Flávia Bruna Ribeiro da Silva Braga[1]
RESUMO: A partir das leituras filosóficas de Friedrich
Nietzsche e Walter Benjamin e das análises interpretativas de William Irwin e
Glenn Yeffeth sobre a trilogia Matrix, esse artigo propõe a releitura da obra a
luz da História, da filosofia, do cinema e das análises sociais. Tendo como
base o material produzido pelos irmãos Wachowski entre 1999 e 2009, temos como
propósito discutir de forma didática, como a trilogia se enquadra nas
discussões filosóficas da Teoria da Historia.
PALAVRAS-CHAVE: Matrix; Cinema; Filosofia;
História
INTRODUÇÃO
“Infelizmente, ninguém pode dizer o que é a
Matrix, você tem de ver por si mesmo.” (Morpheus, The
Matrix)
Em
1984, William Gibson lançava seu romance cyberpunk chamado Neuromancer[2],
que instigaria os irmãos Wachowski a construir a ilusão da Matrix. Em 1999,
Morpheus invadia as salas de cinemas ao redor do mundo com seu discurso sobre a
realidade. A frase que intitula a apresentação desse ensaio tem um propósito.
Esse estudo é feito para quem assistiu a trilogia Matrix. Mas não necessariamente
para quem a estudou. Definitivamente, Matrix, produzido pelos irmãos Andy e
Larry Wachowski em 1999, inicia uma nova geração do cinema. Não apenas no
sentido da revolução técnica com seu singelo orçamento de 65 milhões de dólares
que revolucionou as cenas cinematográficas, mas em aliar qualidade produtiva
com diálogos filosóficos inteligentes. Os autores mergulharam profundamente no
conhecimento humano, buscaram ajuda de filósofos, historiadores, críticos e
produziram o filme dentro de um vôo aéreo (Não, isso não é uma ironia!).
Desconhecidos, sabiam que não teriam espaço no meio hollywoodiano: o jeito foi
fazer currículo. São autores do filme “Ligadas
pelo Desejo”[3]
que discutiria no fim do século XX a questão do amor homossexual. Provaram seu
sucesso e puderam por em prática seu objetivo primeiro: construir a Matrix. Não
seria fácil. O dinheiro era curto. Cadeiras usadas de consultórios de dentistas
seriam usadas como cenário para os hogares. Quem faria Neo? Keanu Reeves surgiu
como um ator que abriu mão de muito, além de sérios problemas físicos, para
exercer o papel. Assim como Carrie-Ann Moss, que haveria de quebrar alguns
ossos. Mas um sentimento era geral: valeria à pena. Talvez não imaginassem os
irmãos que Matrix se tornaria um clássico sem precedentes e que seria usado por
vários filósofos posteriores para a discussão do pensar. Desde 1999 muitos
ensaios, livros, teses, documentários foram lançados com o intuito de explicar
filosoficamente o filme original. Não é difícil achar quem tenha sua própria
teoria, sua própria interpretação. Empresto de Benjamin[4]
o que irei dizer: É preciso ser mágico, alegórico, para fazer esse ensaio. As
referências filosóficas em Matrix não são sempre claras. Não é difícil achar
quem tenha sua opinião sobre a Matrix. Alguns se revezam entre “Nossa, quanta
mentira num filme só!” até “Melhor filme que já vi em toda minha vida.”.
Comumente se afirma que o único filme realmente filosófico é o primeiro,
lançado em 1999. E, através das teorias de Platão, Sócrates, Proust, Nietzsche
e Benjamin argumentar que a filosofia iniciada em 1999 tem seu ciclo completado
apenas em novembro de 2003, com Matrix Revolutions. Esse e os próximos tópicos
são intitulados com frases retiradas da trilogia que permitem iniciar as
discussões. Desejo abordar a obra de uma forma temática e não cronológica, já
que, vamos perceber, os filmes fazem referência entre si, a ponto de, em
momentos, o terceiro filme explicar o primeiro e assim sucessivamente.
1. “É a
pergunta que nos impulsiona, Neo. Foi a pergunta que te trouxe aqui.”
Como
podemos resumir o que é a Matrix e o enredo necessário para a compreensão desse
ensaio? Matrix é um programa de computador, criado pelas máquinas, que recria
perfeitamente o mundo real dos humanos. O seu intuito é utilizar-se da energia
corporal dos seres humanos como forma de gerador elétrico para as máquinas. Os
humanos são assim inseridos na Matrix, onde a ilusão de suas vidas gera
energia. Muitos não se dão conta dessa ilusão e seguem com a vida ilusória por toda
a vida a ponto de defenderem o sistema que acredita ser real. Em 2003 - através
da animação Animatrix, Segundo Renascer partes I e II - conhecemos a origem da
Matrix. Os seres humanos estavam, no fim do século, entusiasmados com a criação
da Inteligência Artificial, felizes consigo próprios pela supremacia da mente
humana. Essas máquinas logo passaram a agir por si próprias, de forma que em
pouco tempo criaram moral, consciência e costumes próprios, que iam de encontro
ao pensamento humano. Máquinas conscientes buscam sua autonomia frente à
escravidão e também pelos mesmos direitos legais e sociais. Para que cessasse a
proliferação das máquinas, os humanos queimam o céu, por acreditarem que a
energia solar era necessária apenas para as máquinas. Ledo engano, os humanos
cavam a própria cova.
A
Matrix é assim surgida para que os humanos produzam energia que outrora era
solar. Na sua primeira versão, criada perfeitamente de acordo com o Paraíso
bíblico, safras inteiras de seres humanos morreram. Um programa de computador,
O Oráculo, foi criado para investigar a psique humana, para que a Matrix
perfeita fosse criada. A nova Matrix é criada tal qual o mundo humano. Com
desgraças, doenças, guerra, esperança e amor. Dessa nova Matrix é criado um
programa de computador. Neo, ou O Escolhido. Inconscientemente, esse programa deve lutar pela contínua
manutenção da esperança humana, guiado pelo programa investigador da psique
humana, O Oráculo e encontrado e treinado pelo seu messias, Morfeu. O filme se
passa então com a 6ª versão de Neo, aprimorado pelo amor romântico por Trinity.
Neo é um homem comum que vive na Matrix, mas que desde pequeno percebe o mundo
estranho, as imperfeições e sabe que alguma coisa está errada com o universo.
Passa a buscar pelas respostas e encontra o nome do maior criminoso existente:
Morfeu. Este por sua vez é um crente. Acredita na profecia do programa O
Oráculo e busca sua vida inteira pela 6ª versão de Neo, acreditando ser ele um
Salvador. Tem ao seu lado uma tripulação que o segue como messias e que invade
a Matrix para libertar mentes. A trilogia gira em torno da vida de Neo e na sua
busca desesperada pela liberdade humana contra a ilusão das máquinas.
Encontrará respostas nem sempre tão excitantes. Tudo não passa de controle. A
esperança não passa de controle. A pseudo-liberdade não passa de controle. Neo
não passa de um aprimoramento do sistema da Matrix. Dentro desse meio tempo
encontramos programas que contrariam a própria Matrix. Programas que não
aceitam seu destino e que lutam pelas mesmas esperanças humanas: liberdade,
poder. O Agente Smith aparece assim como o programa corrupto. Rama-Kandra[5]
aparece como programa que pode amar mulher e filha. A trilogia passa, portanto,
pelas questões da própria existência humana, da sua relação com os seres
a-historicos, da linguagem, do pensamento, das sensações. Não cabe aqui contar
todo o enredo, não é nosso propósito, e como dissemos na apresentação, esse
ensaio é feito para quem já assistiu a trilogia. Tendo apresentado as questões
acima, podemos analisar algumas cenas.
2. “De
que adianta um telefonema... se você não consegue falar?”
Gostaria
de iniciar a análise da trilogia a partir de um ponto básico que permeia toda a
obra e que não fica exatamente claro à medida que assistimos. Matrix é uma
discussão filosófica sobre o destino e o livre-arbítrio. Até que ponto as
escolhas de Neo são verdadeiramente feitas por ele e não pelo sistema de
controle da Matrix? Até que ponto a Resistência tem como caráter as idéias de
uma pessoa e não é obra de um supra-sistema? No fim da Trilogia, em Matrix Revolutions ,
descobrimos que o filme demonstra a existência das duas questões na vida
humana. Neo continuou com seu papel de Salvador, na verdade, a 6ª versão de um
Salvador, continuou, perpetuou, o que os seus predecessores fizeram, ou seja,
salvar a espécie humana e permear o sentimento de esperança, para que a Matrix
continue imperando. Mas, ao mesmo tempo,
modificou no como a espécie foi salva.
Os 5 predecessores de Neo salvaram a humanidade ao escolher 23 indivíduos
dentre os existentes no mundo real para reerguer Zion, a última cidade humana.
Mas o 6º Neo, não. Através de um acordo com o Arquiteto, em que Neo deteria um
programa rebelde (Agente Smith) em troco de uma paz periódica. Enfim, mas o que
tudo isso tem haver com a filosofia? A discussão acerca do destino e do
livre-arbítrio está presente desde o surgimento da filosofia. Essa discussão
será mais acirrada quando o cristianismo se mesclar as discussões filosóficas e
a presença de Deus na escolha dos homens será não apenas uma questão de fé,
mas, também, uma questão racional. Um pouco mais próximo de nós, Nietzsche[6],
irá discutir sobre a atitude humana e a cultura cristã que reprime e inverte as
ações humanas, tornando o forte, fraco.
Mas é na idéia de que a nossa vida é uma sucessão de fatos não
conectados, de eventos sem ligação, de coincidências e decisões independentes
que utilizaremos a filosofia de Nietzsche para entender essa questão de destino
e do livre-arbítrio. Oras, se para Nietzsche a História é marcada por uma
confusão de fatos desconexos, a Matrix seria a contraposição desse pensamento.
Neo é a 6ª versão de uma história que se repete. Que foi montada, detalhe a
detalhe, para que se repetisse. Por que as decisões do 6º Salvador trás conseqüências
diferentes?
Somente
se a terra recomeçasse sempre a mesma peça depois do final do quinto ato, se
fosse estabelecido que a mesma conjunção de motivos, o mesmo deus ex machina, a mesma catástrofe
retornassem em intervalos regulares, somente assim é que o homem poderoso
poderia desejar que a história monumental desse prova de uma fidelidade icônica
absoluta [...] jamais uma mesma combinação poderia sair novamente do jogo de
dados do futuro e do acaso (NIETZSCHE, II consideração Intempestiva, p.86-87)
Com
essa passagem gostaria de expor uma mímesis que creio poder existir entre o
historiador e o personagem do Arquiteto. Seríamos nós, lá no fundo, esse
historiador monumental, que deseja que o passado se repita tal qual foi, em sua
veneração, tal como o Arquiteto, na Matrix, deseja que a História da
Resistência continue com as mesmas configurações? E se nós remontássemos,
restituíssemos cada canteiro da História, seria possível que ela repetisse?
Assim como espera o Arquiteto que o Salvador o faça? O título desse tópico está
presente na cena de discussão entre Thomas A. Anderson (Neo) e o Agente Smith,
ainda no começo do primeiro filme. O diálogo em si não trás muita ajuda para a
discussão sobre o destino e o livre-arbítrio. Mas gostaria de trazer a cena do
interrogatório, no momento em
que Neo tem sua boca grudada. Nessa cena, podemos ver que Neo
está literalmente mudo, impossibilitado de falar o que quisesse. É uma
interpretação, apenas. Mas que veremos ao longo da trilogia que essa volta à
mudez dos personagens, de diferentes formas, será mimetizada. Também é possível
associar a essas cenas a idéia de História fragmentária de Walter Benjamin[7],
a junção desses acontecimentos, esses fragmentos, únicos possíveis, que de
alguma forma montam o cenário. A cena abaixo demonstra no primeiro filme a
existência dessa discussão que será levada até o fim do terceiro filme. Irei
destacar algumas cenas que acredito serem importantes para a discussão sobre o
destino e o livre-arbítrio.
- Você
acredita em destino, Neo?
- Não.
- Por
que não?
- Não
gosto de pensar que não controlo a minha vida.
- Sei
exatamente o que quer dizer.
(Diálogo
entre Morpheus e Neo, The Matrix)
- Sua Alma é boa. E odeio dar más notícias a
pessoas boas. Mas não se preocupe. Assim que você passar por aquela porta, vai
começar a se sentir melhor. Vai lembrar que não acredita nesse papo-furado de
destino. Você controla a sua própria vida, lembra?
(O
Oráculo, The Matrix)
- Quer
bala?
- Você
já sabe se vou aceitar?
- Que
Oráculo seria, se não soubesse?
- Mas,
se você já sabe, como posso fazer uma escolha?
(Diálogo entre Neo e O Oráculo, Matrix
Reloaded)
- Só
existe uma constante, uma regra universal. É a única verdade real: causalidade.
Ação e reação. Causa e efeito.
- Tudo
começa com escolha.
- Não.
Errado. Escolha é uma ilusão criada entre os que têm poder e os que não têm.
(Diálogo Morpheus e Merovíngio, Matrix
Reloaded)
-
Talvez tenhamos feito algo errado.
- Ou
deixado de fazer algo.
- Não.
Tudo foi como devia ser.
(Diálogo entre Morpheus, Trinity e Neo,
Matrix Reloaded)
- Fazemos apenas aquilo que está em
nosso destino. (O Chaveiro, Matrix Reloaded)
- Quando vejo três objetivos, três capitães,
três naves, não vejo uma coincidência, vejo a Providência. Vejo um propósito.
Acredito que nossa sorte seja estar aqui. É nosso destino. Acredito que esta
noite representa, para cada um de nós o próprio sentido da vida. (Morpheus, Matrix
Reloaded)
- A solução que ela achou fazia 99% das
cobaias aceitarem o programa contanto que tivessem escolha, ainda que só percebendo
essa escolha no nível subconsciente. (O Arquiteto, Matrix
Reloaded)
- Suponho que você esperava por mim, certo? O
Oráculo “sabe tudo” nunca se surpreende. Como poderia? Ela prevê tudo. Se é
verdade, por que ela está aqui se sabia que eu viria? Por que não fugiu? Talvez
soubesse que ia fazer isso, talvez não. Se sabia, significa que fez os
biscoitos e deixou aqui, deliberadamente, de propósito. E significa que você
também está sentada aí, deliberadamente, de propósito. (Agente Smith, Matrix
Revolutions)
O
que gostaria de ressaltar sobre os trechos acima é sobre essa discussão que
encontramos em Nietzsche acerca dos fatos. São eles aleatórios, fragmentados,
confusos? Ou há uma ordem universal que comanda os acontecimentos, porque
tinham que acontecer? Nessa análise, percebemos que o personagem de Morpheus
foi deliberadamente escolhido pelos escritores para personificar a crença na
ordem universal, no destino. Neo, pelo que percebo, somos nós diante das
duvidas da escolha.
3. “Eu
imagino... que você esteja se sentindo um pouco como a Alice. Entrando pela
toca do coelho.”
Outro
ponto interessante a ser ressaltado na trilogia é a questão da mímesis. Matrix
é uma obra cinematografia que está repleta de mímesis, referências à História,
à psicologia. A linguagem utilizada em Matrix é uma linguagem de semelhanças.
Muitas das interpretações do filme são baseadas nas diversas formas diferentes
de interpretar as cenas que não dizem diretamente o que querem dizer. Mas
utilizam-se dos conhecimentos do espectador para ter a sua significância.
Podemos assistir toda da trilogia sem termos lido uma única linha de Platão.
Continuará sendo um bom filme. Mas para o espectador que conhece a teoria
platoniana, aguça o espírito ao perceber as referências. Nesse tópico em específico falarei das
mímesis utilizadas pontualmente pela trilogia. A discussão acerca da mímesis me
obriga também a falar da presença alegórica dentro do filme. Identifico três
alegorias possíveis de interpretação na obra, que explicarei mais
detalhadamente nos próximos tópicos, por acreditar merecerem um debruçamento
maior. Neste exporei relações de mímesis, direta e indireta, que encontro no
filme. Para esse tópico gostaria de trazer as idéias de Walter Benjamin acerca
da mímesis e sua teoria das semelhanças.
O
conhecimento das esferas do “semelhante” é de importância fundamental para o
entendimento de vastos domínios do saber oculto. Contudo, um tal conhecimento
obtém-se não tanto pela constatação das semelhanças encontradas, mas pela
reprodução de processos que originam essas semelhanças. A natureza produz
semelhanças, basta pensarmos no mimetismo. É no entanto o homem que possui a
mais elevada capacidade de produzir semelhanças. (Walter Benjamin, Teoria das
Semelhanças, p.59)
É
com a idéia da semelhança, exposta por Benjamin, que tomo liberdade para
encontrar as mímesis existentes na trilogia.
Primeiramente,
vamos observar os nomes escolhidos.
·
Zion (Sião) – Ultima cidade
humana que resiste às máquinas e à Matrix. No cristianismo designava a Terra
Prometida primitivamente. E passou a ser associada ao ultimo reduto humano após
o Armagedon.
·
Neo – Anagrama de ONE,
que em inglês quer dizer, Um ou Escolhido. Também se utiliza o termo para
designar Jesus Cristo, em inglês.
·
Morpheus – Deus grego do
sonho. É o personagem que ajudará Neo a descobrir a verdade e a acordar da
Matrix.
·
Trinity – Significa Trindade
em português, termo utilizado para Deus, Jesus e Espírito Santo pelos cristãos.
É a personagem que irá trazer o equilíbrio para Neo e aquela que será vista
como a “diferenciação” entre o 6º Neo e os seus antecessores, que não tinham a
Trindade ao seu lado.
·
O Oráculo – seres humanos
utilizados na Grécia Antiga para fazer predições do futuro através de um transe
com o divino. Personagem no filme que guia Morpheus e Neo, assim como a
humanidade resistente, com seus conselhos.
·
Nabucodonosor – Antigo imperador
caldeu, que escravizou os hebreus na Babilônia. No filme é o nome dado a hovercraft que leva a tripulação rebelde
pelos caminhos “aprisionados” pela presença das máquinas.
·
Trainman – Personagem que
aparece em Matrix
Revolutions , personificação do universo atemporal e
a-espacial, é visto como passagem. Estação de metrô. Onde o presente e futuro
transitam.
Agora vejamos as
cores utilizadas no filme.
·
Verde – É o tom predominante
do lado de “dentro” da Matrix. Na psicologia humana é a cor utilizada para
designar o passado, ou seja, o ano de 1999.
·
Azul – É o tom predominante
do lado de “fora” da Matrix. Na psicologia humana é a cor utilizada para
designar o futuro, ou seja, o ano de 2199.
·
Preto – Cor utilizada para as
roupas e os óculos. Muitas pessoas se questionam porque os personagens utilizam
cores tão escuras. Bem, não é apenas porque fica cool, explicarei. Os seres humanos que viviam na Matrix e foram
despertados para o mundo real, acabaram perdendo suas memórias e toda a cultura
que explicava seu “eu” interior, que se reflete no exterior, a cor preta é
utilizada – observe bem – apenas dentro
da matrix, o que mostra uma mímesis da destruição da identidade de da consciência
pessoal. O humano desconectado que volta a Matrix perde sua identidade, sua
“auto-imagem residual”, torna-se impessoal. Para isso servem as roupas pretas.
Observar que personagens como Perséphone, O Oráculo, Sati, o Chaveiro, que são
programas feitos pela Matrix, não usam preto.
O filme, de uma maneira geral, apresenta um encadeamento
de mímesis. Mímesis dentro de mímisis, mímesis da mímesis, enfim. O título desse tópico é uma passagem da
conversa entre Morpheus e Neo, talvez a passagem do filme mais marcante de toda
a trilogia. É a cena em
que Morpheus vai tentar explicar a Neo o que é a matrix, e
para isso se utiliza de diversas mímesis, pois não há conceito para Matrix,
apenas semelhanças. A semelhança entre uma pílula e a Liberdade/Verdade é uma
das metáforas mais bem elaboradas para materializar com sentimento.
- Se tomar a pílula
azul a história acaba e você acordará na sua cama acreditando no que quiser
acreditar. Se tomar a pílula vermelha ficará no País das Maravilhas e eu te
mostrarei até onde vai a toca do coelho.
(Morpheus, The Matrix)
Interessante passagem, pois ela utiliza-se da mímesis
entre a situação de Neo e o conto de fadas Alice no País das Maravilhas para
explicar outra mímesis, a da Pílula-Verdade.[8]
Essa passagem também pode ser interpretada na teoria de Nietzsche a luz de que
o esquecimento, para esse autor, e assim a a-historicidade, pode ser um caminho
para a felicidade[9].
Ao tomar a pílula azul o esquecimento me garante tranqüilidade. Outra cena
também muito interessante, e que mescla essa capacidade de encontrar
semelhanças entre um sentimento, um estado e uma representação material, está
na cena em que Neo
desperta do sonho da Matrix, no mundo real. Observe que Neo encontra-se num
casulo, num útero, em que o despertar representa seu nascimento. Outra mímesis
existente no filme é a presença do telefone. O Telefone, dentro da Matrix, é
encarado como um portal de libertação do sonho. Aqueles que não atendem “a
chamada” estão presos no mundo dos sonhos e dele não pode sair. É uma relação
liberdade-telefone. Um pequeno trecho que também é uma semelhança é a que
encontramos uma mímesis de si mesmo. Se pensarmos que dentro da Matrix o
indivíduo de fato constrói a imagem de si mesmo, identifico essa ação como uma
mímesis de si próprio.
- Sua aparência agora
é o que chamamos de “auto-imagem residual”. É a projeção mental do seu “eu”
digital.
(Morpheus, The Matrix)
Uma das cenas mais marcantes para explicitar a Teoria das
Semelhanças de Benjamin dentro do filme é a cena em que Morpheus explica
a Neo, em Matrix
Original , o que os humanos representam para as máquinas.
- O corpo humano gera
mais bioeletricidade do que uma bateria de 120 volts e mais de 25mil BTU’s de
calor corpóreo. Combinado com uma espécie de fusão... As máquinas encontraram
mais energia do que jamais precisariam. [...] A Matrix é um mundo dos sonhos
gerados por computador feito para nos controlar e para transformar o ser humano
nisto aqui.
(Morpheus,
The Matrix)
Ao longo da trilogia
encontramos outras mímesis, outras semelhanças entre a história e o mundo. Nos
trechos seguintes:
- Ser o
Escolhido é como estar apaixonado. Ninguém pode te dizer se você está. Você
simplismente sabe e não tem dúvida. Nenhuma.
(Oráculo, Matrix Original)
[Mímesis no outro]
-
Supreso em me ver?
- Não.
- Então
tem consciência.
- Do
que?
- Da
nossa ligação. Não entendo bem como aconteceu. Talvez uma parte de você
inserida em mim, algo sobrescrito ou copiado.
(Agente Smith e Neo, Matrix Reloaded)
[Máquinas como mímesis do ser humano]
- Eu
amo demais a minha filha. Acho que é a coisa mais bela que já vi. Mas de onde
somos isto não importa. Todo programa que é criado tem que ter um propósito,
senão é deletado. [...]
- Vejo
que está apaixonado. Você pode me contar o que daria para manter essa conexão?
-
Qualquer coisa.
- Então
talvez a razão pela qual você esteja aqui não seja muito diferente da minha.
(Rama-Kandra e Neo, Matrix Revolutions)
E um penúltimo ponto que
gostaria de ressaltar de acordo com a Teoria das Semelhanças que pode ser
encontrado em Matrix está nos personagens do Oráculo e do Arquiteto. O primeiro
é a “personificação” do desequilíbrio, está aqui mimetizada para agir
conscientimente. O Arquiteto, todavida, simboliza o equilíbrio.
- Para
ele são variáveis de uma equação. E todas as variáveis devem ser resolvidas e
computadas. Esse é o propósito dele. Equilibrar a equação.
- E
qual o seu propósito?
-
Desequilibrá-la.
(O Oráculo e Neo, Matrix Revolutions)
O ultimo e derradeiro ponto,
que gostaria de fechar esse tópico, é a ligação entre o jogo e a alegoria,
presente na teoria de Benjamin e sutilmente vista nos ultimos segundos da
trilogia.
- Bom
dia.
- Muito
bem, não é uma supresa?
- Você
jogou um jogo muito perigoso...
- A
mudança sempre é.
(O Oráculo e O Arquiteto, Matrix Revolutions).[10]
4. “Você
já teve um sonho, Neo, que parecia ser verdadeiro? E se você não conseguisse
acordar desse sonho?”
Aquilo
que vivemos no sonho, e que nele vivemos repetidas vezes, termina por pertencer
à economia global de nossa alma, tanto quanto algo "realmente" vivido
(Nietzsche:
1992, p.23)
Já foi afirmado,
anteriormente, que existem três alegorias principais que elenco a partir da
trilogia. Nesse tópico irei discorrer sobre a primeira e mais conhecida delas,
que é a alegoria do sonho. A Matrix é a
alegoria, em forma de sonho, do mundo real. É a alegoria mais evidente, a mais
trabalhada em sala de aula, a mais discutida nos livros, a mais comentada entre
rodas de amigos. Pois é a que mais livremente se inspira na Republica de Platão, no Simulacro e Simulação de Braudillard e
no Neuromancer de Gibon. O filme, em
si, ganha conhecimento a partir dessa alegoria. Não poderíamos deixar de falar.
Mas antes, gostaria de ressaltar o pensamento de Walter Benjamin para expor o
conceito de alegoria.
Enquanto
o símbolo atrai para si o homem, a alegoria irrompe das profundidades do Ser,
intercepta a intenção em seu caminho descendente, e a abate. [...] Em suas
mãos, a coisa se transforma em algo de diferente, através da coisa, o
alegorista fala de algo diferente, ela se converte na chave de um saber oculto,
e como emblema desse saber ele venera.
Nisso reside o caráter escritural da alegoria. (Benjamin, Alegoria e
Drama Barroco, p.205-206)
Como
já foi dito, a Matrix é um mundo criado por computadores para imitar o real em forma
de sonhos. Essa referência ao despertar, ao acordar do sonho, essa alegorização
do descobrir estar dormindo, é a que mais marcadamente irá permear o primeiro
filme. É possível interepretarmos de várias formas a trilogia, justamente pelo
seu caráter alegórico e, portanto, plurissignificante. Cito abaixo uma passagem
muito conhecida da República de
Platão para que melhor “encaixemos” as teorias de Benjamin e Platão a respeito
da alegoria e como podemos encontrar exemplos na trilogia.
SÓCRATES - Vejamos agora
o que aconteceria, se se livrassem a um tempo das cadeias e do erro em que
laboravam. Imaginemos um destes cativos desatado, obrigado a levantar-se de
repente, a volver a cabeça, a andar, a olhar firmemente para a luz. Não poderia
fazer tudo isso sem grande pena; a luz, sobre ser-lhe dolorosa, o deslumbraria,
impedindo-lhe de discernir os objetos cuja sombra antes via. Que te parece
agora que ele responderia a quem lhe dissesse que até então só havia visto
fantasmas, porém que agora, mais perto da realidade e voltado para objetos mais
reais, via com mais perfeição? Supõe agora que, apontando-lhe alguém as figuras
que lhe desfilavam ante os olhos, o obrigasse a dizer o que eram. Não te parece
que, na sua grande confusão, se persuadiria de que o que antes via era mais
real e verdadeiro que os objetos ora contemplados? (PLATÃO, A República)
A
primeira referência que vemos no primeiro filme é a capa do livro em que Neo esconde programas
de computador. Chama-se “Simulacro e Simulação” de Jean Braudillard, que já
demonstra uma inclinação do filme para a alegoria. No plot[11]
original do filme, temos:
12. Int. Neo's Apartment.
(...) He closes the door. On the floor near his
bed is a book, Baudrillard's Simulacra and Simulation. The book has been
hollowed out and inside are several computers disks. He takes one, sticks the
money in the book and drops it on the floor."
12.
No apartamento de Neo
(…)
Ele fecha a porta. No chão perto da cama tem um livro, Simulacro e Simulação de
Braudillard. O livro é oco e dentro tem discos de computador. Ele tira um,
coloca o dinheiro dentro do livro e joga no chão. (Tradução nossa)
Uma
das evidências de que Neo já está incomodado com as partes estranhas do sonho
da Matrix, é que encontramos na sua primeira cena, Neo dormindo sobre o
computador que está pesquisando sobre Morpheus, quem o irá retirar do sonho.
Nesta mesma cena já encontramos uma indagação de Neo acerca do real e do sonho
- Você
já se sentiu como se não soubesse se está acordado ou se está sonhando?
(Neo, Matrix Original)
E assim seguem as referências a alegoria do
sonho:
-
Você tem o olhar de um homem que aceita o que vê porque está esperando acordar.
Ironicamente, não deixa de ser verdade.
[...]
-
Você já teve um sonho, Neo, que parecia ser verdadeiro? E se você não
conseguisse acordar desse sonho? Como você saberia a diferença entre o mundo
dos sonhos e o mundo real?
[...]
-
Este é o mundo que você conhece. O mundo como era no final do século XX. Ele só
existe agora como uma parte de simulação neurointerativa que chamamos de
Matrix. Você vivia num mundo de sonhos, Neo. Este é o mundo que existe hoje.
-
Bem vindo ao deserto[12]
do Real.
(Morpheus[13],
Matrix Original)
- Por
que meus olhos doem?
-
Porque você nunca os usou.[14]
(Neo e Morpheus, Matrix Original)
- Se
eu tiver de escolher entre isso ou a Matrix, eu escolho a Matrix.
- A
Matrix não é real.
-
Discordo, Trinity. Eu acho que a Matrix pode ser mais real que este mundo.
(Cypher e Trinity, Matrix Original)
Gostaria de fazer um adendo
a essa passagem, já que mostra que conceitos como Real ou Sonho também são
relativilizados. Afinal, o que faz o real? Nosso cérebro?
Bem, esse tópico tem que
estar presente no ensaio, pois falar de Matrix e não falar da Alegoria do Sonho
é defasar muito a filosofia do filme. Mas não me estenderei, por que essa
alegoria é muito trabalhada desde que o filme foi lançado, é a mais obvia. O
que levam as pessoas a certo preconceito contra os dois filmes seqüenciais, já
que a alegoria do sonho é mais própria do despertar de Neo, portanto, do primeiro
filme. Essa alegoria será teorizada novamente em Animatrix, no desenho Era Uma
Vez Um Garoto mas que não cabe na nossa discussão.
5. “O
que é a Matrix? Controle.”
Outra
alegoria, também bastante comentada, é a Alegoria do controle social. A Matrix
pode também ser interpretada como o próprio aprisionamento do ser humano a sua
sociedade. Aprisionamento cultural, econômico, filosófico. Um homem que não
consegue se libertar, se auto-gerir. Essa alegoria não é tão clara quanto a
alegoria do sonho, mas é também comentada. Veja bem, a alegoria da sociedade,
das regras sociais, não é uma interpretação independente da alegoria dos
sonhos. Para falar a verdade, são paralelas. Utilizo novamente o conceito de
alegoria de Benjamin para explicar esse tópico e me apoio em um trecho de
Nietzsche para compreender a que me refiro como regras sociais:
Aqui
deve procurar-se a origem da responsabilidade. Esta tarefa de educar e
disciplinar um animal que possa fazer promessa, pressupõe outra tarefa: a de
fazer o homem determinado, uniforme, regular, e, por conseguinte, apreciável. O
prodigioso trabalho daquilo a que eu chamei moralização dos costumes, o
verdadeiro trabalho do homem sobre si mesmo durante o mais longo período da
espécie humana, todo o seu trabalho pré-histórico, toma daqui a sua
significação e a sua justificação, qualquer que seja o grau de tirania, de
crueldade e de estupidez que lhes é própria: unicamente pela moralização dos
costumes, pela camisa-de-força social, chegou o homem a ser realmente
apreciável. (Nietzsche, Genealogia da Moral, p.65)
Bem,
a Matrix é vista aqui como esse elemento não-materializado que impele os seres
humanos a agirem contraditoriamente a suas vontades, no entanto acreditando
terem uma escolha, quando esta não há. Vejamos alguns trechos que podem mostrar
essa possível interpretação da trilogia. A cena mais forte acerca dessa
alegoria do controle social é a que Morpheus tenta explicar a Neo o que é a
Matrix. Para isso se vale de metáforas de controle.
- A
Matrix está em todo lugar. À nossa volta. Mesmo agora, nesta sala. Você pode
vê-la quando olha pela janela ou quando liga a sua televisão. Você sente quando
vai para o trabalho, quando vai à Igreja, quando paga seus impostos. É o mundo
que foi colocado diante dos seus olhos para que você não visse a verdade.
- Que
verdade?
- Que
você é um escravo, Neo. Como todo mundo, você nasceu num cativeiro, nasceu numa
prisão que não consegue sentir ou tocar. Uma prisão para sua mente.
[...]
- Ai eu
vi os campos com meus próprios olhos. Eu os vi liquefazer os mortos para que
fossem injetados na veia dos vivos. E lá, vendo tal precisão pura e
aterrorizante acabei me dando conta da verdade óbvia. O que é a Matrix?
Controle.
[...]
-
Enquanto a Matrix existir a raça humana nunca será livre.
(Morpheus, The Matrix)
- Gosto
de lembrar que esta cidade sobrevive graças a estas máquinas. Elas nos mantêm
vivos, enquanto outras estão vindo nos matar. Interessante, não? O poder de dar
vida e o poder de tirá-la.
- Temos
esse mesmo poder.
- Acho
que temos, mas aqui embaixo, penso em todos os que ainda estão conectados à
Matrix e, ao ver essas máquinas, sou forçado a pensar que, de certo modo, nós
estamos conectados a elas.
- Mas
estas não nos controlam.
- Claro
que não, como poderiam? A idéia não faz o menor sentido, mas é o caso de
perguntar, afinal, o que é controle?
- Se
quiséssemos, poderíamos desligar estas máquinas.
-
Claro. É isso, você acertou. Isso é controle, não?Se quiséssemos poderíamos
fazê-las em
pedacinhos. Mas aí teríamos de pensar no que aconteceria com
nossas luzes, nosso calor, nosso ar.
(O conselheiro de Zion e
Neo, Matrix Reloaded)
Os
humanos da Matrix e os fora dela, são uma alegoria de nós? Aqueles que se
conformam com o controle e aqueles que lutam contra ele? É uma interpretação.
Mas como qualquer alegoria, seu sentido não tem dono.
6. “Não
ligue para esses hipócritas, Neo. Negar os nossos impulsos é negar aquilo que
faz de nós humanos.”
Algumas
das discussões paralelas que encontramos na trilogia estão na posição do
controle sobre as ações humanas. Os libertos da Matrix utilizam o discurso da
liberdade para justificar a saída do mundo dos sonhos. No entanto, essa
distinção entre real-livre e sonho-prisão é discutida no filme. Afinal, se os
humanos traçaram o seu próprio destino ao inventarem máquinas tão inteligentes,
e por terem eles próprios arruinado o mundo, não é da natureza humana a
destruição? Em que as máquinas diferem da psiquê humana? Qual o limite entre o
que faz de nós humanos e o que faz das máquinas robôs? Essa discursão dentro do
filme não é assim tão clara. Quem assite o filme pela primeira vez, acredita
que é parcial e faz uma apologia ao humano, o coitado, o aprisionado. Mas
encontramos dentro da trilogia passagens muito interessantes em que essas
idéias não são bem assim. A discussão inicia-se no primeiro filme, que chamo de
The Matrix para diferir dos outros, mas só será completado no fim de Matrix
Revolutions. Para esse tópico, gostaria de trazer a tona as idéias de
Nietzsche, que contrapus diretamente à fala que intitula esse tópico. Essa fala
foi dita por Mouse para Neo, no primeiro filme.
Que
os cordeiros tenham horror às aves de rapina, compreende-se; mas não é uma
razão para querer mal às aves de rapina que arrebatam os cordeirinhos. E se os
cordeiros dizem: estas aves de rapina são más, o que for perfeitamente o
contrário, o que for parecido com um cordeiro é bom. [...] Exigir à força que
se não manifeste como tal, que não seja uma vontade de dominar uma rede de
inimigos, de resistência e de combate, é tão insensato como exigir à fraqueza
que se manifeste como força. (Nietzsche, Genealogia da Moral, p.51)
O que ressalto dessa
passagem como importante para discussão desse tópico é a visão Nietzschana do
homem primitivo. O homem que não se curva a idéias de moral ou que não se curva
a cultura, mas que exerce sua força como convém à natureza. O personagem que
mais diretamente contesta essa delimitação entre homens e máquinas, entre o que
faz o humano e o que faz as coisas é o Agente Smith. Não é à toa. O Agente
Smith é a máquina que tem vaidade, propósito, desejo de liberdade. Mas sobre
ele falarei com mais propriedade num dos tópicos seguintes. Enfim, trago as
passagens abaixo da trilogia que fazem referência a essa idéia de Nietzsche.
- A
mulher de vestido vermelho. Eu a criei. Ela não fala muito, mas, se você quiser
conhecê-la, posso arranjar um encontro à sós.
- O
cafetão digital em ação.
- Não
ligue para esses hipócritas, Neo. Negar os nossos impulsos é negar aquilo que
faz de nós humanos.
(Mouse, Switch e Neo, Matrix
Original)
Essa
passagem é a que claramente trás a discussão nietzscheana. Essa visão de tomada
de poder, de exercer a força sobre o fraco, de buscar o primitivismo humano
como forma de ser livre e feliz é propriamente Nietzsche. As passagens, apesar
de recorrentes, são sutis. Para falar a verdade a trilogia tem uma alegoria
principal, que já havia dito, a Alegoria do Sonho, que de alguma forma torna
“nublado” as discussões paralelas ao filme. É preciso rever, rever muito, até
que todos os pontos se conectem, que todas as palavras ganhem seu significado,
que tudo seja compreendido.
- Eu gostaria de te contar uma revelação que
eu tive durante o meu tempo aqui. Ela me ocorreu quando tentei classificar sua
espécie e me dei conta de que vocês não são mamíferos. Todos os mamíferos do
planeta instintivamente entram em equilíbrio com o meio ambiente. Mas os
humanos não. Vocês vão para uma área e se multiplicam até que todos os recursos
naturais sejam consumidos. A única forma de sobreviverem é indo para uma outra
área. Há um outro organismo neste planeta que segue o mesmo padrão. Você sabe
qual é? Um vírus. Os seres humanos são uma doença. Um câncer neste planeta.
Vocês são uma praga. E nós somos a cura. (Agente Smith, The Matrix)
Essa
passagem é interessante. Primeiro porque introduz o tema que estamos falando.
Essa forma de classificar o homem primitivo, destruidor, com vontade de
dominação, vontade de poder. O outro aspecto interessante é justamente a visão
do que faz o humano diante da máquina. Qual, ou quais, são os aspectos que
diferenciam? Perceba que a visão comentada é de um programa de computador, que
se auto-intitula “cura”. Essa forma de dizer eu-bom você-mal também será
trabalhada por Nietzsche em
A Genealogia da Moral.
- Começa tão simples, cada linha do programa
criando um novo efeito, como um poema. Primeiro uma onda de calor. Seu coração
palpita. Você pode ver, Neo, não é? Ela não entende o porquê. Será o vinho?
Não. O que será, então? Qual será a razão? Logo, isso já não importa. Logo o
porquê e a razão desaparecem e só o que importa é a sensação em si. Essa é a natureza do
universo. Resistimos, lutamos contra ela, mas é um fingimento, claro, uma
mentira. Por baixo da nossa aparência posada a verdade é que estamos
completamente fora de controle. Causalidade. Não há como escapar dela. Somos
seus eternos escravos. (Merovíngio, Matrix Reloaded)
Perceba
que esse personagem também é um programa de computador. No filme, não vemos
humanos falarem sobre a natureza primitiva de nós mesmos, mas das máquinas.
Assim como as máquinas comentam apenas sobre a natureza dos humanos. Uma forma
de se definir através do outro. O ser humano na Matrix é traçado, encontra seu
eu, sua identidade, em oposição ao opressor: a máquina. Bem nietzscheano, o mau
é a maquina, porque a máquina me domina e eu sou escravo. O conceito de mau
parte do que não sou. Outra passagem com Merovíngio que continua a idéia da
natureza humana
- Dizem
que não pode ser tomado. Só pode ser dado.
- O
que?
- Os
olhos do Oráculo. Eu já disse que não há como escapar da natureza do universo.
É essa natureza que importa para mim. Onde alguns vêem coincidência, eu vejo
conseqüência. Onde outros vêem
oportunidade, eu vejo preço.
(Merovíngio, Matrix
Revolutions)
7. “Como
você fez aquilo? Eu nunca vi ninguém se mover tão rápido!”
Uma
concepção importante que claramente mostra uma influência das teses
benjaminianas na técnica utilizada nos três filmes é a idéia de Inconsciente Ótico.
Matrix melhor do que qualquer filme, aliás, primeiramente
do que qualquer filme foi a produção que pôs em evidência o poder ótico da
câmera. Nosso horizonte visual, principalmente com o primeiro filme da
trilogia, é absurdamente alargado pela presença de cenas literalmente estáticas, que no mundo real levariam menos que um
segundo para acontecer. É a revolução da visão, amplificada. Mas, por que
Matrix tão magistralmente consegue esse feito que nenhum outro filme havia
conseguido? Por duas razões. Primeiro, a trilogia foi primeiramente
transformada em arte gráfica, para depois invadir a tela. Não estou falando de
um plot, roteiro, adaptado ao
cenário, adaptado as roupas, adaptado aos atores. Estou falando de pensamentos
dos autores diretamente desenhados sobre telas. As cenas de Matrix são assim
desenhadas, medidas, observadas em cada quadrante, antes de se escolherem os atores, o cenário, etc. O que vem depois
é enquadrar o mundo real o mundo imaginário dos autores. Segundo, porque as
cenas de paralização completa são produzidas em consonância entre a máquina
fotográfica e a máquina filmadora. Centenas (literalmente!) de câmeras
fotográficas são posicionadas em um circulo fechado, em 360°, de forma que a
cena se desenrrole no interior do círculo. Centenas (literalmente!) de fotos
são tiradas em uma cena de um segundo. Temos um filme à moda antiga,
fotografado. A cena principal é paralizada e o cenário continua a girar. Eis um
instrumento das cenas em Matrix que revolucionou a câmera, nossa noção espacial
e a nossa visão. A primeira cena do filme, em que Trinity derruba um
policial com um chute no ar, é a cena mais comentada em relação a esse
inconsciente ótico. A outra, que é
símbolo-mestre da The Matrix, é a cena de Neo desviando das balas.
Chegou
o cinema e fez explodir este mundo de prisões com a dinamite do décimo de
segundo, de forma tal que agora viajamos calma e aventurosamente por entre os
seus destroços espalhados. Com o grande plano aumenta-se o espaço, com o ralenti o movimento adquire novas
dimensões. [...] Diferente, principalmente, porque em vez de um espaço
preenchido conscientemente pelo homem, surge um outro preenchido
inconscientemente. (Benjamin, A Obra de Arte da Era da sua Reprodutibilidade
Técnica, p.104)
8. “jiu-jítsu? Eu vou aprender jiu-jítsu?”
De
uma forma indireta, abrimos esse pequeno espaço para tratar de um conceito Benjaminiano,
que é a experiência. Dentro do filme, vemos a aprendizagem dos “despertos” da
Matrix através do “download” de programas direto na mente das pessoas. Elas
aprendem como lutar, como pilotar, de uma forma que a prática, a aula, não é
mais necessária. A frase que trago para intitular esse tópico é falada por Neo
no primeiro filme. A aprendizagem é “carregada” em sua cabeça, mas ao mesmo
tempo a prática completa do Kung-fu se faz pela experiência com Morpheus dentro
do programa de carregamento. É uma simbiose. Tanto o personagem deixa de
aprender pela experiência, pelo fato de pular toda a parte de aprendizagem, mas
só tem a fixação, o aprimoramento desse aprendizado através da experiência
vivida, pelos conselhos de Morpheus, experiente. Abaixo, trago uma passagem de
Benjamin para analisarmos as passagens em Matrix.
Pobreza
de experiência: não se deve imaginar que os homens aspirem a novas
experiências. Não, eles aspiram a libertar-se de toda experiência, aspiram a um
mundo em que possam ostentar tão pura e tão claramente sua pobreza externa e
interna, que algo de decente possa resultar disso. (Benjamin, Experiência e
Pobreza, p.118)
São
duas cenas que nos mostram essa relação sobre a falta de experiência no mundo
moderno. A primeira é a cena supracitada e a segunda é a cena de Trinity, já no
fim do filme, em que ela precisa pilotar um helicóptero. Essas duas cenas nos
mostram essa discussão. Pequenas e simples, mas que são metafóricas.
- Este
é um programa de sparring, igual à realidade programada da Matrix. Tem as
mesmas regras básicas, como a gravidade. Só que essas regras não são diferentes
das regras de um sistema de computador. Algumas podem ser distorcidas. Outras
podem ser quebradas. Entendeu? Então me acerte se conseguir. [...] Você
acredita que ser mais forte ou mais rápido tem algo a ver com os meus músculos
neste lugar? Acha que está respirando ar?
(Neo e Morpheus, The Matrix)
- Cedo
ou tarde você vai perceber, como eu, que há uma diferença entre conhecer o
caminho e percorrer o caminho.
(Morpheus, The Matrix)
- Estou
aqui sem medo, porque eu me lembro que estou aqui não por causa do caminho que
vou percorrer, mas por causa do caminho que já percorri! Eu lembro que, há cem
anos, lutamos com essas máquinas! Eu lembro que, há cem anos, elas mandam
exércitos para nos destruir! E depois de um século de guerra, eu lembro a coisa
mais importante: ainda estamos aqui!
(Morpheus, Matrix Reloaded)
-
Só se conhece realmente alguém depois de lutar com ele.
(Seraph, Matrix Reloaded)
- Não
sei o que tentou fazer, mas sei qual é a sensação.
- Qual
é?
-
Senti-me naquele corredor de novo.
(Neo e Trinity, Matrix
Reloaded)
[Observe aqui duas coisas.
Essa passagem lembra bastante a experiência da madelaine proustiana. Neo
através de uma sensação remonta todo um passado. Segundo, veja que após lutar
com o Agente Smith, Neo relembra da ultima cena que ainda era Thomas A.
Anderson]
- Um
beijo.
-
Perdão?
- Quero
que me beije como se eu fosse ela.
- Por
quê?
- Você
a ama. Ela ama você. Está escrito na testa dos dois. Há muito tempo, eu sabia
como era isso. Quero lembrar como é. Quero experimentar.
[Observe que nessa cena Neo
retira os óculos para beijá-la. Ele se modifica]
9. “Você
precisa livrar-se Neo, do medo... da dúvida e da descrença.”
Uma
das passagens muito pertinente em Matrix é a forma de encarar o conceito de
liberdade. Particularmente relaciono esse conceito com Nietzsche, nas leituras
que fazemos do autor acerca do super-homem, ou além-do-homem. Liberdade essa
que se traduz em libertação da mente. Em desfazer-se, desligar-se de tudo
aquilo que a sociedade lhe impõe. De uma maneira mais específica, libertar-se
do medo, da dúvida, da descrença que as leis da física e as leis cristãs nos
impõe a medida que vamos crescendo. Para Nietzsche, o homem liberto é aquele que
se desfaz de suas crenças, se liberta de pré-conceitos, desliga-se de tudo que
o fez. Assim como Neo, que tem de se desligar de sua consciência, de sua
formação, de seus pré-conceitos construídos ao longo de sua vida dentro da
Matrix, deve agora formar outra consciência, fora da Matrix, a partir do zero.
- Por
que meus olhos doem?
-
Porque você nunca os usou.
[...]
- Sei o
que está tentando fazer.
- Quero
libertar sua mente, Neo. Mas só posso te mostrar a porta. Você tem de
atravessá-la. Tank, carregue o programa de salto.
- Você
precisa livrar-se, Neo, do mesmo, da dúvida e da descrença.(Morpheus e Neo, The
Matrix)
- Eu
sinto você agora. Sei que está com medo. Está com medo de nós. Está com medo
das mudanças. Eu não vim aqui te dizer como vai começar. Vou desligar este
telefone. E vou mostrar a essas pessoas o que não quer que elas vejam. Vou
mostrar a elas um mundo sem você. Um mundo sem regras e controle, sem limites e
fronteiras. Um mundo onde tudo é possível. Para onde vamos daqui é uma escolha
que deixo para você.(Neo,
The Matrix)
Sobre ultimo trecho gostaria
de comentar algo. Esta ultima cena, Neo é o Escolhido, e já trabalha na
“libertação” de mentes dentro da Matrix. Esse telefonema é, provavelmente, uma
forma de aproximação que o Escolhido recruta seu rebanho, entre os seres
“sensientes” aqueles que percebem estar dentro de um mundo estranho, de sonhos.
É uma forma de abordagem em que ele finge ser o espectador de uma dessas
pessoas reveladas. Por isso ele diz: Eu vou mostrar a essas pessoas o que não
quer que elas vejam, vou mostrar a elas um mundo sem você. Qual é o nosso
maior medo de acordar do sonho? É de estarmos sozinhos. É preferível vivermos
dentro do sonho, com as pessoas que amamos, com todos que conhecemos, do que
encarar a mudança, o medo, a solidão. Tendo explicado isso, seria interessante
reler a fala e compreender o que Neo que dizer para libertar as mentes.
10. “Não
existe colher”
Buda
e Nietzsche. Relação? Matrix. Para quem conhece as teorias de Nietzsche, sabe
que a cena em questão, essa que intitula o tópico, é bastante interessante para
falarmos da Vontade de Poder. Nietzsche, em sua teoria, afirma que nós, seres
humanos, temos uma vontade de dominação sobre o mundo, sobre os outros. Em
Buda, essa vontade se dará pelo nome de Thelema, ou Força de Vontade. Assim, as
teorias de Buda e Nietzsche se conectam nessa cena, mimetizado pelo pequeno
menino Buda, que ensina a Neo como mudar o mundo a seu desejo. Mas que essa
mudança deve ser feita de dentro para fora, pois as mudanças, mais importantes
acontecem em nosso intelecto.
- Não
tente entortar a colher, é impossível. Em vez disso, apenas tente ver a
verdade.
- Que
verdade?
- A
colher não existe.
- A
colher não existe?
- Então
você verá que não é a colher que entorta. É você mesmo.[15]
(Neo e garoto budista, The Matrix)
Existe também uma passagem em Matrix Reloaded ,
que percebemos essa luta pela Vontade de Poder, existente no programa de Neo,
em que esse programa tenta sempre sobrepor-se a Matrix, tenta vencer, ainda que
sempre termine do mesmo jeito.
-
Embora funcionasse, havia, obviamente, uma falha fundamental que, quando não
controlada, ameaçava o próprio sistema. Então, sem controle, os que recusam o
programa, embora em minoria, constituem uma probabilidade crescente de
desastre.
(O Arquiteto, Matrix Reloaded)
Podemos, de uma maneira
geral, analisar a trilogia como um conjunto de guerras de Vontade de Poder. A
que considero ganhadora, nesse caso, é a Matrix. Já que apesar de Neo conseguir
promover mudanças e acabar com a guerra, ele é apenas fruto de mudanças no
“sistema operacional” adaptando-se a um novo ciclo, a uma Matrix reinventada.
Seu corpo, no fim do terceiro filme, ao invés de ser dilacerado pelas maquinas,
é cuidadosamente arrastado para ser limpo e recolocado como a 7ª versão do
programa. Um ciclo necessário, vicioso.
11. “Após
nove anos... sabe o que percebi? A ignorância é maravilhosa.”
No
primeiro filme da trilogia, existe um personagem que introduz uma discussão
paralela a Alegoria do Sonho. Esse personagem é o Cypher. Retirado da Matrix
sob o discusso de libertação de Morpheus, percebe com o tempo que o homem
pretensamente liberto é tão ou mais preso que o homem conectado ao mundo dos
sonhos, à Matrix. Afinal, o que é
liberdade? O que é auto-gestão? O que é realidade? As falas e cenas desse
personagem nos introduzem a essa discussão. Filosoficamente, relaciono esse
personagem ao pensamento de Nietzsche. Esse autor nos expõe em Considerações
Intempestivas o pensamento de que a ignorância – ou
esquecimento – é a chave para o homem feliz, para o homem a-historico. Este ser
que se desprende de tudo, que vive o agora, alheio ao seu passado, a sua
ancestralidade, é a verdadeira chave para ser feliz. Trago o trecho abaixo de
Nietzsche que será bastante elucidativo para as falas presentes neste
personagem.
Toda
ação exige esquecimento , assim como toda vida orgânica exige não somente a
luz, mas também a escuridão. [...] É portanto possível viver, e mesmo ser
feliz, quase sem qualquer lembrança, como o demonstra o animal, mas é absolutamente
impossível viver sem esquecimento. (Nietzsche, Considerações Intempestivas,
p.72-73)
- Não
posso voltar, posso?
- Não.
Mas se você pudesse você realmente iria querer? Eu te devo desculpas. Temos uma
regra: nunca libertamentos uma mente após ela atingir certa idade. É perigoso.
A mente tem problemas em
esquecer. Eu já vi acontecer e sinto muito.[16](Morpheus e Neo, The Matrix)
- Após
nove anos sabe o que percebi? A ignorância é maravilhosa.
- Então
negocio fechado.
- Não
quero me lembrar de nada. Nada. Entendeu? Eu quero ser rico. Você sabe, alguém
importante. Tipo um ator.
- O que
desejar, Sr. Reagan.
-Tudo
bem. Leve o meu corpo de volta à usina, me coloque de novo na Matrix e te dou o
que deseja. (Cypher
e Agente Smith, Matrix Original)
- Vão recolocar o meu corpo. Vou voltar a
dormir. Quando eu acordar, não lembrarei de nada. (Cypher, The Matrix)
12. “Está
ouvindo Sr. Anderson? É o som da inevitabilidade.”
Não
poderia fazer esse ensaio sem que separasse um pequeno tópico para falar do
Agente Smith. Esse personagem tem um papel fundamental na história da trilogia,
pois, tanto ele quanto Trinity definem as decisões da 6ª versão do Escolhido,
Neo. Mas por que ele é importante? Primeiro, porque o Agente Smith, um programa
de computador sensiente, por algum motivo desconhecido, passa a ter uma
consciência independente da Matrix, tem desejos humanos, aspirações de
liberdade e poder, o que nos coloca na discussão acerca do que é que faz de nós
humanos. Segundo porque, no fim do primeiro filme, o Agente Smith é “engolido”
digitalmente por Neo e a partir daí passa a compartilhar sentimentos e
pensamentos com esse último. A partir do fim do primeiro filme, teremos o
Escolhido dividido em duas mentes. Neo, que teria a mente altruísta e devota ao
amor e Smith, a mente egoísta e dominadora. Terceiro, esse personagem é muito
importante nas discussões mais interessantes do filme. Fala sobre a natureza
humana, sobre a liberdade, o livre-arbítrio, a mímesis – aliás, esse personagem
encarna de fato a mímesis de si próprio – além de nos dá algumas falas sobre a
resignação. Mas, o que é mais interessante aqui é que todos esses pensamentos
são de origem da máquina e nos faz pensar na mudez dos humanos nessa trilogia.
Observe que as discussões mais fortes sobre a essência humana não partem dos personagens humanos.
Enfim, o último ponto que gostaria de ressaltar acerca desse personagem é que
ele nunca chama Neo de Neo, mas de Sr. Anderson, talvez porque seja parte dele,
uma parte que não aceita seu destino, ou talvez porque não consiga perceber a
diferença entre o Thomas A. Anderson de dentro ou fora da Matrix.
- Está ouvindo, Sr.
Anderson? É o som da inevitabilidade. (Agente Smith, The Matrix)
- Não estamos aqui porque somos livres, mas
porque não somos. Não há como fugir da razão, como negar o propósito, pois,
como ambos sabemos, sem propósito, não existiríamos. Foi o propósito que nos
criou, o propósito nos conecta. Ele nos impele. Nos guia. Nos motiva. O
propósito nos define. O propósito nos une. Nós estamos aqui, Sr. Anderson para
tirar o que tentou tirar de nós. O propósito.(Agente Smith, Matrix Reloaded)
- O
que é ele?
-
Ele é você. Seu oposto. Seu negativo. O resultado da equação tentando se
equilibrar.
(O Oráculo e Neo, Matrix Revolutions)
- Eu
vou ser sincero com você. Eu odeio este lugar, este zoológico, esta prisão,
esta realidade, ou sei lá como vocês chamam. Eu não suporto mais. É o cheiro.
Se é que isso existe. Eu me sinto impregnado dele. Eu sinto o gosto do seu
fedor. E toda vez que sinto, fico achando que fui infectado por ele. É
repulsivo. Não é? Eu preciso sair daqui. Eu preciso me libertar.
(Agente Smith e Morpheus, The Matrix)
[Observe como ele se refere ao olfato. Olfato
existe? Ou apenas é uma interpretação neural? Veja também que o programa tem
aspirações de se tornar livre]
-
Admito que é difícil até pensar dentro desse pedaço de carne podre. O fedor
enchendo minha respiração como uma nuvem sufocante da qual não posso escapar.
Repulsivo. Veja como são patéticos e frágeis. Nada tão fraco está destinado a
sobreviver. (Agente Smith, Matrix Revolutions)
[Observe essa fala, pois ela remete ao filme
original. O agente Smith acha o olfato o pior de todos os sentidos humanos, o
mais repulsivo. É pelo olfato que alega que os seres humanos estão destinados a
serem escravos]
13. “Não quero saber! Não
me importam Oráculos, profecias ou Messias!”
A
terceira alegoria que gostaria de ressaltar para complementar a tríade que já
falei anteriormente, é uma alegoria que poucas pessoas já ousaram falar sobre.
É a Alegoria de Jesus Cristo. Não tão evidente, é a alegoria mais escondida.
Trarei aqui as passagens da trilogia que justificam essa minha visão, assim
como imagens. Mas, preciso ressaltar,
que esse tópico é, de longe, o mais contestável, no entanto com argumentos
plausíveis. Como já discorri sobre a alegoria benjaminiana, acho desnecessário
fazer outra alusão. Por ora, trago as passagens. Primeiramente gostaria de
ressaltar uma segunda vez os nomes de Neo e Trinity. Neo, anagrama da palavra
em inglês “One” quer dizer, o Um, o Escolhido. Uma referência que também usamos
ao falar de Jesus. Trinity, em inglês, quer dizer Trindade, é o terceiro
elemento do filme Neo-Trinity-Morpheus, é ela quem trás o equilíbrio do
escolhido e o guia nas suas decisões. Morpheus, dentro do filme, é a imagem do
homem teísta. É o que trás a palavra da profecia e do seu messias. Por fim, a
cidade remanescente humana, Zion, ou Sião, em referência ao monte do ultimo
reduto humano após o armagedon bíblico.
- Aleluia! Você é o meu salvador, cara. O meu
Jesus Cristo pessoal.
(Choi, The Matrix)
- Foi ele quem libertou o primeiro de nós e
nos mostrou a verdade [...] Quando ele morreu o Oráculo profetizou a sua volta
e que a sua chegada coroaria a destruição da Matrix, o fim da guerra e a
liberdade para nosso povo. (Morpheus, The Matrix)
Sobre
essa ultima passagem acima, é preciso observar algumas semelhanças. Jesus
Cristo é visto como o salvador do povo oprimido, como o messias que libertaria
os judeus da dominação romana, que destruiria a submissão. A sua morte foi
profetizada e seu retorno esperado até hoje por milhões de cristãos. Não é
difícil perceber na passagem acima certa semelhança com a Sua história.
Referências à reencarnação continuam...
- Eu
não sou o Escolhido.
-
Desculpe, garoto. Você tem o dom, mas parece que você está esperando por algo.
- O
que?
- Sua
próxima vida, talvez. Quem sabe?
(O Oráculo e Neo, Matrix
Original)
- Não
quero saber! Não me importam Oráculos, profecias ou Messias! Só me importa uma
coisa: impedir que aquele exército destrua a cidade e para isso, preciso que os
soldados me obedeçam!
- Com
todo o respeito comandante, só há uma maneira de salvar a cidade.
- Qual?
- Neo.
-
Maldição, Morpheus! Nem todos crêem no que você crê!
- Não é
preciso que os outros creiam.
(Morpheus e o Capitão,
Matrix Reloaded)
- E
você capitão, o que recomendaria?
- A
verdade. Ninguém entrará em pânico, porque não há o que temer. Aquele exército
nunca chegará aos portões de Zion.
- O que
lhe dá tanta certeza?
-
Considere o que vimos, conselheiro: nos últimos seis meses, libertamos mais
mentes do que em seis anos. Esse ataque é um ato de desespero. Acredito que
logo a Profecia se cumprirá e esta guerra acabará.
-
Espero que tenha razão Capitão.
- Não
acho que seja uma questão de esperança. É só uma questão de tempo.
(Morpheus e o Conselheiro,
Matrix Reloaded)
O
texto abaixo demonstra a cena mais essencial da alegoria cristã, é uma cena de
poucos minutos, mas que percebemos o caráter messiânico e cheio de oferendas
que os fiéis deixam para Neo.[17]
- Neo,
por favor. Tenho um filho, Jacob, a bordo do Gnosis. Por favor, proteja-o.
- Vou
tentar.
- Tenho
uma filha no Icarus.
(Figurantes e Neo em Matrix Reloaded )
- Esta noite não é acidental. Não existem
acidentes. Não viemos para cá por acaso. Eu não acredito no acaso. Quando vejo
três objetivos, três capitães, três naves, não vejo uma coincidência. Vejo a
Providência. (Morpheus,
Matrix Reloaded)
- Tragam-me os olhos do
Oráculo. Ai eu devolverei o seu “Salvador”. (Merovíngio, Matrix
Revolutions)
- Diga
como separei minha mente do meu corpo sem me conectar. Me diga como detive
quatro sentinelas com o pensamento. Diga que diabos está acontecendo comigo.
- O
poder do Escolhido se extende além desse mundo. (O Oráculo e Neo,
Matrix Revolutions)
- Eu gostaria que você pudesse ver, Sr.
Anderson. Um messias cego. Você é um símbolo para a sua raça, Sr. Anderson.
Indefeso. Patético. Apenas esperando que acabem com o seu sofrimento.(Agente Smith, Matrix
Revolutions)[18]
14. “Mas, nesse caso, você
pode ser parte do sistema. Outra forma de controle.”
O
Oráculo é uma alegoria da Esperança. Como já havia dito, a primeira Matrix,
baseada no paraíso bíblico, foi um desastre. As pessoas entraram em depressão e
se suicidaram. Dessa forma as máquinas criam um programa de computador – o
Oráculo – que iria estudar a psiquê humana para adaptá-la a uma Matrix
melhorada. A resposta que esse programa encontrou foi a escolha. Quando fosse
dada a escolha para os seres humanos – uma pretensa
escolha para falar a verdade – eles lutariam com mais afinco pela
sobrevivência. Na verdade, o livre-arbítrio e o destino estão aqui
entrelaçados. É como se a predestinação fosse uma gaiola de vidro, mas dentro
dessa gaiola existem escolhas diferentes. Essa é uma das “morais” do filme.
Esse programa – o Oráculo – junto com o Arquiteto, são os verdadeiros
protagonistas da trilogia. Neo nada mais é do que uma invenção do Oráculo. Uma
invenção que inconscientemente lutaria pela liberdade e assim movimentasse a
Matrix. O que vemos na trilogia é uma versão de Neo 6.0, por assim dizer. O
Oráculo está adaptando sua pesquisa psicológica para ver no que irá resultar.
Na verdade, ela representa um outro tipo de controle, mais sutil e ardiloso.O último
ponto que podemos ressaltar são os olhos do Oráculo. Esses olhos que vêem o presente
o passado e o futuro, olhos atemporais.
- Você
não é humana, certo?
-
Dificil pensar em algo mais óbvio.
- Se eu
tivesse de adivinhar, diria que você é um programa do mundo das máquinas.
- Até
agora está indo bem.
- Mas,
nesse caso, você pode ser parte do sistema. Outra forma de controle.
-
Continue.
- Acho
que a pergunta mais obvia é: como posso confiar em você?
- Na
mosca.
(O Oráculo e Neo, Matrix
Reloaded)
- É
mentira, Morpheus. A Profecia é uma mentira. O destino do Escolhido nunca foi
terminar nada. É só mais um sistema de controle.[19]
(Neo,
Matrix Reloaded).
15. “Você sempre sentiu a
vida inteira: há algo errado com o mundo. Você não sabe o que, mas há. Como um
zunido na sua cabeça, te enlouquecendo.”
O
título desse tópico se passa entre a conversa de Morpheus e Neo, no primeiro
filme da trilogia. Seria
Neo, de acordo com a história da Matrix, uma espécie de Alegorista? A visão de
Thomas A. Anderson, depois que se transforma em Neo, sobre a Matrix muda,
criptografa, percebe as maquinações, configurações, interpretações que os
outros só enxergam a sombra. De acordo
com W. Benjamin, o alegorista modifica a coisa, enxerga-a de maneira diferente,
põe sentidos, interpreta.
O
alegorista rompe as conexões tradicionais de sentido da palavra para instaurar uma
nova conexão, onde a palavra assume um significado inteiramente novo
(arbitrário); podendo, nun processo de significação infinita, significar sempre
outra coisa diferente da sua significação anterior. (ZAIDAN, A Crise da Razão
Histórica, p.52)
Seria,
portanto, Neo um alegorista nato sobre a Matrix, e por conseqüência, sobre o
sonho e o real? Sobre as “falhas” do sistema de controle e do sistema dos
sonhos? Seria ele diferente dos demais, assim como é diferente o alegorista, o
melancólico? Na cena de encontro com o Oráculo, em Matrix Reloaded ,
Neo encontra-se com um ser iluminado da Matrix, Seraph, que tem o dever de
proteger o Oráculo, ou seja, a esperança humana. Iluminado, Neo o interpreta
codificado diferentemente do resto esverdeado da Matrix. O alegorista, em si,
enxerga os multi sentidos e vê diferente.
16. “Já posso ver a reação
em cadeia... os precursores químicos que marcam o surgimento de uma emoção... criada
especificadamente para esmagar a razão e a lógica...”
O
que há de diferente do Neo que vemos passar nas telas, das versões anteriores
do Neo? A resposta é: o amor. Esse elemento, esse “X” da equação vai ser
adicionado na sexta versão do Neo. Compreendemos essa passagem pela conversa
existente entre Neo e o Arquiteto no fim do segundo filme. Sobre essa passagem, apenas gostaria de
colocá-la aqui para que a conversa com o Arquiteto seja lida com mais calma.
Quando assistimos ao filme o diálogo se passa muito nervoso, muito tenso e
geralmente perdemos muito da essência das frases.
- Seus
antecessores, intencionalmente, foram baseados no mesmo predicado: uma
afirmação contingente destinada a criar uma ligação profunda com o resto da sua
espécie, facilitanto a função do Escolhido. Os outros sentiam isso de forma bem
generalizada. A forma que você sente é bem mais específica. Estou falando de
amor.
-
Trinity.
- A
propósito, ela entrou na Matrix para salvar você e pagar com a vida.
- Não.
- O que
nos traz, finalmente, ao momento da verdade, em que a falha fundamental é
definitivamente exposta e a anomalia é revelada como início e fim. [...] Já
posso ver a reação em
cadeia... Os precursores químicos que marcam o surgimento de
uma emoção criada especificadamente para esmagar a lógica e a razão. Uma emoção
que já está cegando você para a simples e óbvia realidade. De que ela vai
morrer e você nada pode fazer para impedir. Esperança. É uma ilusão humana
quintessencial simultaneamente a fonte de sua maior força e sua maior fraqueza.(O Arquiteto e Neo,
Matrix Reloaded)
[O
Arquiteto considera o amor como uma falha, uma anomalia. Seria isso que nos
diferencia das máquinas? Bem, em Matrix Revolutions vamos ter Rama-Kandra, uma
máquina, que ama sua esposa e filha. E também pela concepção de Esperança,
outra forma de controle.]
17. “É uma emoção humana. - Não, é uma palavra.”
Existem
algumas passagens de Matrix que discutem os conceitos. Não são muitas, mas
vê-se claramente um posicionamento dos autores em relação às teorias de
Nietzsche sobre a linguagem. De uma forma geral admite-se que as palavras não
designam as coisas, mas que elas são metáforas, convenções, exercício da
autoridade, da vontade de poder, sobre a linguagem. Vou trazer as passagens que
acredito que fomentam essa discussão.
- O que é real? Como você define o “real”? Se
está falando do que consegue sentir, do que pode cheirar, provar, ver, então
“real” são simplesmente sinais elétricos interpretados pelo cérebro.(Morpheus, The Matrix)
- Ela
nunca erra?
- Tente
não pensar em termos de certo ou errado.
(Neo e Morpheus, The Matrix)
- Alguns acham que não tínhamos a linguagem
de programação para descrever o seu mundo perfeito.(Agente Smith, The Matrix)
- É que
eu nunca tinha...
-
Ouvido um programa falar de amor?
- É uma
emoção humana.
- Não,
é uma palavra. O que importa é a conexão que a palavra implica.
[...]
- Você
acredita em Karma? Karma é uma palavra, como o amor. Uma maneira de dizer “o
que vim fazer aqui”. Eu não me sinto mal com o meu Karma. Sou grato por ele.
Grato por minha maravilhosa esposa e pela minha filha linda. (Rama-Kandra e Neo,
Matrix Revolutions)
18. “Duvido que eu ainda reconheça
meu rosto no espelho, mas... ainda adoro doces.”
Esse
tópico já teve uma pequena introdução ao longo do texto, portanto não serei
extensa. Aqui gostaria de falar de um pequeno trecho que gosto mundo em Sobre a
Verdade e a Mentira, de F. Nietzsche e que sempre que vejo essa cena me lembro
dessa passagem: “Se pudesse sair apenas por
um instante das redomas aprisionadoras dessa crença, então sua
“autoconsciência” desapareceria de imediato.” (Nietzsche, Sobre a Verdade e
a Mentira, P.62) Essa passagem fala de um aspecto muito sutil que pode ser
encontrado nos três filmes. O que é preciso entender é o seguinte: Imagine-se
vivendo em um mundo de sonhos. Seu nascimento, seu crescimento, sua infância. O
bolo que sua mãe faz. Sua paixonite pela professorinha de português. Seus
romances. Suas decepções. A pizza que você tanto gosta. A faculdade que você
fez. As inúmeras vezes que você se viu no espelho. Enfim. Imagine agora que
absolutamente todas as suas memórias são falsas. Todas elas. Inclusive as mais
fortemente dolorosas. Nada existiu. O nosso “céu conceitual” – tomando de
empréstimo aqui Nietzsche – caísse por completo. Aquele amor que tanto te
abala. Tudo é mentira. Ilusão. Sonho. Um dos aspectos que a obra muito discretamente
trata é justamente dessa despersonalização
que sofrem aqueles libertos da Matrix. Aqueles que ousam mudar seus conceitos.
Aqueles que vão contra. Um dos aspectos já falados é a roupa preta utilizada
dentro da Matrix, não irei falar novamente. O outro, também sutil, está na
imagem do Oráculo. Que, apesar de ser um programa de computador, estuda a
psiquê humana e assim se envolve, aprimora suas pesquisas, toma decisões, que
são castigadas. Ora, o oráculo é um programa, não pode ser morto, nem exilado,
pois é uma das fundadoras da Matrix. O que lhe resta? A descaracterização do
seu rosto. Utilizei a passagem da fala do Oráculo no terceiro filme como título
ao tópico para falar sobre esse tema. Outro também ressalto, na The Matrix, e
que já inicia a discussão.
-Deus!
- O
que?
- Eu
comia ali. Macarrão muito bom. Tenho essas lembranças da minha vida. Nenhuma
delas aconteceu. O que isso significa?
- Que a
Matrix não pode te dizer que você é.
(Trinity e Neo, The Matrix)
19. “Ilusões,
Sr. Anderson. Divagações da percepção. Construções temporárias de um frívolo
intelecto humano tentando justificar uma existência sem sentido ou propósito!”
A
passagem acima é uma fala do Agente Smith sobre os humanos. Já comentei acima
que esse personagem é um dos mais importantes para entendermos o que é o
humano. Nos remete ao texto inicial de Sobre a Verdade e a Mentira de Nietzsche
e achei interessante ressaltar aqui.
Em
algum remoto recanto do universo, que se deságua fulgurantemente em inumeráveis
sistemas solares, havia uma vez um astro, no qual animais astuciosos inventaram
o conhecimento. Foi o minuto mais audacioso e hipócrita da “história
universal”: mas, no fim das contas, foi apenas um minuto. Após alguns respiros
da natureza, o astro congelou-se, e os astuciosos animais tiveram que morrer.
(Nietzsche, Sobre a Verdade e a Mentira, p.25)
Nossa
solidão cósmica e a necessidade de nos encontrarmos no mundo. Essa é uma
ligação entre as duas passagens, que não poderia ter deixado de falar.
20. CONCLUSÃO
Imagino
que o extenso trabalho tenha deixado o leitor zonzo. Peço desculpas, mas é
realmente epifânico fazer esse ensaio sobre a trilogia Matrix, não poderia ser
menor do que foi, ainda que faltem discussões dentro desse trabalho, mas que
permitiam uma análise mais demorada. A que conclusão chegamos? A trilogia
Matrix não é uma mera produção cinematográfica hollywoodiana – apesar de, é
claro, ter como propósito o grande público, reconheço que muitas cenas da
trilogia foram feitas com intuitos meramente comerciais – mas esse filme faz
muitas referências a filosofia. Esse ensaio é propriamente voltado para a
filosofia pós-Nietzsche, mas é bem possível encontrar referências a Sócrates,
Platão, Descartes, Kant etc. Para isso seria necessário outro ensaio. Procurei
mostrar nas linhas acima que a filosofia iniciada em Matrix, em 1999, na
verdade só se conclui em 2003, com o lançamento de Matrix Reloaded e Matrix
Revolutions. Por quê? Bem, a alegoria da Caverna de Platão, que chamei aqui de
Alegoria do Sonho, é uma alegoria propriamente do primeiro filme. É comum
encontrarmos a nova geração de alunos que – acredito bem mais da metade – tenha
estudado o Idealismo platonista no colégio e feito um trabalho sobre o primeiro
filme da trilogia. Que The Matrix é um clássico filosófico e cinematográfico,
não há duvida. Mas o desafio está em mostrar que as discussões e alegorias
paralelas surgidas em 1999 são completadas pelos filmes seqüenciais. É comum
nos levarmos pelas cenas de ação e acreditarmos que as seqüências são meramente
jogadas comerciais (sim, repito, também o são, como qualquer filme...). Enfim,
acredito que pude demonstrar que a filosofia de Nietzsche e Benjamin são
possíveis de ser interpretadas nos diálogos e cenas de Matrix. Não apenas isso,
mas no seu segredo de produção, na sua configuração de storyboard, na montagem
das cenas, na escolha dos atores, etc. Gostaria que, finalizando, esse trabalho
levantasse mais discussões acerca da filosofia, a trilogia é uma ferramenta
potente para compreender o pensamento do nosso mundo contemporâneo e desejaria
que a ligação entre filosofia e cinema não parasse na trilogia. Acredito que
consegui demonstrar que para ser um filme filosófico não precisa ser um filme
europeu de 4h de duração que tudo que faz é nos fazer dormir. Mas é possível
discutir filosofia de uma forma prazerosa. Planto a minha fé pelos filmes
vindouros que consigam agregar esse pensamento. Matrix foi apenas um pioneiro,
mas acredito que lançou as bases para um novo estilo de cinema e filosofia.
21. Bibliografia
BENJAMIN, Walter. Magia e
técnica, arte e política : ensaios sobre literatura e historia da cultura .
3.ed. -. São Paulo: Brasiliense, 1987. 253 p.
__________. Textos
escolhidos. São Paulo: Abril Cultural, 1975. 333 p.
BLOCH, Marc Leopold Benjamin. Apologia da
historia, ou, O oficio de historiador. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2001. 159
p.
CHARTIER, Roger. A historia ou a leitura
do tempo. Belo Horizonte: Autentica, 2009. 77 p.
GAGNEBIN, Jeanne Marie.
Lembra, escrever, esquecer. São Paulo: Editora 34, 2006. 220p.
GIBSON, William.
Neuromancer. São Paulo, Aleph. 1991. 304p.
IRWIN, William. Matrix: Bem-vindo ao deserto do
real. Ed. Madras. 2003. 296p.
NIETZSCHE,
Friedrich Wilhelm. A genealogia da moral. São Paulo: Moraes, [198-].
113p.
__________. Escritos
sobre a história Friedrich Nietzsche ; tradução, apresentação e notas:
Noéli Correia de Melo Sobrinho . Rio de Janeiro: Ed. PUC - Rio; São Paulo:
Loyola, 2005. 360 p.
__________. Sobre a Verdade e a Mentira no sentido
extra-moral. In: Obras
Incompletas. São Paulo, Abril Cultural, Col. “Os Pensadores”, 1978.
__________. Além do bem e do mal:
prelúdio à uma filosofia do futuro. Tradução de Paulo César de Souza. São
Paulo: Companhia das Letras, 1992.
PLATÃO. A República. São
Paulo: Nova Cultural, 2000. 352 págs.
Understanding the Matrix. Disponível
em: < www.thematrix101.com/
> Acesso em 29 de junho de 2011.
WACHOWSKI, Andy. WACHOWSKI, Larry. As Crônicas do Homem Forte.
Warner Bros. USA : 2003. DVD, Cor. 4h aprox.
__________. As
Raízes de Matrix. Warner Bros. USA :
2003. DVD, Cor. 3h aprox.
__________. Os Arquivos de Zion. Warner Bros. USA :
2003. DVD, Cor. 2h aprox.
__________. The Animatrix. Warner Bros. USA : 2003.
DVD, Cor. 1h45min aprox.
__________. The Matrix Comics. Volume 1. São Paulo:
PaniniBooks, 2009. 162p.
__________. The
Matrix Reloaded. Warner Bros. USA : 2003. DVD, Cor. 2h aprox.
__________. The
Matrix Revolutions. Warner Bros. USA :
2003. DVD, Cor. 2hmin aprox.
__________. The
Matrix. Warner Bros. USA : 1999.
DVD, Cor. 2h10min aprox.
__________. The
Matrix: ScreenPlay (Plot Movie). Encontrado em: http://www.screenplay.com/downloads/scripts/The%20Matrix.pdf.
Acesso em 14 de janeiro de 2013.
YEFFETH,
Glenn. A Pílula Vermelha: questões
de ciência, filosofia e religião em Matrix. São Paulo :
Publifolha, 2003. 286p.
ZAIDAN
FILHO, Michel. A crise da razão histórica. Campinas: Papirus, 1989. 87
p.
[1] Graduada em História
pela Universidade Federal de Pernambuco. flaviabrunabraga@gmail.com / UFPE
[2] Neuromancer é um livro de ficção científica que introduzia novos conceitos
para a época, como inteligências artificiais avançadas e um cyberespaço quase
que “físico”, conceitos que mais tarde foram explorados pela trilogia Matrix.
[3]
Do título em inglês “Bound”, lançado em 1996.
[4] BENJAMIN, Walter.Textos
escolhidos. São Paulo: Abril Cultural, 1975.
[5] Geralmente esse personagem não é
conhecido pelos espectadores. Trata-se do árabe que recebe Neo na Estação de
Metrô atemporal do Trainman, pai da pequena Sati.
[6] NIETZSCHE,
Friedrich Wilhelm. A genealogia da moral. São Paulo: Moraes, [198-].
113p.
[7] BENJAMIN, Walter.Textos
escolhidos. São Paulo: Abril Cultural, 1975.
[8] Também temos uma referência na fala
de Cypher ao Mágico de Oz – “Segure o cinto Dorothy, porque Kansas está prestes
a voar” quando Neo está sendo desconectado da Matrix.
[9] NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Escritos sobre a
história Friedrich
Nietzsche ; tradução, apresentação e notas: Noéli Correia de Melo Sobrinho .
Rio de Janeiro: Ed. PUC - Rio; São Paulo: Loyola, 2005. 360 p.
[10] Depois de ver e rever a trilogia
algumas centenas de vezes, você percebe que a história da Matrix não se trata
de Neo ou Morpheus. Mas entre uma disputa entre o racional e o emotivo, entre o
destino e o livre-arbítrio, entre o inevitável e a fé, entre o Arquiteto e o
Oráculo.
[11] WACHOWSKI, Andy. WACHOWSKI, Larry. The
Matrix: ScreenPlay (Plot Movie). Encontrado em: http://www.screenplay.com/downloads/scripts/The%20Matrix.pdf.
Acesso em 14 de janeiro de 2013.
[12]
Gostaria de abrir esse espaço para problematizar esta palavra “deserto”
posta na frase. Observe que o terreno do real está inabitado. A verdade,
percebemos, existe para poucos. Uma simples palavra que diz muito.
[13] Observe que quem mais se refere a
alegoria dos sonhos é o personagem que tem o nome de Deus do Sonho.
[14] Essa passagem é uma clara referência
a alegoria de Platão.
[15] O que não deixa de ser relacionado
logo após com a referência de “Conhece-te a ti mesmo” de Sócrates, sobre a
porta da cozinha do Oráculo. Ou seja, para transformar o mundo, temos de
transformar a nós mesmos.
[16] Observe uma coisa. Quem já viu toda a
trilogia e o desenho de Animatrix, perceberá que os humanos que são libertados
da Matrix geralmente são solteiros ou crianças. Justamente porque a idéia de
que um casamento com filhos como ilusão é demais para a mente de um ser humano.
Neo era solteiro, lembremos, assim como Trinity. Assim como o detetive de
Animatrix salvo por Trinity, ou o Garoto de Matrix Reloaded e Animatrix.
[17] Vale lembrar que a trilogia não faz
uma apologia ao cristianismo. Na verdade ele se utiliza da fé cristã para fazer
o filme, mas não quer dizer que seja crítico. Algumas igrejas evangélicas taxam
Matrix como um filme anti-cristão. Como você pode ver em: http://kedsonni.blogspot.com/2009/01/anlise-de-filmes-anti-jesus-cristo-2.html
(Assembléia de Deus)
[18] Perceba que a alegoria cristã,
diferentemente da alegoria do sonho, só se completa no fim do ultimo filme.
Como não é uma alegoria evidente, leva muitas pessoas a acreditarem que os dois
seguintes filmes não têm discussão filosófica.
[19] Essa passagem é a que mais causa
problemas com a Igreja. É uma passagem que remete a alegoria cristã e
demonstraria um posicionamento dos autores diante da visão da Profecia de Jesus
Cristo. Mas, como é uma linguagem alegoria, pode significar qualquer coisa.
Difícil analisar definitivamente.