de certos abusos desse nosso apego aos diminutivos, abusos tão ridículos para eles quanto o é para nós, muitas vezes, a pieguice lusitana, lacrimosa e amarga [...] A mesma ordem de manifestações pertence certamente à tendência para a omissão do nome de família no tratamento social. Em regra é o nome individual, de batismo, que prevalece. Essa tendência, que entre portugueses resulta de uma tradição com velhas raízes — como se sabe, os nomes de família só entram a predominar na Europa cristã e medieval a partir do século XII —, acentuou-se estranhamente entre nós. Seria talvez plausível relacionar tal fato à sugestão de que o uso do simples prenome importa em abolir psicologicamente as barreiras determinadas pelo fato de existirem famílias diferentes e independentes umas das outras.

Toda a civilidade e polidez de Sandoval de esfacelam no ódio e na vingança que ele demonstra ao fazer o “punhal brilhar” no coração do padre e no ventre de Rosinha. Mais uma vez Holanda (1995) explica essa aparente contradição, ainda que não se deixe de levar em consideração a imprevisibilidade humana. A polidez do homem cordial habita a sua “parte exterior” e isso lhe permite “manter intatas sua sensibilidade e emoções”. Em outras palavras, nesse homem o social jamais triunfa sobre o individualismo. Ao mesmo tempo em que ele se recusa a “viver consigo mesmo, em apoiar-se sobre si próprio em todas as circunstâncias da existência”, não consegue viver sem essa “expansão para com os outros”. Daí não se estranhar o “derramamento” de afetividade para com Wickhan e o ímpeto de fúria cega em relação às suas vítimas. O autor de Raízes do Brasil lembra que Nietzsche se referiu a esse tipo de homem:

No “homem cordial”, a vida em sociedade é, de certo modo, uma verdadeira libertação do pavor que ele sente em viver consigo mesmo, em apoiar-se sobre si próprio em todas as circunstancias da existência. Sua maneira de expansão para com os outros reduz o individuo, cada vez mais, à parcela social, periférica, que no brasileiro — como bom americano — tende a ser a que mais importa. Ela é antes um viver nos outros. Foi a esse tipo humano que se dirigiu Nietzsche, quando disse: “Vosso mau amor de vos mesmos vos faz do isolamento um cativeiro”.

As demonstrações de cordialidade de Sandoval para com Wickhan atingem o clímax quando aquele o presenteia com um galo-da-serra. Vê-se que o costume que leva estrangeiros a levarem a fauna brasileira como souvenir para suas terras não é recente. Vem mesmo desde a época do descobrimento da colonização. Papagaios, araras e periquitos e muitas outras “aves coloridas” foram levadas para a coorte portuguesa em Lisboa. Daí a terra ter ficado conhecida, à época, como “a terra dos papagaios” (CAMINHA).

UMA CRÍTICA AO HOMEM CORDIAL
Como demonstrou Holanda (1995), “o homem cordial é visceralmente inadequado às relações impessoais que decorrem da posição e da função do individuo, e não da sua marca pessoal e familiar”. A questão é: por que Sandoval não tratou Wickhan de acordo com a posição da função do indivíduo? Por que tinha que esparramar seus cumprimentos, chegando, inclusive a entregar o know how do ouro branco amazônico? Por que ele não desconfiou daquele planterembusteiro? Por que ninguém percebeu os ardis do inglês? A verdade é que todos — Matias, Amâncio, Raimunda e Sandoval — eram brasileiros, e agiram e se comportaram como tais: cordiais.
Autores amazônicos relatam, por exemplo, que muitos se levantaram, na época do apogeu da borracha, para falar dos perigos das plantations da Ásia, tendo tentado inclusive avisar Tenreiro Aranha (REIS, 1989; BENCHIMOL, 1999; MONTEIRO, 2002). Mas era comum se fazer ouvidos moucos, tal como costumava fazer o personagem de Coronel Cipriano no romance. Daí a queda ter sido grande quando veio a derrocada.
A cordialidade é o mesmo sentimento que leva os brasileiros, por exemplo, a não cuidarem de suas fronteiras, de suas riquezas, de seus bens, da sua borracha. É do mesmo gênero também o fato de não saberem lidar com o período de abundância que tiveram, torrando — literalmente — todo o dinheiro que ganharam. Não se pensou em um planejamento para o futuro. Achavam que aquele negócio nunca iria acabar. Mas a Idade da Pedra acabou... e não foi por falta de pedra.Não percebeu Tenreiro Aranha, os seringalistas e os donos de casas aviadoras que o Estado precisa ser pensado. É preciso haver um plano, haver consciência, prontidão e autorreflexão para poder haver um Estado. Como lembra Ortega y Gasset (1987):

Não há criação estatal se a mente de certos povos não é capaz de abandonar a estrutura tradicional de uma forma de convivência, e, além disso, de imaginar outra nunca sida (grifos nossos). Por isso é autêntica criação. O Estado começa por ser uma obra de imaginação absoluta. A imaginação é o poder libertador que o homem tem. Um povo é capaz de Estado na medida em que saiba imaginar. Daí que todos os povos tenham tido um limite em sua evolução estatal, precisamente o limite imposto pela Natureza a sua fantasia. O grego e o romano, capazes de imaginar a cidade que triunfa da dispersão campesina, detiveram-se nos muros urbanos. Houve quem quis levar as mentes greco-romanas mais além, quem tentou libertá-las da cidade; mas foi vão empenho. A escuridão imaginativa do romano, representada por Bruto, encarregou-se de assassinar César - a maior fantasia da antiguidade -. Importa-nos muito aos europeus de hoje recordar esta história, porque a nossa chegou ao mesmo capítulo.

É do mesmo traço da mentalidade cordial o fato de não saberem se medir com precisão e transparência com outros povos,sempre declinando para um dos dois extremos: ou o desprezo pelos outros ou o “complexo de vira-lata”, como cunhou Nelson Rodrigues. O fato de menosprezarem a seriedade e o viver dos outros povos quando estão “por cima”, como fazia Cipriano, zombando dos “bifes” (ingleses) e dos “chinas” (orientais):

Qual... Esses bifes são é mesmo muito dos burros [...] Ora, Comandante... Que entendidos? Quem é que é entendido nesse negócio de seringa, fora daqui? [...] Olha, Comandante, eu acho, com franqueza, que esses chinas andam é brincando de fazer jardim com seringueira. Lugar de china é em lavanderia, como essa aí da Dez de Julho. Espie só a beleza deste fato engomado pelos chinas. Lavanderia. Ou então na cozinha do Hotel. É cada besteira que a gente sabe desse pessoal da estranja. Qualquer hora dessas, eles inventam de fabricar um riozão pai-d’égua como o Amazonas, pra brincar de criar sardinha.

Vê-se a facilidade com que Wickhan operou o contrabando das sementes. Ganhou um visto de planter na cidade de Belém, “um verdadeiro súdito de Sua Majestade”, como dizia o documento. Não havia, por parte das autoridades, preocupação nenhuma em proteger o ouro branco, embora se soubesse que a Amazônia sempre foi o “Paraíso dos Naturalistas” (MORAES, 2001) e que para cá eles tornariam a voltar. E voltaram.
Os ingleses, pelo contrário, planejaram tudo muito bem. E, ao observarem o negócio rentável que era a extração gomífera, não estavam dispostos a verem o preço da borracha se elevar dia após dia sem lucrarem de forma direta de toda aquela riqueza. Hoje, tendo ficado para trás o maior ciclo econômico da região, é razoável pensar que, impostores ou não, os ingleses souberam planejar e deram prova cabal daquela “autêntica criação” e “imaginação absoluta” de que fala Ortega y Gasset (1987). E isso é preciso reconhecer, mesmo que se fique a lamentar como vítima. A coragem que tiveram — como homens do Norte, que são — de enfrentar a zona equinocial e de montar, a quilômetros de distância de sua terra, toda uma estrutura, com empresas especializadas em diversos segmentos (energia, saneamento básico, navegação, construção) é louvável. Sem falar do cuidado beneditino que teve Wickhan. Matias, ao observá-lo no seringal, narra o porquê de o plano inglês ter tido sucesso:

Horas e horas que ele gastou, empolgado, numa tarefa que eu não podia compreender. Colhendo bocados de terra, aqui e acolá, e que ia acomodando em latas de vários tamanhos. Enchendo frasco com água dos riachos e igarapés mais próximos. Raízes de plantas, que arrancava cuidadosamente, quase carinhosamente. E até alguns bichos da terra, além de besouros e borboletas, Tudo que se encontrasse a curta distancia das seringueiras, que para mim não tinham real existência além do momento em que a faina extrativa se realizava.

Será que, se fosse o contrário, o homem cordial teria tido a prontidão e a diligência de agir assim. Certamente que não.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Coronel de Barranco é um romance-documental de cuja narrativa fluem caudalosamente meio século do passado amazônico. Acompanhando os “pedaços de existência” de Matias Cavalcanti, o leitor tem diante de seus olhos a reconstrução daquele que foi considerado o maior ciclo econômico que a Amazônia já conheceu. Ao mesmo tempo em que descreve a riqueza que a extração do ouro branco trouxe para a região, a narrativa cuida em fazer o contraste do fausto que exibia a Manaus da Belle époque com a exploração e a miséria em que viviam os seringueiros.
Em Coronel de Barranco é possível observar aquela que é considerada a contribuição brasileira para a civilização: a cordialidade. Nas palavras de Sérgio Buarque de Holanda, cunhador desse pensamento, “daremos ao mundo o homem cordial”. No romance de Cláudio de Araújo Lima a cordialidade se encarna na personagem de Sandoval, um dos borracheiros do seringal “Tristeza”. Embora seja possível divisar esse traço da cultura brasileira em outros personagens, é nele que esse comportamento pode ser visto com meridiana clareza. Daí ter sido escolhido o homem cordial desse trabalho.
Conforme a crítica proposta a esse homem cordial, é razoável dizer que se trata de algo inerentemente brasileiro. É a nossa contribuição para a cultura do orbe;mas é, concomitantemente, uma das maiores responsáveis por “algumas das mazelas de nossa vida social, política e afetiva”. Em Coronel de Barranco, Sandoval trata com “derramamentos de velho conhecido” o homem responsável pela saída das sementes de nossa Hevea brasiliensis. Talvez os brasileiros comumente não reflitam sobre ideologia, já que as crenças costumam se escamotear dentro de seu próprio sistema. Mas ela está lá, e sobrevive triunfante como um arquétipo de nossa memória coletiva, do modo de ser brasileiro.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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VERÍSSIMO, J. Estudos amazônicos. Belém: Universidade Federal do Pará, 1970.




[1] Graduado em Letras – Língua Inglesa (UNINORTE/Laureate Universities).
[2] Doutora em Poética e Hermenêutica pela Universidade de Coimbra.