SIGA O COELHO BRANCO: DA FILOSOFIA À HISTÓRIA DO CINEMA, ASPECTOS INTROSPECTIVOS, RELIGIOSOS E SOCIAIS NA TRILOGIA MATRIX



Flávia Bruna Ribeiro da Silva Braga[1]

RESUMO: A partir das leituras filosóficas de Friedrich Nietzsche e Walter Benjamin e das análises interpretativas de William Irwin e Glenn Yeffeth sobre a trilogia Matrix, esse artigo propõe a releitura da obra a luz da História, da filosofia, do cinema e das análises sociais. Tendo como base o material produzido pelos irmãos Wachowski entre 1999 e 2009, temos como propósito discutir de forma didática, como a trilogia se enquadra nas discussões filosóficas da Teoria da Historia.

PALAVRAS-CHAVE: Matrix; Cinema; Filosofia; História

INTRODUÇÃO

 “Infelizmente, ninguém pode dizer o que é a Matrix, você tem de ver por si mesmo.” (Morpheus, The Matrix)

Em 1984, William Gibson lançava seu romance cyberpunk chamado Neuromancer[2], que instigaria os irmãos Wachowski a construir a ilusão da Matrix. Em 1999, Morpheus invadia as salas de cinemas ao redor do mundo com seu discurso sobre a realidade. A frase que intitula a apresentação desse ensaio tem um propósito. Esse estudo é feito para quem assistiu a trilogia Matrix. Mas não necessariamente para quem a estudou. Definitivamente, Matrix, produzido pelos irmãos Andy e Larry Wachowski em 1999, inicia uma nova geração do cinema. Não apenas no sentido da revolução técnica com seu singelo orçamento de 65 milhões de dólares que revolucionou as cenas cinematográficas, mas em aliar qualidade produtiva com diálogos filosóficos inteligentes. Os autores mergulharam profundamente no conhecimento humano, buscaram ajuda de filósofos, historiadores, críticos e produziram o filme dentro de um vôo aéreo (Não, isso não é uma ironia!). Desconhecidos, sabiam que não teriam espaço no meio hollywoodiano: o jeito foi fazer currículo. São autores do filme “Ligadas pelo Desejo”[3] que discutiria no fim do século XX a questão do amor homossexual. Provaram seu sucesso e puderam por em prática seu objetivo primeiro: construir a Matrix. Não seria fácil. O dinheiro era curto. Cadeiras usadas de consultórios de dentistas seriam usadas como cenário para os hogares. Quem faria Neo? Keanu Reeves surgiu como um ator que abriu mão de muito, além de sérios problemas físicos, para exercer o papel. Assim como Carrie-Ann Moss, que haveria de quebrar alguns ossos. Mas um sentimento era geral: valeria à pena. Talvez não imaginassem os irmãos que Matrix se tornaria um clássico sem precedentes e que seria usado por vários filósofos posteriores para a discussão do pensar. Desde 1999 muitos ensaios, livros, teses, documentários foram lançados com o intuito de explicar filosoficamente o filme original. Não é difícil achar quem tenha sua própria teoria, sua própria interpretação. Empresto de Benjamin[4] o que irei dizer: É preciso ser mágico, alegórico, para fazer esse ensaio. As referências filosóficas em Matrix não são sempre claras. Não é difícil achar quem tenha sua opinião sobre a Matrix. Alguns se revezam entre “Nossa, quanta mentira num filme só!” até “Melhor filme que já vi em toda minha vida.”. Comumente se afirma que o único filme realmente filosófico é o primeiro, lançado em 1999. E, através das teorias de Platão, Sócrates, Proust, Nietzsche e Benjamin argumentar que a filosofia iniciada em 1999 tem seu ciclo completado apenas em novembro de 2003, com Matrix Revolutions. Esse e os próximos tópicos são intitulados com frases retiradas da trilogia que permitem iniciar as discussões. Desejo abordar a obra de uma forma temática e não cronológica, já que, vamos perceber, os filmes fazem referência entre si, a ponto de, em momentos, o terceiro filme explicar o primeiro e assim sucessivamente.

1.    “É a pergunta que nos impulsiona, Neo. Foi a pergunta que te trouxe aqui.”


Como podemos resumir o que é a Matrix e o enredo necessário para a compreensão desse ensaio? Matrix é um programa de computador, criado pelas máquinas, que recria perfeitamente o mundo real dos humanos. O seu intuito é utilizar-se da energia corporal dos seres humanos como forma de gerador elétrico para as máquinas. Os humanos são assim inseridos na Matrix, onde a ilusão de suas vidas gera energia. Muitos não se dão conta dessa ilusão e seguem com a vida ilusória por toda a vida a ponto de defenderem o sistema que acredita ser real. Em 2003 - através da animação Animatrix, Segundo Renascer partes I e II - conhecemos a origem da Matrix. Os seres humanos estavam, no fim do século, entusiasmados com a criação da Inteligência Artificial, felizes consigo próprios pela supremacia da mente humana. Essas máquinas logo passaram a agir por si próprias, de forma que em pouco tempo criaram moral, consciência e costumes próprios, que iam de encontro ao pensamento humano. Máquinas conscientes buscam sua autonomia frente à escravidão e também pelos mesmos direitos legais e sociais. Para que cessasse a proliferação das máquinas, os humanos queimam o céu, por acreditarem que a energia solar era necessária apenas para as máquinas. Ledo engano, os humanos cavam a própria cova.
A Matrix é assim surgida para que os humanos produzam energia que outrora era solar. Na sua primeira versão, criada perfeitamente de acordo com o Paraíso bíblico, safras inteiras de seres humanos morreram. Um programa de computador, O Oráculo, foi criado para investigar a psique humana, para que a Matrix perfeita fosse criada. A nova Matrix é criada tal qual o mundo humano. Com desgraças, doenças, guerra, esperança e amor. Dessa nova Matrix é criado um programa de computador. Neo, ou O Escolhido. Inconscientemente, esse programa deve lutar pela contínua manutenção da esperança humana, guiado pelo programa investigador da psique humana, O Oráculo e encontrado e treinado pelo seu messias, Morfeu. O filme se passa então com a 6ª versão de Neo, aprimorado pelo amor romântico por Trinity. Neo é um homem comum que vive na Matrix, mas que desde pequeno percebe o mundo estranho, as imperfeições e sabe que alguma coisa está errada com o universo. Passa a buscar pelas respostas e encontra o nome do maior criminoso existente: Morfeu. Este por sua vez é um crente. Acredita na profecia do programa O Oráculo e busca sua vida inteira pela 6ª versão de Neo, acreditando ser ele um Salvador. Tem ao seu lado uma tripulação que o segue como messias e que invade a Matrix para libertar mentes. A trilogia gira em torno da vida de Neo e na sua busca desesperada pela liberdade humana contra a ilusão das máquinas. Encontrará respostas nem sempre tão excitantes. Tudo não passa de controle. A esperança não passa de controle. A pseudo-liberdade não passa de controle. Neo não passa de um aprimoramento do sistema da Matrix. Dentro desse meio tempo encontramos programas que contrariam a própria Matrix. Programas que não aceitam seu destino e que lutam pelas mesmas esperanças humanas: liberdade, poder. O Agente Smith aparece assim como o programa corrupto. Rama-Kandra[5] aparece como programa que pode amar mulher e filha. A trilogia passa, portanto, pelas questões da própria existência humana, da sua relação com os seres a-historicos, da linguagem, do pensamento, das sensações. Não cabe aqui contar todo o enredo, não é nosso propósito, e como dissemos na apresentação, esse ensaio é feito para quem já assistiu a trilogia. Tendo apresentado as questões acima, podemos analisar algumas cenas.

2.    “De que adianta um telefonema... se você não consegue falar?”


Gostaria de iniciar a análise da trilogia a partir de um ponto básico que permeia toda a obra e que não fica exatamente claro à medida que assistimos. Matrix é uma discussão filosófica sobre o destino e o livre-arbítrio. Até que ponto as escolhas de Neo são verdadeiramente feitas por ele e não pelo sistema de controle da Matrix? Até que ponto a Resistência tem como caráter as idéias de uma pessoa e não é obra de um supra-sistema? No fim da Trilogia, em Matrix Revolutions, descobrimos que o filme demonstra a existência das duas questões na vida humana. Neo continuou com seu papel de Salvador, na verdade, a 6ª versão de um Salvador, continuou, perpetuou, o que os seus predecessores fizeram, ou seja, salvar a espécie humana e permear o sentimento de esperança, para que a Matrix continue imperando.  Mas, ao mesmo tempo, modificou no como a espécie foi salva.  Os 5 predecessores de Neo salvaram a humanidade ao escolher 23 indivíduos dentre os existentes no mundo real para reerguer Zion, a última cidade humana. Mas o 6º Neo, não. Através de um acordo com o Arquiteto, em que Neo deteria um programa rebelde (Agente Smith) em troco de uma paz periódica. Enfim, mas o que tudo isso tem haver com a filosofia? A discussão acerca do destino e do livre-arbítrio está presente desde o surgimento da filosofia. Essa discussão será mais acirrada quando o cristianismo se mesclar as discussões filosóficas e a presença de Deus na escolha dos homens será não apenas uma questão de fé, mas, também, uma questão racional. Um pouco mais próximo de nós, Nietzsche[6], irá discutir sobre a atitude humana e a cultura cristã que reprime e inverte as ações humanas, tornando o forte, fraco.  Mas é na idéia de que a nossa vida é uma sucessão de fatos não conectados, de eventos sem ligação, de coincidências e decisões independentes que utilizaremos a filosofia de Nietzsche para entender essa questão de destino e do livre-arbítrio. Oras, se para Nietzsche a História é marcada por uma confusão de fatos desconexos, a Matrix seria a contraposição desse pensamento. Neo é a 6ª versão de uma história que se repete. Que foi montada, detalhe a detalhe, para que se repetisse. Por que as decisões do 6º Salvador trás conseqüências diferentes?
Somente se a terra recomeçasse sempre a mesma peça depois do final do quinto ato, se fosse estabelecido que a mesma conjunção de motivos, o mesmo deus ex machina, a mesma catástrofe retornassem em intervalos regulares, somente assim é que o homem poderoso poderia desejar que a história monumental desse prova de uma fidelidade icônica absoluta [...] jamais uma mesma combinação poderia sair novamente do jogo de dados do futuro e do acaso (NIETZSCHE, II consideração Intempestiva, p.86-87)
Com essa passagem gostaria de expor uma mímesis que creio poder existir entre o historiador e o personagem do Arquiteto. Seríamos nós, lá no fundo, esse historiador monumental, que deseja que o passado se repita tal qual foi, em sua veneração, tal como o Arquiteto, na Matrix, deseja que a História da Resistência continue com as mesmas configurações? E se nós remontássemos, restituíssemos cada canteiro da História, seria possível que ela repetisse? Assim como espera o Arquiteto que o Salvador o faça? O título desse tópico está presente na cena de discussão entre Thomas A. Anderson (Neo) e o Agente Smith, ainda no começo do primeiro filme. O diálogo em si não trás muita ajuda para a discussão sobre o destino e o livre-arbítrio. Mas gostaria de trazer a cena do interrogatório, no momento em que Neo tem sua boca grudada. Nessa cena, podemos ver que Neo está literalmente mudo, impossibilitado de falar o que quisesse. É uma interpretação, apenas. Mas que veremos ao longo da trilogia que essa volta à mudez dos personagens, de diferentes formas, será mimetizada. Também é possível associar a essas cenas a idéia de História fragmentária de Walter Benjamin[7], a junção desses acontecimentos, esses fragmentos, únicos possíveis, que de alguma forma montam o cenário. A cena abaixo demonstra no primeiro filme a existência dessa discussão que será levada até o fim do terceiro filme. Irei destacar algumas cenas que acredito serem importantes para a discussão sobre o destino e o livre-arbítrio.
- Você acredita em destino, Neo?
- Não.
- Por que não?
- Não gosto de pensar que não controlo a minha vida.
- Sei exatamente o que quer dizer.
(Diálogo entre Morpheus e Neo, The Matrix)
- Sua Alma é boa. E odeio dar más notícias a pessoas boas. Mas não se preocupe. Assim que você passar por aquela porta, vai começar a se sentir melhor. Vai lembrar que não acredita nesse papo-furado de destino. Você controla a sua própria vida, lembra?
(O Oráculo, The Matrix)
- Quer bala?
- Você já sabe se vou aceitar?
- Que Oráculo seria, se não soubesse?
- Mas, se você já sabe, como posso fazer uma escolha?
(Diálogo entre Neo e O Oráculo, Matrix Reloaded)

- Só existe uma constante, uma regra universal. É a única verdade real: causalidade. Ação e reação. Causa e efeito.
- Tudo começa com escolha.
- Não. Errado. Escolha é uma ilusão criada entre os que têm poder e os que não têm.
(Diálogo Morpheus e Merovíngio, Matrix Reloaded)

- Talvez tenhamos feito algo errado.
- Ou deixado de fazer algo.
- Não. Tudo foi como devia ser.
(Diálogo entre Morpheus, Trinity e Neo, Matrix Reloaded)

- Fazemos apenas aquilo que está em nosso destino. (O Chaveiro, Matrix Reloaded)
- Quando vejo três objetivos, três capitães, três naves, não vejo uma coincidência, vejo a Providência. Vejo um propósito. Acredito que nossa sorte seja estar aqui. É nosso destino. Acredito que esta noite representa, para cada um de nós o próprio sentido da vida. (Morpheus, Matrix Reloaded)
- A solução que ela achou fazia 99% das cobaias aceitarem o programa contanto que tivessem escolha, ainda que só percebendo essa escolha no nível subconsciente. (O Arquiteto, Matrix Reloaded)
- Suponho que você esperava por mim, certo? O Oráculo “sabe tudo” nunca se surpreende. Como poderia? Ela prevê tudo. Se é verdade, por que ela está aqui se sabia que eu viria? Por que não fugiu? Talvez soubesse que ia fazer isso, talvez não. Se sabia, significa que fez os biscoitos e deixou aqui, deliberadamente, de propósito. E significa que você também está sentada aí, deliberadamente, de propósito. (Agente Smith, Matrix Revolutions)
O que gostaria de ressaltar sobre os trechos acima é sobre essa discussão que encontramos em Nietzsche acerca dos fatos. São eles aleatórios, fragmentados, confusos? Ou há uma ordem universal que comanda os acontecimentos, porque tinham que acontecer? Nessa análise, percebemos que o personagem de Morpheus foi deliberadamente escolhido pelos escritores para personificar a crença na ordem universal, no destino. Neo, pelo que percebo, somos nós diante das duvidas da escolha.

3.    “Eu imagino... que você esteja se sentindo um pouco como a Alice. Entrando pela toca do coelho.”


Outro ponto interessante a ser ressaltado na trilogia é a questão da mímesis. Matrix é uma obra cinematografia que está repleta de mímesis, referências à História, à psicologia. A linguagem utilizada em Matrix é uma linguagem de semelhanças. Muitas das interpretações do filme são baseadas nas diversas formas diferentes de interpretar as cenas que não dizem diretamente o que querem dizer. Mas utilizam-se dos conhecimentos do espectador para ter a sua significância. Podemos assistir toda da trilogia sem termos lido uma única linha de Platão. Continuará sendo um bom filme. Mas para o espectador que conhece a teoria platoniana, aguça o espírito ao perceber as referências.  Nesse tópico em específico falarei das mímesis utilizadas pontualmente pela trilogia. A discussão acerca da mímesis me obriga também a falar da presença alegórica dentro do filme. Identifico três alegorias possíveis de interpretação na obra, que explicarei mais detalhadamente nos próximos tópicos, por acreditar merecerem um debruçamento maior. Neste exporei relações de mímesis, direta e indireta, que encontro no filme. Para esse tópico gostaria de trazer as idéias de Walter Benjamin acerca da mímesis e sua teoria das semelhanças.
O conhecimento das esferas do “semelhante” é de importância fundamental para o entendimento de vastos domínios do saber oculto. Contudo, um tal conhecimento obtém-se não tanto pela constatação das semelhanças encontradas, mas pela reprodução de processos que originam essas semelhanças. A natureza produz semelhanças, basta pensarmos no mimetismo. É no entanto o homem que possui a mais elevada capacidade de produzir semelhanças. (Walter Benjamin, Teoria das Semelhanças, p.59)
É com a idéia da semelhança, exposta por Benjamin, que tomo liberdade para encontrar as mímesis existentes na trilogia.
Primeiramente, vamos observar os nomes escolhidos.
·                    Zion (Sião) – Ultima cidade humana que resiste às máquinas e à Matrix. No cristianismo designava a Terra Prometida primitivamente. E passou a ser associada ao ultimo reduto humano após o Armagedon.
·                    Neo – Anagrama de ONE, que em inglês quer dizer, Um ou Escolhido. Também se utiliza o termo para designar Jesus Cristo, em inglês.
·                    Morpheus – Deus grego do sonho. É o personagem que ajudará Neo a descobrir a verdade e a acordar da Matrix.
·                    Trinity – Significa Trindade em português, termo utilizado para Deus, Jesus e Espírito Santo pelos cristãos. É a personagem que irá trazer o equilíbrio para Neo e aquela que será vista como a “diferenciação” entre o 6º Neo e os seus antecessores, que não tinham a Trindade ao seu lado.
·                    O Oráculo – seres humanos utilizados na Grécia Antiga para fazer predições do futuro através de um transe com o divino. Personagem no filme que guia Morpheus e Neo, assim como a humanidade resistente, com seus conselhos.
·                    Nabucodonosor – Antigo imperador caldeu, que escravizou os hebreus na Babilônia. No filme é o nome dado a hovercraft que leva a tripulação rebelde pelos caminhos “aprisionados” pela presença das máquinas.
·                    Trainman – Personagem que aparece em Matrix Revolutions, personificação do universo atemporal e a-espacial, é visto como passagem. Estação de metrô. Onde o presente e futuro transitam.
Agora vejamos as cores utilizadas no filme.
·                    Verde – É o tom predominante do lado de “dentro” da Matrix. Na psicologia humana é a cor utilizada para designar o passado, ou seja, o ano de 1999.
·                    Azul – É o tom predominante do lado de “fora” da Matrix. Na psicologia humana é a cor utilizada para designar o futuro, ou seja, o ano de 2199.
·                    Preto – Cor utilizada para as roupas e os óculos. Muitas pessoas se questionam porque os personagens utilizam cores tão escuras. Bem, não é apenas porque fica cool, explicarei. Os seres humanos que viviam na Matrix e foram despertados para o mundo real, acabaram perdendo suas memórias e toda a cultura que explicava seu “eu” interior, que se reflete no exterior, a cor preta é utilizada – observe bem – apenas dentro da matrix, o que mostra uma mímesis da destruição da identidade de da consciência pessoal. O humano desconectado que volta a Matrix perde sua identidade, sua “auto-imagem residual”, torna-se impessoal. Para isso servem as roupas pretas. Observar que personagens como Perséphone, O Oráculo, Sati, o Chaveiro, que são programas feitos pela Matrix, não usam preto.

O filme, de uma maneira geral, apresenta um encadeamento de mímesis. Mímesis dentro de mímisis, mímesis da mímesis, enfim.  O título desse tópico é uma passagem da conversa entre Morpheus e Neo, talvez a passagem do filme mais marcante de toda a trilogia. É a cena em que Morpheus vai tentar explicar a Neo o que é a matrix, e para isso se utiliza de diversas mímesis, pois não há conceito para Matrix, apenas semelhanças. A semelhança entre uma pílula e a Liberdade/Verdade é uma das metáforas mais bem elaboradas para materializar com sentimento.
- Se tomar a pílula azul a história acaba e você acordará na sua cama acreditando no que quiser acreditar. Se tomar a pílula vermelha ficará no País das Maravilhas e eu te mostrarei até onde vai a toca do coelho.
(Morpheus, The Matrix)
Interessante passagem, pois ela utiliza-se da mímesis entre a situação de Neo e o conto de fadas Alice no País das Maravilhas para explicar outra mímesis, a da Pílula-Verdade.[8] Essa passagem também pode ser interpretada na teoria de Nietzsche a luz de que o esquecimento, para esse autor, e assim a a-historicidade, pode ser um caminho para a felicidade[9]. Ao tomar a pílula azul o esquecimento me garante tranqüilidade. Outra cena também muito interessante, e que mescla essa capacidade de encontrar semelhanças entre um sentimento, um estado e uma representação material, está na cena em que Neo desperta do sonho da Matrix, no mundo real. Observe que Neo encontra-se num casulo, num útero, em que o despertar representa seu nascimento. Outra mímesis existente no filme é a presença do telefone. O Telefone, dentro da Matrix, é encarado como um portal de libertação do sonho. Aqueles que não atendem “a chamada” estão presos no mundo dos sonhos e dele não pode sair. É uma relação liberdade-telefone. Um pequeno trecho que também é uma semelhança é a que encontramos uma mímesis de si mesmo. Se pensarmos que dentro da Matrix o indivíduo de fato constrói a imagem de si mesmo, identifico essa ação como uma mímesis de si próprio.
- Sua aparência agora é o que chamamos de “auto-imagem residual”. É a projeção mental do seu “eu” digital.
(Morpheus, The Matrix)
Uma das cenas mais marcantes para explicitar a Teoria das Semelhanças de Benjamin dentro do filme é a cena em que Morpheus explica a Neo, em Matrix Original, o que os humanos representam para as máquinas.
- O corpo humano gera mais bioeletricidade do que uma bateria de 120 volts e mais de 25mil BTU’s de calor corpóreo. Combinado com uma espécie de fusão... As máquinas encontraram mais energia do que jamais precisariam. [...] A Matrix é um mundo dos sonhos gerados por computador feito para nos controlar e para transformar o ser humano nisto aqui.
(Morpheus, The Matrix)

Ao longo da trilogia encontramos outras mímesis, outras semelhanças entre a história e o mundo. Nos trechos seguintes:
- Ser o Escolhido é como estar apaixonado. Ninguém pode te dizer se você está. Você simplismente sabe e não tem dúvida. Nenhuma.
(Oráculo, Matrix Original)

[Mímesis no outro]
- Supreso em me ver?
- Não.
- Então tem consciência.
- Do que?
- Da nossa ligação. Não entendo bem como aconteceu. Talvez uma parte de você inserida em mim, algo sobrescrito ou copiado.
(Agente Smith e Neo, Matrix Reloaded)

[Máquinas como mímesis do ser humano]

- Eu amo demais a minha filha. Acho que é a coisa mais bela que já vi. Mas de onde somos isto não importa. Todo programa que é criado tem que ter um propósito, senão é deletado. [...]
- Vejo que está apaixonado. Você pode me contar o que daria para manter essa conexão?
- Qualquer coisa.
- Então talvez a razão pela qual você esteja aqui não seja muito diferente da minha.
(Rama-Kandra e Neo, Matrix Revolutions)

E um penúltimo ponto que gostaria de ressaltar de acordo com a Teoria das Semelhanças que pode ser encontrado em Matrix está nos personagens do Oráculo e do Arquiteto. O primeiro é a “personificação” do desequilíbrio, está aqui mimetizada para agir conscientimente. O Arquiteto, todavida, simboliza o equilíbrio.
- Para ele são variáveis de uma equação. E todas as variáveis devem ser resolvidas e computadas. Esse é o propósito dele. Equilibrar a equação.
- E qual o seu propósito?
- Desequilibrá-la.
(O Oráculo e Neo, Matrix Revolutions)

O ultimo e derradeiro ponto, que gostaria de fechar esse tópico, é a ligação entre o jogo e a alegoria, presente na teoria de Benjamin e sutilmente vista nos ultimos segundos da trilogia.
- Bom dia.
- Muito bem, não é uma supresa?
- Você jogou um jogo muito perigoso...
- A mudança sempre é.
(O Oráculo e O Arquiteto, Matrix Revolutions).[10]

4.    “Você já teve um sonho, Neo, que parecia ser verdadeiro? E se você não conseguisse acordar desse sonho?”


Aquilo que vivemos no sonho, e que nele vivemos repetidas vezes, termina por pertencer à economia global de nossa alma, tanto quanto algo "realmente" vivido (Nietzsche: 1992, p.23)

Já foi afirmado, anteriormente, que existem três alegorias principais que elenco a partir da trilogia. Nesse tópico irei discorrer sobre a primeira e mais conhecida delas, que é a alegoria do sonho.  A Matrix é a alegoria, em forma de sonho, do mundo real. É a alegoria mais evidente, a mais trabalhada em sala de aula, a mais discutida nos livros, a mais comentada entre rodas de amigos. Pois é a que mais livremente se inspira na Republica de Platão, no Simulacro e Simulação de Braudillard e no Neuromancer de Gibon. O filme, em si, ganha conhecimento a partir dessa alegoria. Não poderíamos deixar de falar. Mas antes, gostaria de ressaltar o pensamento de Walter Benjamin para expor o conceito de alegoria.
Enquanto o símbolo atrai para si o homem, a alegoria irrompe das profundidades do Ser, intercepta a intenção em seu caminho descendente, e a abate. [...] Em suas mãos, a coisa se transforma em algo de diferente, através da coisa, o alegorista fala de algo diferente, ela se converte na chave de um saber oculto, e como emblema desse saber ele venera.  Nisso reside o caráter escritural da alegoria. (Benjamin, Alegoria e Drama Barroco, p.205-206)

Como já foi dito, a Matrix é um mundo criado por computadores para imitar o real em forma de sonhos. Essa referência ao despertar, ao acordar do sonho, essa alegorização do descobrir estar dormindo, é a que mais marcadamente irá permear o primeiro filme. É possível interepretarmos de várias formas a trilogia, justamente pelo seu caráter alegórico e, portanto, plurissignificante. Cito abaixo uma passagem muito conhecida da República de Platão para que melhor “encaixemos” as teorias de Benjamin e Platão a respeito da alegoria e como podemos encontrar exemplos na trilogia.
SÓCRATES - Vejamos agora o que aconteceria, se se livrassem a um tempo das cadeias e do erro em que laboravam. Imaginemos um destes cativos desatado, obrigado a levantar-se de repente, a volver a cabeça, a andar, a olhar firmemente para a luz. Não poderia fazer tudo isso sem grande pena; a luz, sobre ser-lhe dolorosa, o deslumbraria, impedindo-lhe de discernir os objetos cuja sombra antes via. Que te parece agora que ele responderia a quem lhe dissesse que até então só havia visto fantasmas, porém que agora, mais perto da realidade e voltado para objetos mais reais, via com mais perfeição? Supõe agora que, apontando-lhe alguém as figuras que lhe desfilavam ante os olhos, o obrigasse a dizer o que eram. Não te parece que, na sua grande confusão, se persuadiria de que o que antes via era mais real e verdadeiro que os objetos ora contemplados? (PLATÃO, A República)

A primeira referência que vemos no primeiro filme é a capa do livro em que Neo esconde programas de computador. Chama-se “Simulacro e Simulação” de Jean Braudillard, que já demonstra uma inclinação do filme para a alegoria. No plot[11] original do filme, temos:

12. Int. Neo's Apartment.
(...) He closes the door. On the floor near his bed is a book, Baudrillard's Simulacra and Simulation. The book has been hollowed out and inside are several computers disks. He takes one, sticks the money in the book and drops it on the floor."
12. No apartamento de Neo
(…) Ele fecha a porta. No chão perto da cama tem um livro, Simulacro e Simulação de Braudillard. O livro é oco e dentro tem discos de computador. Ele tira um, coloca o dinheiro dentro do livro e joga no chão. (Tradução nossa)
Uma das evidências de que Neo já está incomodado com as partes estranhas do sonho da Matrix, é que encontramos na sua primeira cena, Neo dormindo sobre o computador que está pesquisando sobre Morpheus, quem o irá retirar do sonho. Nesta mesma cena já encontramos uma indagação de Neo acerca do real e do sonho
- Você já se sentiu como se não soubesse se está acordado ou se está sonhando?
(Neo, Matrix Original)

E assim seguem as referências a alegoria do sonho:

- Você tem o olhar de um homem que aceita o que vê porque está esperando acordar. Ironicamente, não deixa de ser verdade.
[...]
- Você já teve um sonho, Neo, que parecia ser verdadeiro? E se você não conseguisse acordar desse sonho? Como você saberia a diferença entre o mundo dos sonhos e o mundo real?
[...]
- Este é o mundo que você conhece. O mundo como era no final do século XX. Ele só existe agora como uma parte de simulação neurointerativa que chamamos de Matrix. Você vivia num mundo de sonhos, Neo. Este é o mundo que existe hoje.
- Bem vindo ao deserto[12] do Real.
(Morpheus[13], Matrix Original)

- Por que meus olhos doem?
- Porque você nunca os usou.[14]
(Neo e Morpheus, Matrix Original)

- Se eu tiver de escolher entre isso ou a Matrix, eu escolho a Matrix.
- A Matrix não é real.
- Discordo, Trinity. Eu acho que a Matrix pode ser mais real que este mundo.
(Cypher e Trinity, Matrix Original)

Gostaria de fazer um adendo a essa passagem, já que mostra que conceitos como Real ou Sonho também são relativilizados. Afinal, o que faz o real? Nosso cérebro?
Bem, esse tópico tem que estar presente no ensaio, pois falar de Matrix e não falar da Alegoria do Sonho é defasar muito a filosofia do filme. Mas não me estenderei, por que essa alegoria é muito trabalhada desde que o filme foi lançado, é a mais obvia. O que levam as pessoas a certo preconceito contra os dois filmes seqüenciais, já que a alegoria do sonho é mais própria do despertar de Neo, portanto, do primeiro filme. Essa alegoria será teorizada novamente em Animatrix, no desenho Era Uma Vez Um Garoto mas que não cabe na nossa discussão.

5.    “O que é a Matrix? Controle.”


Outra alegoria, também bastante comentada, é a Alegoria do controle social. A Matrix pode também ser interpretada como o próprio aprisionamento do ser humano a sua sociedade. Aprisionamento cultural, econômico, filosófico. Um homem que não consegue se libertar, se auto-gerir. Essa alegoria não é tão clara quanto a alegoria do sonho, mas é também comentada. Veja bem, a alegoria da sociedade, das regras sociais, não é uma interpretação independente da alegoria dos sonhos. Para falar a verdade, são paralelas. Utilizo novamente o conceito de alegoria de Benjamin para explicar esse tópico e me apoio em um trecho de Nietzsche para compreender a que me refiro como regras sociais:
Aqui deve procurar-se a origem da responsabilidade. Esta tarefa de educar e disciplinar um animal que possa fazer promessa, pressupõe outra tarefa: a de fazer o homem determinado, uniforme, regular, e, por conseguinte, apreciável. O prodigioso trabalho daquilo a que eu chamei moralização dos costumes, o verdadeiro trabalho do homem sobre si mesmo durante o mais longo período da espécie humana, todo o seu trabalho pré-histórico, toma daqui a sua significação e a sua justificação, qualquer que seja o grau de tirania, de crueldade e de estupidez que lhes é própria: unicamente pela moralização dos costumes, pela camisa-de-força social, chegou o homem a ser realmente apreciável. (Nietzsche, Genealogia da Moral, p.65)
Bem, a Matrix é vista aqui como esse elemento não-materializado que impele os seres humanos a agirem contraditoriamente a suas vontades, no entanto acreditando terem uma escolha, quando esta não há. Vejamos alguns trechos que podem mostrar essa possível interpretação da trilogia. A cena mais forte acerca dessa alegoria do controle social é a que Morpheus tenta explicar a Neo o que é a Matrix. Para isso se vale de metáforas de controle.
- A Matrix está em todo lugar. À nossa volta. Mesmo agora, nesta sala. Você pode vê-la quando olha pela janela ou quando liga a sua televisão. Você sente quando vai para o trabalho, quando vai à Igreja, quando paga seus impostos. É o mundo que foi colocado diante dos seus olhos para que você não visse a verdade.
- Que verdade?
- Que você é um escravo, Neo. Como todo mundo, você nasceu num cativeiro, nasceu numa prisão que não consegue sentir ou tocar. Uma prisão para sua mente.
[...]
- Ai eu vi os campos com meus próprios olhos. Eu os vi liquefazer os mortos para que fossem injetados na veia dos vivos. E lá, vendo tal precisão pura e aterrorizante acabei me dando conta da verdade óbvia. O que é a Matrix? Controle.
[...]
- Enquanto a Matrix existir a raça humana nunca será livre.
(Morpheus, The Matrix)
- Gosto de lembrar que esta cidade sobrevive graças a estas máquinas. Elas nos mantêm vivos, enquanto outras estão vindo nos matar. Interessante, não? O poder de dar vida e o poder de tirá-la.
- Temos esse mesmo poder.
- Acho que temos, mas aqui embaixo, penso em todos os que ainda estão conectados à Matrix e, ao ver essas máquinas, sou forçado a pensar que, de certo modo, nós estamos conectados a elas.
- Mas estas não nos controlam.
- Claro que não, como poderiam? A idéia não faz o menor sentido, mas é o caso de perguntar, afinal, o que é controle?
- Se quiséssemos, poderíamos desligar estas máquinas.
- Claro. É isso, você acertou. Isso é controle, não?Se quiséssemos poderíamos fazê-las em pedacinhos. Mas aí teríamos de pensar no que aconteceria com nossas luzes, nosso calor, nosso ar.
(O conselheiro de Zion e Neo, Matrix Reloaded)
Os humanos da Matrix e os fora dela, são uma alegoria de nós? Aqueles que se conformam com o controle e aqueles que lutam contra ele? É uma interpretação. Mas como qualquer alegoria, seu sentido não tem dono.

6.    “Não ligue para esses hipócritas, Neo. Negar os nossos impulsos é negar aquilo que faz de nós humanos.”


Algumas das discussões paralelas que encontramos na trilogia estão na posição do controle sobre as ações humanas. Os libertos da Matrix utilizam o discurso da liberdade para justificar a saída do mundo dos sonhos. No entanto, essa distinção entre real-livre e sonho-prisão é discutida no filme. Afinal, se os humanos traçaram o seu próprio destino ao inventarem máquinas tão inteligentes, e por terem eles próprios arruinado o mundo, não é da natureza humana a destruição? Em que as máquinas diferem da psiquê humana? Qual o limite entre o que faz de nós humanos e o que faz das máquinas robôs? Essa discursão dentro do filme não é assim tão clara. Quem assite o filme pela primeira vez, acredita que é parcial e faz uma apologia ao humano, o coitado, o aprisionado. Mas encontramos dentro da trilogia passagens muito interessantes em que essas idéias não são bem assim. A discussão inicia-se no primeiro filme, que chamo de The Matrix para diferir dos outros, mas só será completado no fim de Matrix Revolutions. Para esse tópico, gostaria de trazer a tona as idéias de Nietzsche, que contrapus diretamente à fala que intitula esse tópico. Essa fala foi dita por Mouse para Neo, no primeiro filme.
Que os cordeiros tenham horror às aves de rapina, compreende-se; mas não é uma razão para querer mal às aves de rapina que arrebatam os cordeirinhos. E se os cordeiros dizem: estas aves de rapina são más, o que for perfeitamente o contrário, o que for parecido com um cordeiro é bom. [...] Exigir à força que se não manifeste como tal, que não seja uma vontade de dominar uma rede de inimigos, de resistência e de combate, é tão insensato como exigir à fraqueza que se manifeste como força. (Nietzsche, Genealogia da Moral, p.51)

O que ressalto dessa passagem como importante para discussão desse tópico é a visão Nietzschana do homem primitivo. O homem que não se curva a idéias de moral ou que não se curva a cultura, mas que exerce sua força como convém à natureza. O personagem que mais diretamente contesta essa delimitação entre homens e máquinas, entre o que faz o humano e o que faz as coisas é o Agente Smith. Não é à toa. O Agente Smith é a máquina que tem vaidade, propósito, desejo de liberdade. Mas sobre ele falarei com mais propriedade num dos tópicos seguintes. Enfim, trago as passagens abaixo da trilogia que fazem referência a essa idéia de Nietzsche.
- A mulher de vestido vermelho. Eu a criei. Ela não fala muito, mas, se você quiser conhecê-la, posso arranjar um encontro à sós.
- O cafetão digital em ação.
- Não ligue para esses hipócritas, Neo. Negar os nossos impulsos é negar aquilo que faz de nós humanos.
(Mouse, Switch e Neo, Matrix Original)
Essa passagem é a que claramente trás a discussão nietzscheana. Essa visão de tomada de poder, de exercer a força sobre o fraco, de buscar o primitivismo humano como forma de ser livre e feliz é propriamente Nietzsche. As passagens, apesar de recorrentes, são sutis. Para falar a verdade a trilogia tem uma alegoria principal, que já havia dito, a Alegoria do Sonho, que de alguma forma torna “nublado” as discussões paralelas ao filme. É preciso rever, rever muito, até que todos os pontos se conectem, que todas as palavras ganhem seu significado, que tudo seja compreendido.
- Eu gostaria de te contar uma revelação que eu tive durante o meu tempo aqui. Ela me ocorreu quando tentei classificar sua espécie e me dei conta de que vocês não são mamíferos. Todos os mamíferos do planeta instintivamente entram em equilíbrio com o meio ambiente. Mas os humanos não. Vocês vão para uma área e se multiplicam até que todos os recursos naturais sejam consumidos. A única forma de sobreviverem é indo para uma outra área. Há um outro organismo neste planeta que segue o mesmo padrão. Você sabe qual é? Um vírus. Os seres humanos são uma doença. Um câncer neste planeta. Vocês são uma praga. E nós somos a cura. (Agente Smith, The Matrix)
Essa passagem é interessante. Primeiro porque introduz o tema que estamos falando. Essa forma de classificar o homem primitivo, destruidor, com vontade de dominação, vontade de poder. O outro aspecto interessante é justamente a visão do que faz o humano diante da máquina. Qual, ou quais, são os aspectos que diferenciam? Perceba que a visão comentada é de um programa de computador, que se auto-intitula “cura”. Essa forma de dizer eu-bom você-mal também será trabalhada por Nietzsche em A Genealogia da Moral.
- Começa tão simples, cada linha do programa criando um novo efeito, como um poema. Primeiro uma onda de calor. Seu coração palpita. Você pode ver, Neo, não é? Ela não entende o porquê. Será o vinho? Não. O que será, então? Qual será a razão? Logo, isso já não importa. Logo o porquê e a razão desaparecem e só o que importa é a sensação em si. Essa é a natureza do universo. Resistimos, lutamos contra ela, mas é um fingimento, claro, uma mentira. Por baixo da nossa aparência posada a verdade é que estamos completamente fora de controle. Causalidade. Não há como escapar dela. Somos seus eternos escravos. (Merovíngio, Matrix Reloaded)
Perceba que esse personagem também é um programa de computador. No filme, não vemos humanos falarem sobre a natureza primitiva de nós mesmos, mas das máquinas. Assim como as máquinas comentam apenas sobre a natureza dos humanos. Uma forma de se definir através do outro. O ser humano na Matrix é traçado, encontra seu eu, sua identidade, em oposição ao opressor: a máquina. Bem nietzscheano, o mau é a maquina, porque a máquina me domina e eu sou escravo. O conceito de mau parte do que não sou. Outra passagem com Merovíngio que continua a idéia da natureza humana
- Dizem que não pode ser tomado. Só pode ser dado.
- O que?
- Os olhos do Oráculo. Eu já disse que não há como escapar da natureza do universo. É essa natureza que importa para mim. Onde alguns vêem coincidência, eu vejo conseqüência.  Onde outros vêem oportunidade, eu vejo preço.
(Merovíngio, Matrix Revolutions)

7.    “Como você fez aquilo? Eu nunca vi ninguém se mover tão rápido!”


Uma concepção importante que claramente mostra uma influência das teses benjaminianas na técnica utilizada nos três filmes é a idéia de Inconsciente Ótico. Matrix melhor do que qualquer filme, aliás, primeiramente do que qualquer filme foi a produção que pôs em evidência o poder ótico da câmera. Nosso horizonte visual, principalmente com o primeiro filme da trilogia, é absurdamente alargado pela presença de cenas literalmente estáticas, que no mundo real levariam menos que um segundo para acontecer. É a revolução da visão, amplificada. Mas, por que Matrix tão magistralmente consegue esse feito que nenhum outro filme havia conseguido? Por duas razões. Primeiro, a trilogia foi primeiramente transformada em arte gráfica, para depois invadir a tela. Não estou falando de um plot, roteiro, adaptado ao cenário, adaptado as roupas, adaptado aos atores. Estou falando de pensamentos dos autores diretamente desenhados sobre telas. As cenas de Matrix são assim desenhadas, medidas, observadas em cada quadrante, antes de se escolherem os atores, o cenário, etc. O que vem depois é enquadrar o mundo real o mundo imaginário dos autores. Segundo, porque as cenas de paralização completa são produzidas em consonância entre a máquina fotográfica e a máquina filmadora. Centenas (literalmente!) de câmeras fotográficas são posicionadas em um circulo fechado, em 360°, de forma que a cena se desenrrole no interior do círculo. Centenas (literalmente!) de fotos são tiradas em uma cena de um segundo. Temos um filme à moda antiga, fotografado. A cena principal é paralizada e o cenário continua a girar. Eis um instrumento das cenas em Matrix que revolucionou a câmera, nossa noção espacial e a nossa visão. A primeira cena do filme, em que Trinity derruba um policial com um chute no ar, é a cena mais comentada em relação a esse inconsciente ótico.  A outra, que é símbolo-mestre da The Matrix, é a cena de Neo desviando das balas.  
Chegou o cinema e fez explodir este mundo de prisões com a dinamite do décimo de segundo, de forma tal que agora viajamos calma e aventurosamente por entre os seus destroços espalhados. Com o grande plano aumenta-se o espaço, com o ralenti o movimento adquire novas dimensões. [...] Diferente, principalmente, porque em vez de um espaço preenchido conscientemente pelo homem, surge um outro preenchido inconscientemente. (Benjamin, A Obra de Arte da Era da sua Reprodutibilidade Técnica, p.104)

8.     “jiu-jítsu? Eu vou aprender jiu-jítsu?”


De uma forma indireta, abrimos esse pequeno espaço para tratar de um conceito Benjaminiano, que é a experiência. Dentro do filme, vemos a aprendizagem dos “despertos” da Matrix através do “download” de programas direto na mente das pessoas. Elas aprendem como lutar, como pilotar, de uma forma que a prática, a aula, não é mais necessária. A frase que trago para intitular esse tópico é falada por Neo no primeiro filme. A aprendizagem é “carregada” em sua cabeça, mas ao mesmo tempo a prática completa do Kung-fu se faz pela experiência com Morpheus dentro do programa de carregamento. É uma simbiose. Tanto o personagem deixa de aprender pela experiência, pelo fato de pular toda a parte de aprendizagem, mas só tem a fixação, o aprimoramento desse aprendizado através da experiência vivida, pelos conselhos de Morpheus, experiente. Abaixo, trago uma passagem de Benjamin para analisarmos as passagens em Matrix.
Pobreza de experiência: não se deve imaginar que os homens aspirem a novas experiências. Não, eles aspiram a libertar-se de toda experiência, aspiram a um mundo em que possam ostentar tão pura e tão claramente sua pobreza externa e interna, que algo de decente possa resultar disso. (Benjamin, Experiência e Pobreza, p.118)
São duas cenas que nos mostram essa relação sobre a falta de experiência no mundo moderno. A primeira é a cena supracitada e a segunda é a cena de Trinity, já no fim do filme, em que ela precisa pilotar um helicóptero. Essas duas cenas nos mostram essa discussão. Pequenas e simples, mas que são metafóricas.
- Este é um programa de sparring, igual à realidade programada da Matrix. Tem as mesmas regras básicas, como a gravidade. Só que essas regras não são diferentes das regras de um sistema de computador. Algumas podem ser distorcidas. Outras podem ser quebradas. Entendeu? Então me acerte se conseguir. [...] Você acredita que ser mais forte ou mais rápido tem algo a ver com os meus músculos neste lugar? Acha que está respirando ar?
(Neo e Morpheus, The Matrix)
- Cedo ou tarde você vai perceber, como eu, que há uma diferença entre conhecer o caminho e percorrer o caminho.
(Morpheus, The Matrix)
- Estou aqui sem medo, porque eu me lembro que estou aqui não por causa do caminho que vou percorrer, mas por causa do caminho que já percorri! Eu lembro que, há cem anos, lutamos com essas máquinas! Eu lembro que, há cem anos, elas mandam exércitos para nos destruir! E depois de um século de guerra, eu lembro a coisa mais importante: ainda estamos aqui!
(Morpheus, Matrix Reloaded)
- Só se conhece realmente alguém depois de lutar com ele.
(Seraph, Matrix Reloaded)
- Não sei o que tentou fazer, mas sei qual é a sensação.
- Qual é?
- Senti-me naquele corredor de novo.
(Neo e Trinity, Matrix Reloaded)
[Observe aqui duas coisas. Essa passagem lembra bastante a experiência da madelaine proustiana. Neo através de uma sensação remonta todo um passado. Segundo, veja que após lutar com o Agente Smith, Neo relembra da ultima cena que ainda era Thomas A. Anderson]
- Um beijo.
- Perdão?
- Quero que me beije como se eu fosse ela.
- Por quê?
- Você a ama. Ela ama você. Está escrito na testa dos dois. Há muito tempo, eu sabia como era isso. Quero lembrar como é. Quero experimentar.
[Observe que nessa cena Neo retira os óculos para beijá-la. Ele se modifica]

9.    “Você precisa livrar-se Neo, do medo... da dúvida e da descrença.”


Uma das passagens muito pertinente em Matrix é a forma de encarar o conceito de liberdade. Particularmente relaciono esse conceito com Nietzsche, nas leituras que fazemos do autor acerca do super-homem, ou além-do-homem. Liberdade essa que se traduz em libertação da mente. Em desfazer-se, desligar-se de tudo aquilo que a sociedade lhe impõe. De uma maneira mais específica, libertar-se do medo, da dúvida, da descrença que as leis da física e as leis cristãs nos impõe a medida que vamos crescendo. Para Nietzsche, o homem liberto é aquele que se desfaz de suas crenças, se liberta de pré-conceitos, desliga-se de tudo que o fez. Assim como Neo, que tem de se desligar de sua consciência, de sua formação, de seus pré-conceitos construídos ao longo de sua vida dentro da Matrix, deve agora formar outra consciência, fora da Matrix, a partir do zero.
- Por que meus olhos doem?
- Porque você nunca os usou.
[...]
- Sei o que está tentando fazer.
- Quero libertar sua mente, Neo. Mas só posso te mostrar a porta. Você tem de atravessá-la. Tank, carregue o programa de salto.
- Você precisa livrar-se, Neo, do mesmo, da dúvida e da descrença.(Morpheus e Neo, The Matrix)
- Eu sinto você agora. Sei que está com medo. Está com medo de nós. Está com medo das mudanças. Eu não vim aqui te dizer como vai começar. Vou desligar este telefone. E vou mostrar a essas pessoas o que não quer que elas vejam. Vou mostrar a elas um mundo sem você. Um mundo sem regras e controle, sem limites e fronteiras. Um mundo onde tudo é possível. Para onde vamos daqui é uma escolha que deixo para você.(Neo, The Matrix)

Sobre ultimo trecho gostaria de comentar algo. Esta ultima cena, Neo é o Escolhido, e já trabalha na “libertação” de mentes dentro da Matrix. Esse telefonema é, provavelmente, uma forma de aproximação que o Escolhido recruta seu rebanho, entre os seres “sensientes” aqueles que percebem estar dentro de um mundo estranho, de sonhos. É uma forma de abordagem em que ele finge ser o espectador de uma dessas pessoas reveladas. Por isso ele diz: Eu vou mostrar a essas pessoas o que não quer que elas vejam, vou mostrar a elas um mundo sem você. Qual é o nosso maior medo de acordar do sonho? É de estarmos sozinhos. É preferível vivermos dentro do sonho, com as pessoas que amamos, com todos que conhecemos, do que encarar a mudança, o medo, a solidão. Tendo explicado isso, seria interessante reler a fala e compreender o que Neo que dizer para libertar as mentes.

10. “Não existe colher”


Buda e Nietzsche. Relação? Matrix. Para quem conhece as teorias de Nietzsche, sabe que a cena em questão, essa que intitula o tópico, é bastante interessante para falarmos da Vontade de Poder. Nietzsche, em sua teoria, afirma que nós, seres humanos, temos uma vontade de dominação sobre o mundo, sobre os outros. Em Buda, essa vontade se dará pelo nome de Thelema, ou Força de Vontade. Assim, as teorias de Buda e Nietzsche se conectam nessa cena, mimetizado pelo pequeno menino Buda, que ensina a Neo como mudar o mundo a seu desejo. Mas que essa mudança deve ser feita de dentro para fora, pois as mudanças, mais importantes acontecem em nosso intelecto.
- Não tente entortar a colher, é impossível. Em vez disso, apenas tente ver a verdade.
- Que verdade?
- A colher não existe.
- A colher não existe?
- Então você verá que não é a colher que entorta. É você mesmo.[15]
(Neo e garoto budista, The Matrix)

Existe também uma passagem em Matrix Reloaded, que percebemos essa luta pela Vontade de Poder, existente no programa de Neo, em que esse programa tenta sempre sobrepor-se a Matrix, tenta vencer, ainda que sempre termine do mesmo jeito.

- Embora funcionasse, havia, obviamente, uma falha fundamental que, quando não controlada, ameaçava o próprio sistema. Então, sem controle, os que recusam o programa, embora em minoria, constituem uma probabilidade crescente de desastre.
(O Arquiteto, Matrix Reloaded)

Podemos, de uma maneira geral, analisar a trilogia como um conjunto de guerras de Vontade de Poder. A que considero ganhadora, nesse caso, é a Matrix. Já que apesar de Neo conseguir promover mudanças e acabar com a guerra, ele é apenas fruto de mudanças no “sistema operacional” adaptando-se a um novo ciclo, a uma Matrix reinventada. Seu corpo, no fim do terceiro filme, ao invés de ser dilacerado pelas maquinas, é cuidadosamente arrastado para ser limpo e recolocado como a 7ª versão do programa. Um ciclo necessário, vicioso.

11. “Após nove anos... sabe o que percebi? A ignorância é maravilhosa.”


No primeiro filme da trilogia, existe um personagem que introduz uma discussão paralela a Alegoria do Sonho. Esse personagem é o Cypher. Retirado da Matrix sob o discusso de libertação de Morpheus, percebe com o tempo que o homem pretensamente liberto é tão ou mais preso que o homem conectado ao mundo dos sonhos, à Matrix.  Afinal, o que é liberdade? O que é auto-gestão? O que é realidade? As falas e cenas desse personagem nos introduzem a essa discussão. Filosoficamente, relaciono esse personagem ao pensamento de Nietzsche. Esse autor nos expõe em Considerações Intempestivas o pensamento de que a ignorância – ou esquecimento – é a chave para o homem feliz, para o homem a-historico. Este ser que se desprende de tudo, que vive o agora, alheio ao seu passado, a sua ancestralidade, é a verdadeira chave para ser feliz. Trago o trecho abaixo de Nietzsche que será bastante elucidativo para as falas presentes neste personagem.
Toda ação exige esquecimento , assim como toda vida orgânica exige não somente a luz, mas também a escuridão. [...] É portanto possível viver, e mesmo ser feliz, quase sem qualquer lembrança, como o demonstra o animal, mas é absolutamente impossível viver sem esquecimento. (Nietzsche, Considerações Intempestivas, p.72-73)
- Não posso voltar, posso?
- Não. Mas se você pudesse você realmente iria querer? Eu te devo desculpas. Temos uma regra: nunca libertamentos uma mente após ela atingir certa idade. É perigoso. A mente tem problemas em esquecer. Eu já vi acontecer e sinto muito.[16](Morpheus e Neo, The Matrix)

- Após nove anos sabe o que percebi? A ignorância é maravilhosa.
- Então negocio fechado.
- Não quero me lembrar de nada. Nada. Entendeu? Eu quero ser rico. Você sabe, alguém importante. Tipo um ator.
- O que desejar, Sr. Reagan.
-Tudo bem. Leve o meu corpo de volta à usina, me coloque de novo na Matrix e te dou o que deseja. (Cypher e Agente Smith, Matrix Original)

- Vão recolocar o meu corpo. Vou voltar a dormir. Quando eu acordar, não lembrarei de nada. (Cypher, The Matrix)

12. “Está ouvindo Sr. Anderson? É o som da inevitabilidade.”


Não poderia fazer esse ensaio sem que separasse um pequeno tópico para falar do Agente Smith. Esse personagem tem um papel fundamental na história da trilogia, pois, tanto ele quanto Trinity definem as decisões da 6ª versão do Escolhido, Neo. Mas por que ele é importante? Primeiro, porque o Agente Smith, um programa de computador sensiente, por algum motivo desconhecido, passa a ter uma consciência independente da Matrix, tem desejos humanos, aspirações de liberdade e poder, o que nos coloca na discussão acerca do que é que faz de nós humanos. Segundo porque, no fim do primeiro filme, o Agente Smith é “engolido” digitalmente por Neo e a partir daí passa a compartilhar sentimentos e pensamentos com esse último. A partir do fim do primeiro filme, teremos o Escolhido dividido em duas mentes. Neo, que teria a mente altruísta e devota ao amor e Smith, a mente egoísta e dominadora. Terceiro, esse personagem é muito importante nas discussões mais interessantes do filme. Fala sobre a natureza humana, sobre a liberdade, o livre-arbítrio, a mímesis – aliás, esse personagem encarna de fato a mímesis de si próprio – além de nos dá algumas falas sobre a resignação. Mas, o que é mais interessante aqui é que todos esses pensamentos são de origem da máquina e nos faz pensar na mudez dos humanos nessa trilogia. Observe que as discussões mais fortes sobre a essência humana não partem dos personagens humanos. Enfim, o último ponto que gostaria de ressaltar acerca desse personagem é que ele nunca chama Neo de Neo, mas de Sr. Anderson, talvez porque seja parte dele, uma parte que não aceita seu destino, ou talvez porque não consiga perceber a diferença entre o Thomas A. Anderson de dentro ou fora da Matrix.
- Está ouvindo, Sr. Anderson? É o som da inevitabilidade. (Agente Smith, The Matrix)
- Não estamos aqui porque somos livres, mas porque não somos. Não há como fugir da razão, como negar o propósito, pois, como ambos sabemos, sem propósito, não existiríamos. Foi o propósito que nos criou, o propósito nos conecta. Ele nos impele. Nos guia. Nos motiva. O propósito nos define. O propósito nos une. Nós estamos aqui, Sr. Anderson para tirar o que tentou tirar de nós. O propósito.(Agente Smith, Matrix Reloaded)
- O que é ele?
- Ele é você. Seu oposto. Seu negativo. O resultado da equação tentando se equilibrar.
(O Oráculo e Neo, Matrix Revolutions)

- Eu vou ser sincero com você. Eu odeio este lugar, este zoológico, esta prisão, esta realidade, ou sei lá como vocês chamam. Eu não suporto mais. É o cheiro. Se é que isso existe. Eu me sinto impregnado dele. Eu sinto o gosto do seu fedor. E toda vez que sinto, fico achando que fui infectado por ele. É repulsivo. Não é? Eu preciso sair daqui. Eu preciso me libertar.
(Agente Smith e Morpheus, The Matrix)
[Observe como ele se refere ao olfato. Olfato existe? Ou apenas é uma interpretação neural? Veja também que o programa tem aspirações de se tornar livre]

- Admito que é difícil até pensar dentro desse pedaço de carne podre. O fedor enchendo minha respiração como uma nuvem sufocante da qual não posso escapar. Repulsivo. Veja como são patéticos e frágeis. Nada tão fraco está destinado a sobreviver. (Agente Smith, Matrix Revolutions)
[Observe essa fala, pois ela remete ao filme original. O agente Smith acha o olfato o pior de todos os sentidos humanos, o mais repulsivo. É pelo olfato que alega que os seres humanos estão destinados a serem escravos]

13.  “Não quero saber! Não me importam Oráculos, profecias ou Messias!”


A terceira alegoria que gostaria de ressaltar para complementar a tríade que já falei anteriormente, é uma alegoria que poucas pessoas já ousaram falar sobre. É a Alegoria de Jesus Cristo. Não tão evidente, é a alegoria mais escondida. Trarei aqui as passagens da trilogia que justificam essa minha visão, assim como imagens.  Mas, preciso ressaltar, que esse tópico é, de longe, o mais contestável, no entanto com argumentos plausíveis. Como já discorri sobre a alegoria benjaminiana, acho desnecessário fazer outra alusão. Por ora, trago as passagens. Primeiramente gostaria de ressaltar uma segunda vez os nomes de Neo e Trinity. Neo, anagrama da palavra em inglês “One” quer dizer, o Um, o Escolhido. Uma referência que também usamos ao falar de Jesus. Trinity, em inglês, quer dizer Trindade, é o terceiro elemento do filme Neo-Trinity-Morpheus, é ela quem trás o equilíbrio do escolhido e o guia nas suas decisões. Morpheus, dentro do filme, é a imagem do homem teísta. É o que trás a palavra da profecia e do seu messias. Por fim, a cidade remanescente humana, Zion, ou Sião, em referência ao monte do ultimo reduto humano após o armagedon bíblico.
- Aleluia! Você é o meu salvador, cara. O meu Jesus Cristo pessoal. (Choi, The Matrix)
- Foi ele quem libertou o primeiro de nós e nos mostrou a verdade [...] Quando ele morreu o Oráculo profetizou a sua volta e que a sua chegada coroaria a destruição da Matrix, o fim da guerra e a liberdade para nosso povo. (Morpheus, The Matrix)
Sobre essa ultima passagem acima, é preciso observar algumas semelhanças. Jesus Cristo é visto como o salvador do povo oprimido, como o messias que libertaria os judeus da dominação romana, que destruiria a submissão. A sua morte foi profetizada e seu retorno esperado até hoje por milhões de cristãos. Não é difícil perceber na passagem acima certa semelhança com a Sua história. Referências à reencarnação continuam...
- Eu não sou o Escolhido.
- Desculpe, garoto. Você tem o dom, mas parece que você está esperando por algo.
- O que?
- Sua próxima vida, talvez. Quem sabe?
(O Oráculo e Neo, Matrix Original)
- Não quero saber! Não me importam Oráculos, profecias ou Messias! Só me importa uma coisa: impedir que aquele exército destrua a cidade e para isso, preciso que os soldados me obedeçam!
- Com todo o respeito comandante, só há uma maneira de salvar a cidade.
- Qual?
- Neo.
- Maldição, Morpheus! Nem todos crêem no que você crê!
- Não é preciso que os outros creiam.
(Morpheus e o Capitão, Matrix Reloaded)
- E você capitão, o que recomendaria?
- A verdade. Ninguém entrará em pânico, porque não há o que temer. Aquele exército nunca chegará aos portões de Zion.
- O que lhe dá tanta certeza?
- Considere o que vimos, conselheiro: nos últimos seis meses, libertamos mais mentes do que em seis anos. Esse ataque é um ato de desespero. Acredito que logo a Profecia se cumprirá e esta guerra acabará.
- Espero que tenha razão Capitão.
- Não acho que seja uma questão de esperança. É só uma questão de tempo.
(Morpheus e o Conselheiro, Matrix Reloaded)
O texto abaixo demonstra a cena mais essencial da alegoria cristã, é uma cena de poucos minutos, mas que percebemos o caráter messiânico e cheio de oferendas que os fiéis deixam para Neo.[17]
- Neo, por favor. Tenho um filho, Jacob, a bordo do Gnosis. Por favor, proteja-o.
- Vou tentar.
- Tenho uma filha no Icarus.
 (Figurantes e Neo em Matrix Reloaded)
- Esta noite não é acidental. Não existem acidentes. Não viemos para cá por acaso. Eu não acredito no acaso. Quando vejo três objetivos, três capitães, três naves, não vejo uma coincidência. Vejo a Providência. (Morpheus, Matrix Reloaded)
- Tragam-me os olhos do Oráculo. Ai eu devolverei o seu “Salvador”. (Merovíngio, Matrix Revolutions)
- Diga como separei minha mente do meu corpo sem me conectar. Me diga como detive quatro sentinelas com o pensamento. Diga que diabos está acontecendo comigo.
- O poder do Escolhido se extende além desse mundo. (O Oráculo e Neo, Matrix Revolutions)
- Eu gostaria que você pudesse ver, Sr. Anderson. Um messias cego. Você é um símbolo para a sua raça, Sr. Anderson. Indefeso. Patético. Apenas esperando que acabem com o seu sofrimento.(Agente Smith, Matrix Revolutions)[18]

14.  “Mas, nesse caso, você pode ser parte do sistema. Outra forma de controle.”


O Oráculo é uma alegoria da Esperança. Como já havia dito, a primeira Matrix, baseada no paraíso bíblico, foi um desastre. As pessoas entraram em depressão e se suicidaram. Dessa forma as máquinas criam um programa de computador – o Oráculo – que iria estudar a psiquê humana para adaptá-la a uma Matrix melhorada. A resposta que esse programa encontrou foi a escolha. Quando fosse dada a escolha para os seres humanos – uma pretensa escolha para falar a verdade – eles lutariam com mais afinco pela sobrevivência. Na verdade, o livre-arbítrio e o destino estão aqui entrelaçados. É como se a predestinação fosse uma gaiola de vidro, mas dentro dessa gaiola existem escolhas diferentes. Essa é uma das “morais” do filme. Esse programa – o Oráculo – junto com o Arquiteto, são os verdadeiros protagonistas da trilogia. Neo nada mais é do que uma invenção do Oráculo. Uma invenção que inconscientemente lutaria pela liberdade e assim movimentasse a Matrix. O que vemos na trilogia é uma versão de Neo 6.0, por assim dizer. O Oráculo está adaptando sua pesquisa psicológica para ver no que irá resultar. Na verdade, ela representa um outro tipo de controle, mais sutil e ardiloso.O último ponto que podemos ressaltar são os olhos do Oráculo. Esses olhos que vêem o presente o passado e o futuro, olhos atemporais.
- Você não é humana, certo?
- Dificil pensar em algo mais óbvio.
- Se eu tivesse de adivinhar, diria que você é um programa do mundo das máquinas.
- Até agora está indo bem.
- Mas, nesse caso, você pode ser parte do sistema. Outra forma de controle.
- Continue.
- Acho que a pergunta mais obvia é: como posso confiar em você?
- Na mosca.
(O Oráculo e Neo, Matrix Reloaded)
- É mentira, Morpheus. A Profecia é uma mentira. O destino do Escolhido nunca foi terminar nada. É só mais um sistema de controle.[19] (Neo, Matrix Reloaded).

15.  “Você sempre sentiu a vida inteira: há algo errado com o mundo. Você não sabe o que, mas há. Como um zunido na sua cabeça, te enlouquecendo.”


O título desse tópico se passa entre a conversa de Morpheus e Neo, no primeiro filme da trilogia. Seria Neo, de acordo com a história da Matrix, uma espécie de Alegorista? A visão de Thomas A. Anderson, depois que se transforma em Neo, sobre a Matrix muda, criptografa, percebe as maquinações, configurações, interpretações que os outros só enxergam a sombra.  De acordo com W. Benjamin, o alegorista modifica a coisa, enxerga-a de maneira diferente, põe sentidos, interpreta.
O alegorista rompe as conexões tradicionais de sentido da palavra para instaurar uma nova conexão, onde a palavra assume um significado inteiramente novo (arbitrário); podendo, nun processo de significação infinita, significar sempre outra coisa diferente da sua significação anterior. (ZAIDAN, A Crise da Razão Histórica, p.52)
Seria, portanto, Neo um alegorista nato sobre a Matrix, e por conseqüência, sobre o sonho e o real? Sobre as “falhas” do sistema de controle e do sistema dos sonhos? Seria ele diferente dos demais, assim como é diferente o alegorista, o melancólico? Na cena de encontro com o Oráculo, em Matrix Reloaded, Neo encontra-se com um ser iluminado da Matrix, Seraph, que tem o dever de proteger o Oráculo, ou seja, a esperança humana. Iluminado, Neo o interpreta codificado diferentemente do resto esverdeado da Matrix. O alegorista, em si, enxerga os multi sentidos e vê diferente.

16.  “Já posso ver a reação em cadeia... os precursores químicos que marcam o surgimento de uma emoção... criada especificadamente para esmagar a razão e a lógica...”


O que há de diferente do Neo que vemos passar nas telas, das versões anteriores do Neo? A resposta é: o amor. Esse elemento, esse “X” da equação vai ser adicionado na sexta versão do Neo. Compreendemos essa passagem pela conversa existente entre Neo e o Arquiteto no fim do segundo filme.  Sobre essa passagem, apenas gostaria de colocá-la aqui para que a conversa com o Arquiteto seja lida com mais calma. Quando assistimos ao filme o diálogo se passa muito nervoso, muito tenso e geralmente perdemos muito da essência das frases.
- Seus antecessores, intencionalmente, foram baseados no mesmo predicado: uma afirmação contingente destinada a criar uma ligação profunda com o resto da sua espécie, facilitanto a função do Escolhido. Os outros sentiam isso de forma bem generalizada. A forma que você sente é bem mais específica. Estou falando de amor.
- Trinity.
- A propósito, ela entrou na Matrix para salvar você e pagar com a vida.
- Não.
- O que nos traz, finalmente, ao momento da verdade, em que a falha fundamental é definitivamente exposta e a anomalia é revelada como início e fim. [...] Já posso ver a reação em cadeia... Os precursores químicos que marcam o surgimento de uma emoção criada especificadamente para esmagar a lógica e a razão. Uma emoção que já está cegando você para a simples e óbvia realidade. De que ela vai morrer e você nada pode fazer para impedir. Esperança. É uma ilusão humana quintessencial simultaneamente a fonte de sua maior força e sua maior fraqueza.(O Arquiteto e Neo, Matrix Reloaded)

[O Arquiteto considera o amor como uma falha, uma anomalia. Seria isso que nos diferencia das máquinas? Bem, em Matrix Revolutions vamos ter Rama-Kandra, uma máquina, que ama sua esposa e filha. E também pela concepção de Esperança, outra forma de controle.]

17.  “É uma emoção humana. - Não, é uma palavra.”


Existem algumas passagens de Matrix que discutem os conceitos. Não são muitas, mas vê-se claramente um posicionamento dos autores em relação às teorias de Nietzsche sobre a linguagem. De uma forma geral admite-se que as palavras não designam as coisas, mas que elas são metáforas, convenções, exercício da autoridade, da vontade de poder, sobre a linguagem. Vou trazer as passagens que acredito que fomentam essa discussão.
- O que é real? Como você define o “real”? Se está falando do que consegue sentir, do que pode cheirar, provar, ver, então “real” são simplesmente sinais elétricos interpretados pelo cérebro.(Morpheus, The Matrix)
- Ela nunca erra?
- Tente não pensar em termos de certo ou errado.
(Neo e Morpheus, The Matrix)
- Alguns acham que não tínhamos a linguagem de programação para descrever o seu mundo perfeito.(Agente Smith, The Matrix)
- É que eu nunca tinha...
- Ouvido um programa falar de amor?
- É uma emoção humana.
- Não, é uma palavra. O que importa é a conexão que a palavra implica.
[...]
- Você acredita em Karma? Karma é uma palavra, como o amor. Uma maneira de dizer “o que vim fazer aqui”. Eu não me sinto mal com o meu Karma. Sou grato por ele. Grato por minha maravilhosa esposa e pela minha filha linda. (Rama-Kandra e Neo, Matrix Revolutions)

18.  “Duvido que eu ainda reconheça meu rosto no espelho, mas... ainda adoro doces.”


Esse tópico já teve uma pequena introdução ao longo do texto, portanto não serei extensa. Aqui gostaria de falar de um pequeno trecho que gosto mundo em Sobre a Verdade e a Mentira, de F. Nietzsche e que sempre que vejo essa cena me lembro dessa passagem: “Se pudesse sair apenas por um instante das redomas aprisionadoras dessa crença, então sua “autoconsciência” desapareceria de imediato.” (Nietzsche, Sobre a Verdade e a Mentira, P.62) Essa passagem fala de um aspecto muito sutil que pode ser encontrado nos três filmes. O que é preciso entender é o seguinte: Imagine-se vivendo em um mundo de sonhos. Seu nascimento, seu crescimento, sua infância. O bolo que sua mãe faz. Sua paixonite pela professorinha de português. Seus romances. Suas decepções. A pizza que você tanto gosta. A faculdade que você fez. As inúmeras vezes que você se viu no espelho. Enfim. Imagine agora que absolutamente todas as suas memórias são falsas. Todas elas. Inclusive as mais fortemente dolorosas. Nada existiu. O nosso “céu conceitual” – tomando de empréstimo aqui Nietzsche – caísse por completo. Aquele amor que tanto te abala. Tudo é mentira. Ilusão. Sonho. Um dos aspectos que a obra muito discretamente trata é justamente dessa despersonalização que sofrem aqueles libertos da Matrix. Aqueles que ousam mudar seus conceitos. Aqueles que vão contra. Um dos aspectos já falados é a roupa preta utilizada dentro da Matrix, não irei falar novamente. O outro, também sutil, está na imagem do Oráculo. Que, apesar de ser um programa de computador, estuda a psiquê humana e assim se envolve, aprimora suas pesquisas, toma decisões, que são castigadas. Ora, o oráculo é um programa, não pode ser morto, nem exilado, pois é uma das fundadoras da Matrix. O que lhe resta? A descaracterização do seu rosto. Utilizei a passagem da fala do Oráculo no terceiro filme como título ao tópico para falar sobre esse tema. Outro também ressalto, na The Matrix, e que já inicia a discussão.

-Deus!
- O que?
- Eu comia ali. Macarrão muito bom. Tenho essas lembranças da minha vida. Nenhuma delas aconteceu. O que isso significa?
- Que a Matrix não pode te dizer que você é.
(Trinity e Neo, The Matrix)

19. “Ilusões, Sr. Anderson. Divagações da percepção. Construções temporárias de um frívolo intelecto humano tentando justificar uma existência sem sentido ou propósito!”


A passagem acima é uma fala do Agente Smith sobre os humanos. Já comentei acima que esse personagem é um dos mais importantes para entendermos o que é o humano. Nos remete ao texto inicial de Sobre a Verdade e a Mentira de Nietzsche e achei interessante ressaltar aqui.
Em algum remoto recanto do universo, que se deságua fulgurantemente em inumeráveis sistemas solares, havia uma vez um astro, no qual animais astuciosos inventaram o conhecimento. Foi o minuto mais audacioso e hipócrita da “história universal”: mas, no fim das contas, foi apenas um minuto. Após alguns respiros da natureza, o astro congelou-se, e os astuciosos animais tiveram que morrer. (Nietzsche, Sobre a Verdade e a Mentira, p.25)
Nossa solidão cósmica e a necessidade de nos encontrarmos no mundo. Essa é uma ligação entre as duas passagens, que não poderia ter deixado de falar.


20. CONCLUSÃO


Imagino que o extenso trabalho tenha deixado o leitor zonzo. Peço desculpas, mas é realmente epifânico fazer esse ensaio sobre a trilogia Matrix, não poderia ser menor do que foi, ainda que faltem discussões dentro desse trabalho, mas que permitiam uma análise mais demorada. A que conclusão chegamos? A trilogia Matrix não é uma mera produção cinematográfica hollywoodiana – apesar de, é claro, ter como propósito o grande público, reconheço que muitas cenas da trilogia foram feitas com intuitos meramente comerciais – mas esse filme faz muitas referências a filosofia. Esse ensaio é propriamente voltado para a filosofia pós-Nietzsche, mas é bem possível encontrar referências a Sócrates, Platão, Descartes, Kant etc. Para isso seria necessário outro ensaio. Procurei mostrar nas linhas acima que a filosofia iniciada em Matrix, em 1999, na verdade só se conclui em 2003, com o lançamento de Matrix Reloaded e Matrix Revolutions. Por quê? Bem, a alegoria da Caverna de Platão, que chamei aqui de Alegoria do Sonho, é uma alegoria propriamente do primeiro filme. É comum encontrarmos a nova geração de alunos que – acredito bem mais da metade – tenha estudado o Idealismo platonista no colégio e feito um trabalho sobre o primeiro filme da trilogia. Que The Matrix é um clássico filosófico e cinematográfico, não há duvida. Mas o desafio está em mostrar que as discussões e alegorias paralelas surgidas em 1999 são completadas pelos filmes seqüenciais. É comum nos levarmos pelas cenas de ação e acreditarmos que as seqüências são meramente jogadas comerciais (sim, repito, também o são, como qualquer filme...). Enfim, acredito que pude demonstrar que a filosofia de Nietzsche e Benjamin são possíveis de ser interpretadas nos diálogos e cenas de Matrix. Não apenas isso, mas no seu segredo de produção, na sua configuração de storyboard, na montagem das cenas, na escolha dos atores, etc. Gostaria que, finalizando, esse trabalho levantasse mais discussões acerca da filosofia, a trilogia é uma ferramenta potente para compreender o pensamento do nosso mundo contemporâneo e desejaria que a ligação entre filosofia e cinema não parasse na trilogia. Acredito que consegui demonstrar que para ser um filme filosófico não precisa ser um filme europeu de 4h de duração que tudo que faz é nos fazer dormir. Mas é possível discutir filosofia de uma forma prazerosa. Planto a minha fé pelos filmes vindouros que consigam agregar esse pensamento. Matrix foi apenas um pioneiro, mas acredito que lançou as bases para um novo estilo de cinema e filosofia.

 

21. Bibliografia


BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política : ensaios sobre literatura e historia da cultura . 3.ed. -. São Paulo: Brasiliense, 1987. 253 p.
__________. Textos escolhidos. São Paulo: Abril Cultural, 1975. 333 p.
BLOCH, Marc Leopold Benjamin. Apologia da historia, ou, O oficio de historiador. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2001. 159 p.

CHARTIER, Roger. A historia ou a leitura do tempo. Belo Horizonte: Autentica, 2009. 77 p.

GAGNEBIN, Jeanne Marie. Lembra, escrever, esquecer. São Paulo: Editora 34, 2006. 220p.
GIBSON, William. Neuromancer. São Paulo, Aleph. 1991. 304p.
IRWIN, William. Matrix: Bem-vindo ao deserto do real.  Ed. Madras. 2003. 296p.
NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. A genealogia da moral. São Paulo: Moraes, [198-]. 113p.

__________. Escritos sobre a história Friedrich Nietzsche ; tradução, apresentação e notas: Noéli Correia de Melo Sobrinho . Rio de Janeiro: Ed. PUC - Rio; São Paulo: Loyola, 2005. 360 p.
__________. Sobre a Verdade e a Mentira no sentido extra-moral. In: Obras Incompletas. São Paulo, Abril Cultural, Col. “Os Pensadores”, 1978. 
__________. Além do bem e do mal: prelúdio à uma filosofia do futuro. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
PLATÃO. A República. São Paulo: Nova Cultural, 2000. 352 págs.
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WACHOWSKI, Andy. WACHOWSKI, Larry. As Crônicas do Homem Forte. Warner Bros. USA : 2003. DVD, Cor. 4h aprox.
__________. As Raízes de Matrix. Warner Bros. USA : 2003. DVD, Cor. 3h aprox.
__________. Os Arquivos de Zion. Warner Bros. USA : 2003. DVD, Cor. 2h aprox.
__________. The Animatrix. Warner Bros. USA : 2003. DVD, Cor. 1h45min aprox.
__________. The Matrix Comics. Volume 1. São Paulo: PaniniBooks, 2009. 162p.

__________. The Matrix Reloaded. Warner Bros. USA : 2003. DVD, Cor. 2h aprox.
__________. The Matrix Revolutions. Warner Bros. USA : 2003. DVD, Cor. 2hmin aprox.
__________. The Matrix. Warner Bros. USA : 1999. DVD, Cor. 2h10min aprox.
__________. The Matrix: ScreenPlay (Plot Movie). Encontrado em: http://www.screenplay.com/downloads/scripts/The%20Matrix.pdf. Acesso em 14 de janeiro de 2013.
YEFFETH, Glenn. A Pílula Vermelha: questões de ciência, filosofia e religião em Matrix. São Paulo: Publifolha, 2003. 286p.

ZAIDAN FILHO, Michel. A crise da razão histórica. Campinas: Papirus, 1989. 87 p.







[1] Graduada em História pela Universidade Federal de Pernambuco. flaviabrunabraga@gmail.com / UFPE
[2] Neuromancer é um livro de ficção científica que introduzia novos conceitos para a época, como inteligências artificiais avançadas e um cyberespaço quase que “físico”, conceitos que mais tarde foram explorados pela trilogia Matrix.
[3]  Do título em inglês “Bound”, lançado em 1996.
[4] BENJAMIN, Walter.Textos escolhidos. São Paulo: Abril Cultural, 1975.
[5] Geralmente esse personagem não é conhecido pelos espectadores. Trata-se do árabe que recebe Neo na Estação de Metrô atemporal do Trainman, pai da pequena Sati.
[6] NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. A genealogia da moral. São Paulo: Moraes, [198-]. 113p.
[7] BENJAMIN, Walter.Textos escolhidos. São Paulo: Abril Cultural, 1975.
[8] Também temos uma referência na fala de Cypher ao Mágico de Oz – “Segure o cinto Dorothy, porque Kansas está prestes a voar” quando Neo está sendo desconectado da Matrix.
[9] NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Escritos sobre a história Friedrich Nietzsche ; tradução, apresentação e notas: Noéli Correia de Melo Sobrinho . Rio de Janeiro: Ed. PUC - Rio; São Paulo: Loyola, 2005. 360 p.
[10] Depois de ver e rever a trilogia algumas centenas de vezes, você percebe que a história da Matrix não se trata de Neo ou Morpheus. Mas entre uma disputa entre o racional e o emotivo, entre o destino e o livre-arbítrio, entre o inevitável e a fé, entre o Arquiteto e o Oráculo.
[11] WACHOWSKI, Andy. WACHOWSKI, Larry. The Matrix: ScreenPlay (Plot Movie). Encontrado em: http://www.screenplay.com/downloads/scripts/The%20Matrix.pdf. Acesso em 14 de janeiro de 2013.
[12]  Gostaria de abrir esse espaço para problematizar esta palavra “deserto” posta na frase. Observe que o terreno do real está inabitado. A verdade, percebemos, existe para poucos. Uma simples palavra que diz muito.
[13] Observe que quem mais se refere a alegoria dos sonhos é o personagem que tem o nome de Deus do Sonho.
[14] Essa passagem é uma clara referência a alegoria de Platão.
[15] O que não deixa de ser relacionado logo após com a referência de “Conhece-te a ti mesmo” de Sócrates, sobre a porta da cozinha do Oráculo. Ou seja, para transformar o mundo, temos de transformar a nós mesmos.
[16] Observe uma coisa. Quem já viu toda a trilogia e o desenho de Animatrix, perceberá que os humanos que são libertados da Matrix geralmente são solteiros ou crianças. Justamente porque a idéia de que um casamento com filhos como ilusão é demais para a mente de um ser humano. Neo era solteiro, lembremos, assim como Trinity. Assim como o detetive de Animatrix salvo por Trinity, ou o Garoto de Matrix Reloaded e Animatrix.
[17] Vale lembrar que a trilogia não faz uma apologia ao cristianismo. Na verdade ele se utiliza da fé cristã para fazer o filme, mas não quer dizer que seja crítico. Algumas igrejas evangélicas taxam Matrix como um filme anti-cristão. Como você pode ver em: http://kedsonni.blogspot.com/2009/01/anlise-de-filmes-anti-jesus-cristo-2.html (Assembléia de Deus)
[18] Perceba que a alegoria cristã, diferentemente da alegoria do sonho, só se completa no fim do ultimo filme. Como não é uma alegoria evidente, leva muitas pessoas a acreditarem que os dois seguintes filmes não têm discussão filosófica.
[19] Essa passagem é a que mais causa problemas com a Igreja. É uma passagem que remete a alegoria cristã e demonstraria um posicionamento dos autores diante da visão da Profecia de Jesus Cristo. Mas, como é uma linguagem alegoria, pode significar qualquer coisa. Difícil analisar definitivamente.