Ariane Avila Neto de
Farias
Universidade Federal do
Pampa-Unipampa
Resumo:
O presente trabalho tem como principal objetivo a análise da obra Mrs.
Dalloway de Virgínia Woolf e dos poemas Integrity e Splitting de
Adrienne Rich. O tema central circunda o
processo da construção da subjetividade e sexualidade da figura feminina do
século XX. Nessa perspectiva, pretende-se refletir sobre a representação do sujeito
feminino na literatura do passado, como indivíduo preso a bases patriarcais, e
a construção de sua subjetividade/identidade e sexualidade, na contemporaneidade,
como sujeito singular e reflexivo diante do poder da figura masculina. A proposta
aqui é articular a fala de autoras como Teresa de Lauretis e Simone de Beauvoir
com o trabalho de Woolf e Rich, mostrando que com a crescente discussão de tal
construção promove-se, não só uma nova percepção de mundo, mas uma mudança no quadro
de referências e critérios, na avaliação de fenômenos sociais.
1. Introdução
O presente artigo resulta
de estudos iniciados em 2013 durante a disciplina de Literatura em Língua
Inglesa na Universidade Federal do Pampa. A proposta aqui é discutir sobre o
sujeito feminino, sua sexualidade e a implicância desta na construção da sua
subjetividade ao longo dos últimos dois séculos. Para tal análise, foram
escolhidos dois trabalhos: Mrs. Dallloway
de Virginia Woolf e os poemas Integrity
e Splitting de Adrienne Rich.
No início do século XX,
em uma sociedade ainda enraizada no patriarcalismo e em uma estrutura binária
dominante/dominado à figura feminina restava o cumprimento dos papéis
pré-determinados a ela como sujeito dominado. O homem sendo o responsável pelo
sustento da casa e o detentor de um poder inquestionável, cabia à mulher, desde
cedo preparada para as obrigações domésticas, o dever materno e privado de atender
aos desejos do homem (marido, pai e filhos).
Em uma cultura
ocidental, baseada em uma ideologia de dominância masculina, a autonomia social
feminina não existia, estando esta sempre condicionada aos mandamentos de seu
“dono”. Desta maneira, à mulher restava o papel secundário no desenvolvimento
da sociedade. Sua voz era silenciada pelas decisões masculinas. Enquanto o
homem era o sujeito independente, a figura feminina representava a dependência,
o “outro”, tudo o que aquele não o era, ficando evidente que as relações de
gênero em tal século não eram guiadas por noções de igualdade e liberdade,
estando as mulheres sujeitas a conceitos de diferença e principalmente, de
inferioridade.
É na segunda
metade do século XX que a mulher toma o seu espaço de “sujeito intermitente”,
conceito trazido por Inês Signorini em seu livro Lingua(gem) e Identidade (2006). Esta é agora, habitada pelo desejo
e razão, ambos incompletos e em um constante processo de reconstrução. Aos
poucos, percebe-se que a mulher pode ser mais do que esposa e mãe, ocupando o
seu espaço na sociedade. Esta não é mais dona de uma identidade e características
únicas. O sujeito feminino percebe a construção de sua identidade como
indivíduo, fugindo de qualquer estereótipo feminino desejado pela cultura
Ocidental do século XIX e início do século XX, reconhecendo sua heterogeneidade
como sujeito. A aura angelical feminina
trazida pelo Romantismo é agora desconstruída e substituída por um corpo como
lugar de diferentes sentimentos e confrontos.
Ao deixar de ter
sua subjetividade amarrada aos desejos masculinos, a mulher torna-se, como
exposto por Arleen Dallery em seu texto A
Política da Escrita do Corpo: Écriture Féminine (1997), um produto
de seu ambiente, tendo tudo o que a cerca importância em sua construção/reconstrução.
É em seu movimento que a figura feminina de diferentes classes sociais e
sexualidades constrói sua subjetividade, desconstruindo, gradualmente, os
padrões mantidos por anos como modelos a serem seguidos.
A subjetividade é,
assim, reconsiderada em um tempo de grandes transformações e desafios
políticos, econômicos e tecnológicos. Tais modificações acarretam em um sujeito
em fluxo e em progresso, mutante, “uma composição metamórfica de fragmentos
heterogêneos e desarticulados” (DALLERY, 1997, p. 54). Surge um frágil
indivíduo, constituído por razão e corpo; inteligência e ainda experiência.
Deste modo, busco figurações diversas de
mulheres nas obras selecionadas, que escapem ou não aos estereótipos correntes
sobre o feminino, nos períodos em questão. Tal busca encontra-se comprometida
com a transformação de uma configuração social que apaga a multiplicidade das
formas de existir e estar no mundo feminino.
Na primeira parte do presente artigo
explicitarei meus pressupostos de análise e meu arcabouço teórico-metodológico.
Portanto, questões concernentes à identidade e subjetividade feminina, e de
relações de poder e gênero serão discutidas para que então, na segunda parte do
trabalho se passe a análise da obra de Virginia Woolf, Mrs. Dalloway. Na parte que se segue, será apresentada a análise
dos poemas de Adrienne Rich. Por fim, nas considerações finais buscarei um
balanço final de minha pesquisa, retomando as matrizes de sentido, valores e
representações sociais sobre a subjetividade e sexualidade feminina, encontrada
ao longo da análise das fontes.
2. A subjetividade
feminina e os instrumentos para a sua análise
Como uma infinita fonte
de representação da vida e da sociedade, é na literatura que os seres humanos
encontram o melhor caminho para a imputação de sentido à vida e a si mesmo.
Desta maneira, a literatura de autoria feminina faz-se uma valiosa fonte na
pretensão de uma aproximação possível da maneira como se dá/deu a construção
das subjetividades femininas. Tal escrita converte-se em um meio de
interpretação das sensibilidades femininas e das manifestações das exterioridades
públicas e privadas da mulher no decorrer da história. Interpretada por si
mesma, a figura feminina é assim, reflexo do mundo que a cerca e de suas
experiências.
“Experiência é o processo
pelo qual, para todos os seres sociais a subjetividade é constituída. Através
desse processo a pessoa se coloca ou é colocada na realidade social, e assim,
percebe e compreende como subjetivas (que se originam no indivíduo e se referem
a ele próprio) aquelas relações – materiais, econômicas e interpessoais – que são,
de fato, sociais, e, numa perspectiva maior históricas.(LAURETIS, 1984, p. 159)
Os indivíduos
estão sempre se definindo diante de uma realidade pela historicidade das
relações sociais. Estes são definidos diante de uma realidade construída pelo
olhar do outro, pela historicidade das relações sociais, percebendo-se a
qualidade interpretativa desta diante de uma análise social. O sujeito
participa da construção de uma realidade percebida, representada e interpretada
por seus atores – que está de certa forma presente quando se nasce e, portanto
constrói este em sua subjetividade. Por construção da subjetividade ou modos de
subjetivação, adota-se aqui o conceito trazido por Foucault em seu livro Ética, Sexualidade, Política, onde esta
é vista “como o processo pelo qual nós obtemos a construção de um sujeito, mais
exatamente de uma subjetividade de que nada mais é que uma das possibilidades
dadas de uma organização de uma consciência de si” (Foucault, 2001, p.106). A
experiência não é, portanto, algo autoevidente ou definido, é antes uma
interpretação a ser interpretada na análise social.
Se por um tempo a crença em uma relação direta entre
pensamento, linguagem e o mundo perdurou trazendo noções de evidência à
experiência, hoje se sabe que o sentido sempre pode ser outro e o sujeito não
tem o controle daquilo que está dizendo, desaparecendo então, as relações entre
os três conceitos já citados. A língua é diretamente afetada pela história. Se
as diferentes identidades são perpassadas pela língua e outros elementos, essa
está intimamente ligada ao social, sendo então, variável.
Novas identidades surgem
desmistificando o indivíduo unificado, coerente, centrado e fixo que marcava as
relações de poder, refletindo e reificando as práticas de um grupo formado por
homens brancos ocidentais e heterossexuais. Deste modo, as questões
concernentes à subjetividade e identidade são importantes na modificação das
relações hierárquicas e de poder, sendo a figura feminina a maior privilegiada,
já que durante um longo período sua identidade de gênero era fixa e fixada a
partir de seu corpo biológico. O destaque dado ao sexo como a essência da
representação do ser mais é do que uma ficção reguladora, que rejeita as
diferentes formas de existência e aprisiona as identidades em um sistema
binário (masculino/feminino), sistema este que institui hierarquias e relações
assimétricas de poder.
Noções sobre a
sexualidade feminina evoluíram com o tempo. Com a repressão à verdade intima do
desejo feminino, uma identidade sexual genuína ou autêntica, não era vista. Como Susana B. Funck salienta em seu ensaio Sexuality: Subverting the Absolutism of the
Tradition “over the past generation, many of the old organizating patterns
and controls have been challenged, and often undermined, and sexuality has come
closer than ever before to the center of public debate” (FUNCK, 1998, p.16). Se
no início do século XX o sexo era taboo,
na segunda metade tudo muda e o feminino já não parece mais uma noção estável,
sendo seu significado problemático.
Em uma cultura
patriarcal ocidental a sexualidade feminina foi, por longo tempo, oprimida
sendo regulada pelo poder masculino, desta maneira, sem o poder, a mulher não
podia decidir seu próprio caminho, vivendo de acordo com os padrões masculinos.
Em tal estrutura social, sua sexualidade era do masculino que a usava sem a
menor cerimônia. Simone de Beauvoir em O
Segundo Sexo (1980) assevera que o corpo feminino, até a primeira metade do
século XX, foi marcado no discurso masculinista, pelo qual o corpo masculino,
em sua fusão com o universal, permanece não marcado, enaltecendo o gênero
masculino com o portador de uma personalidade universal. Por fim, ela ainda
propõe que o corpo feminino deveria ser a situação e o instrumento da liberdade
da mulher, e não uma essência definidora e limitadora.
Assim, de acordo com
Arleen Dallery é possível dizer que a sexualidade da mulher do novo século
excede a experiência da heterossexualidade. Nas palavras da autora, “the sexuality of woman is not
one, but two, or even plural” (DALLERY, 1997, p.90). A
segunda metade do século XX traz uma nova escrita do corpo feminino longe
daquela criada por uma cultura masculina. Com a derrubada da heterossexualidade
compulsória inaugura-se um verdadeiro humanismo da “pessoa”, livre dos grilhões
do sexo. Deste modo, o sexo é entendido por diversos caminhos.
Passa-se assim, a
existir um “lesbian continuum”, conceito reconhecido por Adrienne Rich em seu
trabalho Compulsory Heterosexuality and
Lesbian Existence, (1983) que confirma que o desejo entre duas mulheres,
ultrapassa a ideia primaria da pura experiência genital, configurando-se como
uma forma de luta contra a opressão masculina e de resistência a deveres
femininos impostos como o casamento e a maternidade. O lesbianismo para Rich é “a forma of naysaying to
patriarchy, na act of resistance” (RICH, 1980, p. 52). Parece
que “a lésbica” emerge como um terceiro gênero, prometendo transcender a
restrição binária ao sexo, imposta pela heterossexualidade binária.
Sob
o nome de lésbica, o sujeito, com seu atributo de autodeterminação, parece ser
a reabilitação do agente da escolha existencial, “o advento de sujeitos
individuais exige, em primeiro lugar, que se destruam as categorias de sexo
[...] a lésbica é o único conceito que conheço que está além das categorias de
sexo” (BUTLER, 2012, p.43) como nos mostra Judith Butler em Problemas de Gênero: Feminismo e subversão da identidade. Para a
mesma autora “se o desejo pudesse libertar a si mesmo, nada teria a ver com a
marcação preliminar pelo sexo” (BUTLER, 2012, p.45).
2. Mrs.
Dalloway e a representação da mulher.
Em Mrs. Dalloway (1925), de Virginia Woolf tem-se Clarissa Dalloway
como protagonista, uma mulher já de meia-idade, cujas paixões da juventude
foram extintas. Sua história se passa em um único dia, mostrando, sutilmente,
as reações e angústias humanas dentro dos limites sociais de suas relações. Durante
a narrativa ela relembra momentos decisivos de sua vida. As profundezas do
pensamento de Dalloway são apresentadas enquanto, estes perpassam diferentes
acontecimentos. Na tentativa de pensar além de suas obrigações como figura
feminina em uma cultura ocidental, Clarissa parece ser mais do que mãe e
esposa.
Woolf apresenta em seu trabalho uma mulher composta em seu
movimento, em suas experiências no tempo e espaço. Clarissa, em sua
movimentação sinaliza a subjetividade humana fragmentada, multifacetada e como
resultado de escolhas, ações e reações no presente e no passado. Ela é o
resultado da complexa composição do sujeito. Tem-se na obra aqui analisada, um
indivíduo constituído por sua língua, desejos e outros elementos, bem distante
do conceito de homogeneidade.
Ao reconhecer sua heterogeneidade, Mrs.
Dalloway constrói sua identidade, como sujeito feminino. Mesmo como
“prisioneira” dos padrões masculinos, ela percebe que é mais do que um passivo
objeto. Ela, agora, pode assumir o papel de sujeito transformador. Não se
aceita mais o “aprisionamento” masculino. Como é possível perceber no excerto
abaixo, Clarissa questiona o sentido do casamento, que para ela é liberdade,
independência:
“não casar com ele (Peter).
No casamento um pouco de licença, independência entre duas pessoas que moram
juntas na mesma casa; o que o seu marido Richard à dá e ela a ele. (Onde ele
estaria aquela manhã. Por algum comprometimento, ela nunca perguntava. (WOOLF,
1953, p. 131)
Em uma manhã ao comprar flores, os
valores de Dalloway são questionados e parecem mudar; o corpo até então
“colonizado pelo homem” como elencado por Lauretis, pode ser carregado por seu
real proprietário. Não mais silenciada, a figura feminina é a soma de seus
“eus” e suas experiências adquirem uma maior importância. Paradigmas são
quebrados. Se todo o sujeito carrega a ideia de fragmentação qual seria o novo
papel do indivíduo feminino? Pode este enfrentar o mundo com sua fraqueza e
sentimentalismo? Silenciadas durante séculos pela sociedade, a mulher passa a
lugar de prazer e descobertas.
O espirito transgressivo de Clarissa é
percebido, principalmente, quando a personagem lembra-se de sua experiência
homo afetiva com a amiga Sally, um beijo trocado em um passeio. Este desejo vem
à mente de Dalloway, enquanto esta pensa sobre sua própria existência,
múltiplas memórias reaparecem compondo-a pouco a pouco como indivíduo. Assim,
seus sentimentos por uma mulher, na adolescência, não podem ser
desconsiderados. Clarissa questiona-se sobre se ela realmente era apaixonada
por Sally no passado, como se pode ver: “mas essa questão de amor (ela pensa,
enquanto tira o seu casaco), apaixonar-se por uma mulher. Sally Salton; sua
relação com ela no passado. Teria sido aquilo, amor?” (WOOLF, 1953, p.35). Os
sentimentos dela por Sally fizeram-na desobedecer as normas masculinas,
quebrando com os desejos femininos pré-estabelecidos.
Entretanto, quando se analisa um texto
através de conceitos dos estudos culturais e de gênero, principalmente no
inicio do século XIX, quando o processo de mudança do sujeito está apenas em
seu começo, a consideração da classe social de Mrs. Dalloway se faz pertinente.
Mesmo indo além das privações femininas, Clarissa não transgride a ordem,
assim, continuando sua vida burguesa inglesa. Por fazer parte de uma classe
social mais abastada, ela não possuía reais deveres, tendo ela, tempo
suficiente para perder-se em seus pensamentos sem, de verdade subverter os
padrões patriarcais de sua época.
Clarissa, usando a terminologia
utilizada por Antonio Cândido em A Personagem
de Ficção (1998), pode ser vista como “personagem plana”, mesmo que no
livro ela muito questione seu status, nada de concreto se é feito.
3. A representação da
mulher nos poemas de Adrienne Rich
Nos poemas Integrity e Splittings de Rich (1973, 1970 respectivamente) é possível perceber
um eu lírico, aqui visto como um eu feminino, consciente de si mesmo, de suas
atitudes no mundo. O eu lírico vê a possibilidade de ruptura da estabilidade
determinada por uma cultura falocêntrica Ocidental e compreende as diferentes
possibilidades da construção de si mesmo como sujeito, uma construção sob novos
pilares. Tem-se assim, uma mulher não mais satisfeita apenas com os domínios
privado e doméstico. Em ambos os poemas tem-se um eu lírico que pensa sobre as
possibilidades de aventurar-se em mundo de liberdade, de reconstrução. Para Ana
Peixoto em A Experiência do Trabalho
Doméstico em As Horas, “a mulher da segunda metade do século XX não
quer mais apenas trabalhar, mas sim, liberdade, esta como uma forma de dizer
não ao sedentarismo, colocando-se em movimento” (PEIXOTO, 2009, p.10). Com a
mudança de valores o “corpo colonizado” feminino, pode agora ser colonizado e
entregue a seu verdadeiro dono, a mulher.
“Nothing by myself? ... My selves
After so long, this answer.
As is I had always known
I steer the boat in, simple.” (RICH, 1993, v. 26-29)
Em Integrity
o eu lírico após um período de completa submissão percebe suas múltiplas
facetas. Assim como é levantado por Peixoto não se pode mais ver a mulher como
uma categoria abstrata, mas como seres humanos que tentam agora, buscar
diferentes caminhos, estabelecendo links entre o passado e a vida presente.
Depois de tempos de escuridão, uma nova
figura feminina é proposta, enfatizando desta na sociedade. Como visto em Splittings, o eu lírico recusa-se a ser
mero objeto nas mãos masculinas, assumindo o seu amor por uma pessoa do mesmo
sexo.
“I am not with her
I habe been waking off and on
all night to that pain not simply absence but
the presence of the past destructive
to living here and now yes if I could instruct
myself, I we could learn to learn from pain” (RICH,
1993, v.3-7)
Ao sofrer pela distância de seu amor
pode se compreender tal sujeito de acordo com os novos conceitos trazidos pelo
estudo de gênero. Os estereótipos podem ser questionados e novos papéis para
homens e mulheres surgem. O amor do eu lírico por outra mulher em Splittings e o reconhecimento de sua
heterogeneidade em Integrity impõe
uma nova figura feminina, esta além dos papéis pré-estabelecidos em uma
sociedade masculina. O eu lírico de ambos os poemas buscam mudar a situação da
mulher e tem a necessidade de se ajustar aos novos tempos, indo além das
preocupações do casamento e maternidade. Sem o cumprimento do destino feminino
este eu escapa do julgamento masculino e da opressão doméstica, onde o homem é
a figura máxima.
Desde muito cedo a figura masculina
mostra grandes vantagens na força física com a qual combate contra elementos
perigosos. Neste contexto emerge o sexo feminino como o ”outro”, o diferente,
que pode mostrar-se também um perigo ao masculino. Mas nos poemas de Rich
percebe-se uma mulher completamente diferente, segura para seguir em frente.
Comparada a Mrs. Dalloway, o eu lírico
dos poemas de Rich transgrede os padrões de formas mais bem estabelecidas, o
seu amor por outra mulher é mais profundo. Enquanto Clarissa idealiza sobre um
fato não consumado com sua amiga Sally, a figura feminina em Splittings e Integrity lembra com nostalgia de um relacionamento por ela vivido,
sendo mais direta que Clarissa e admitindo o seu desejo.
“we are older now
we have met before these are my hands before your eyes
my figure blotting out all that is not mine
I am in pain of division creator of divisions
it is I who blot your lover from you
and not the time-zones not the miles
it is not separations calls me forth but I
who am separation And remember
I have no existence apart from you. (RICH, 1993,
v.10-19)
Em tal passagem vê-se um eu lírico que
quer esquecer-se do que não participa de sua constituição como sujeito. Vê-se
uma mulher fugindo de todas as características impostas por uma sociedade
patriarcal, onde a figura feminina é um objeto cheio de inscrições masculinas.
Desta maneira, fica-se claro que o
processo da mudança da subjetividade feminina começou apenas na segunda metade
do século XX, se no início do mesmo século tínhamos mulheres como Clarissa, em
Mrs. Dalloway, com muito tempo para pensar, na segunda metade, tem-se mulheres
como o eu lírico de Rich que pode transgredir o status reservado a mulher,
percebendo as possibilidades de reinvenção feminina, reconstruindo um sujeito
fragmentado. Sem esta presa a conceitos e regras como Clarissa, Adrienne Rich
vai além do mero objeto desejado do poder masculino.
4. Conclusão
A formação da identidade e do gênero é
uma relevante questão nos três trabalhos aqui analisados. A análise da situação
feminina nos trabalhos de Woolf e Rich prove uma reflexão sobre a organização
da identidade (subjetividade) e também, oferece indicadores para a expansão de
tal estudo. Não são apenas propostos novos paradigmas para a valorização da
experiência da mulher, mas ainda, uma desconstrução da assimetria
masculino/feminino, trazendo à tona novos questionamentos da construção da
identidade da figura feminina.
Claramente, o sujeito feminino adquiriu,
de certa forma, um espaço próprio na sociedade, exemplificada pela obtenção do
respeito. Algumas mulheres deixaram suas posições objetivadas para tornar-se
efetivamente um sujeito pensante, subvertendo todos os conceitos patriarcais. Em
Mrs. Dalloway e nos poemas de Rich pode-se ver um grande desejo de liberdade
feminino. Enquanto Clarissa, enraizada em uma sociedade patriarcal, desfruta de
apenas um dia de “pensamentos perigosos”, o eu lírico dos poemas aqui
analisados são levadas por sues sonhos e palavras, constituídas e influenciadas
diretamente por ambos.
Nas linhas de Rich é discutida a dominação
feminina nas relações profissionais, interpessoais. Enquanto que em Woolf
tem-se Clarissa em uma sociedade mais abastada, nos poemas vê-se como solução,
o que poderia ser alcançado em outro tipo de sociedade, diferente daquele de
Mrs. Dalloway. O eu lírico que constrói esse sujeito analisado é culturalmente
rico, uma civilização idealizada.
No trabalho de Virginia Woolf, Clarissa
sente-se inadequada e infeliz em seu espaço doméstico e privado. Invisível ela
é apenas Mrs. Dalloway e não mais Clarissa. Ela pode encontrar o sentimento da
real felicidade ao pensar sobre a complexidade de tal palavra e a
impossibilidade de seu encontro por uma mulher. Ela pode ver o significado de
tais deveres ao mesmo tempo em que percebe que isso é tudo que ela tem e é.
Nesta perspectiva, está inserida uma
experiência feminina que habilita a emergência de um “eu” multifacetado que
surge produção literária onde as discussões sobre os problemas referentes a
representação da mulher inclui a ética, história e ainda, questões sociais,
exemplos presentes nos livros aqui trabalhados. Estes trabalhos constituem um
espaço de reflexão sobre o discurso hegemônico e práticas sociais guiadas pela
cultura Ocidental.
Com isso pode-se dizer que a expectativa
aqui é a de que tal estudo contribua para o aperfeiçoamento da reflexão sobre a
subjetividade feminina e a construção de gênero. Pela consciência de
elementos-chave na transformação e na reescrita da realidade feminina, o
processo visto na análise dos livros ajudam no delineamento do papel social e a
responsabilidade feminina diante de sua sociedade.
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