Patricia Maria dos Santos Santana
(Doutoranda
em Literatura Comparada pela UFRJ/
Bolsista
CAPES)
Resumo: Este
artigo almeja desenvolver algumas contribuições de Marcuse, autor que mais se
debruçou sobre a temática do trabalho, para a reflexão sobre alguns problemas.
Compreenderemos aqui através da ótica do desenho infantil como a maioria da
população, nos países industrializados, podem agir e pensar em formas que a
oprimam. Essa é uma tentativa de entender elementos que sustentam a dominação e
a racionalidade irracional da sociedade capitalista. Inculcar certos valores
nas mentes infantis desde tão tenra idade faz parte de um jogo de relações que
vão muito além da mais simples representação de um mero personagem papalvo e
tolo como Bob Esponja. Seu olhar submisso e otimista sobre o trabalho apresenta
inconsistências, pois faz uma microanálise desconectada das contradições da
sociedade capitalista, tentando resolver o conflito entre capital e trabalho
por meio da hierarquização radical das relações.
Palavras-chave: Desenho animado; Capitalismo; Psicologia; Marcuse;
Trabalho.
Abstract: This article aims at
developing some Marcuse’s contributions, author who has most studied the
thematic of labor, to discuss some problems about. Through the cartoon optic there
will be an understanding about how the majority of people in industrialized countries
can act or think about ways that oppress them. This is a try of understanding the elements
which sustain domination or the irrationality reason of the capitalist society.
To inculcate certain values in kids’ minds since such a young age is a part of
a set of relationships that go far beyond the simple representation of a mere
simpleton and silly character as Sponge Bob. His submissive and optimistic look
about his work presents inconsistencies because it makes a microanalysis
disconnect to the contradictions of capitalist society, trying to solve the
conflict between capital and labor through radical hierarchy of relationships.
Keywords: Cartoon; Capitalism; Psychology; Marcuse; Labor.
Aqueles que não precisam trabalhar chamam o trabalho de virtude
para enganar quem trabalha.
Santiago Rusiñol y Prats
Introdução
O desenho SpongeBob
SquarePants intitulado no
Brasil como Bob Esponja Calça
Quadrada é uma série americana criada pelo biólogo marinho e
animador Stephen Hillenburg. A série gira em torno das aventuras do personagem
que dá título ao desenho e seus diversos amigos, que habitam a cidade submarina
de Bikini Bottom (Fenda do Biquíni, no Brasil). A base da série foi criada por
Hillenburg em 1984, enquanto ele estudava e lecionava biologia marinha no Ocean
Institute, na Califórnia. Criou na época
uma história em quadrinhos chamada ‘Interdital Zone’ estrelada por diversas
formas antropomórficas de animais marinhos, muitos dos quais acabariam se
transformando nos personagens de SpongeBob
SquarePants. Hillenburg abandonou o instituto para se tornar um animador em
1987. O episódio piloto da série foi ao ar nos
Estados Unidos em 1 de maio de 1999. A estreia oficial da série foi em 17 de
julho do mesmo ano, com o episódio “Bubblestand Ripped Pants”. O desenho
conseguiu uma popularidade imensa a partir do ano seguinte e permaneceu assim
desde então. Um longa-metragem baseado
na série foi lançado em 19 de novembro de 2004 nos cinemas. A série completou
seu décimo aniversário em 17 de julho de 2009. No Brasil, ela é exibida por um
canal de TV por assinatura e por um canal aberto.
Bob Esponja
é uma esponja do mar otimista que vive dentro de um abacaxi no fundo do oceano
com seu caramujo de estimação Gary, que mia como gato. A duas casas de distância de Sponge Bob vive
seu melhor amigo, Patrick, uma estrela do mar rosa amigável, mas pouco inteligente que
vive sob uma rocha. No meio dos dois vive Lula Molusco, um polvo arrogante que não gosta dos seus vizinhos,
especialmente de Bob Esponja, por seu comportamento tolo. O chefe de Bob
Esponja e Lula Molusco é o seu Sirigueijo, um caranguejo avarento, obcecado por
dinheiro e proprietário do restaurante Siri
Cascudo. O arqui-inimigo de Sirigueijo é Plankton, um pequeno copépode verde,
proprietário de um restaurante fast food chamado Balde de Lixo, situado do outro
lado da mesma rua do Siri Cascudo. Plankton passa a maior parte de seu tempo
planejando um meio de roubar a receita do popular hambúrguer de siri do senhor Sirigueijo para conseguir o
mesmo sucesso, embora seus planos sempre fracassem.
Freud (1996)
inicia seu pensamento teórico assumindo que não há nenhuma descontinuidade na
vida mental. Ele afirmou que nada ocorre ao acaso e muito menos os processos
mentais. Há uma causa para cada pensamento, para cada memória revivida,
sentimento ou ação. Cada evento mental é causado pela intenção consciente ou
inconsciente e é determinado pelos fatos que o precederam. Uma vez que alguns
eventos mentais parecem ocorrer espontaneamente, Freud começou a procurar e
descrever os elos ocultos que ligavam um evento consciente a outro. O ponto de partida da investigação freudiana
gira em torno da formação da consciência e essa se dá em épocas muito remotas
do ser humano, desde praticamente o nascimento. Daí todo acontecimento presente
na vida do homem ser importante para chegar a uma análise do que esse mesmo
homem é em fase adulta.
Podemos observar em Eros e Civilização, um diálogo constante
que Marcuse tem com a obra Freudiana. Uma grande influência de Freud será a
busca da felicidade do indivíduo humano, que virá através da satisfação dos
desejos individuais de cada pessoa. As pessoas hoje seriam infelizes porque a
sociedade bloqueia a realização de seus desejos, e devemos tentar reverter essa
situação. O comportamento das pessoas na sociedade atual está mais voltado para
como atuam as pulsões e como procuram realizar ou reprimir os seus desejos. Marcuse acreditava em uma inversão do sentido
do progresso, mas o homem não quis fazer isso. Ao invés de se basear em uma sociedade de
produção e consumo desenfreados, poder-se-ia usar a riqueza e o conhecimento da
sociedade de forma a satisfazer, na medida do possível, as pulsões vitais
humanas, além de impedir os efeitos nocivos de nossas vontades destrutivas. O
homem poderia então trabalhar menos e se dedicar mais a uma vida de satisfação
de seus desejos e pulsões, vivendo de maneira muito mais realizadora e plena.
Contudo, o progresso só fez com que o homem acreditasse nos aparelhos de
dominação que ditavam que apenas seguindo os rumos do próprio progresso é que a
felicidade seria alcançada. Daí, acreditar que nossas crianças encontram-se na
frente da televisão sem correr riscos é pura ingenuidade. A mídia é um aparelho
de dominação ativo e a mesma sabe que é mais fácil moldar os pequenos
introjetando informações subliminares em seus incosncientes desde cedo.
Precisamos ter cuidado com as ameaças silenciosas que nos cercam e que cercam
as crianças.
1. O
Inconsciente e suas amarras
Para
Freud (1996), o consciente é somente uma pequena parte da mente, incluindo tudo
do que estamos cientes num dado momento. O interesse de Freud era muito maior
com relação às áreas da consciência menos expostas e exploradas, que ele
denominava Pré-Consciente e Inconsciente. A ideia inicial de Freud era de que
há conexões entre todos os eventos mentais e quando um pensamento ou sentimento
parece não estar relacionado aos pensamentos e sentimentos que o precedem, as
conexões estariam no inconsciente. Uma vez que estes elos inconscientes são
descobertos, a aparente descontinuidade está resolvida. No inconsciente estão
elementos instintivos não acessíveis à consciência. Além disso, há também
material que foi excluído da consciência, censurado e reprimido. Este material
não é esquecido ou perdido, mas não lhe é permitido de ser lembrado. Freud nos diz que a maior parte da
consciência é inconsciente. Ali estão os principais determinantes da
personalidade, as fontes da energia psíquica, as pulsões e os instintos.
A
consciência moral se forma a partir de determinados elementos que permitem
formar no ser humano, qualidades que concretizem sua tendência para o bem. E
isso através da família, da escola, das igrejas, dos partidos e, enfim, de toda
a sociedade. Segundo a psicanálise o psiquismo humano é composto de três
instâncias que são constituídas pelo Id, Ego e Superego. Segundo Freud, o ser
humano nasce Id. O Id é o princípio do prazer, da libido, a busca do agradável
e a rejeição do desagradável. O Ego é constituído pelo princípio da realidade.
É o psiquismo humano enquanto consciente ou ciente de que vive em sociedade,
que conhece, trabalha, tem horário e é responsável. O Superego é formado pela censura, pelo princípio da restrição,
pela proibição, pela medida, pelas normas morais, regras comuns, leis, ideais
coletivos e preferência pelo interesse geral. A criança que não sofre nenhuma
restrição e é satisfeita em todos os desejos e caprichos tende a tornar-se um
adulto sem normas, egoísta e antissocial. Sua vida, de modo geral, é pautada
pela autopermissividade, isto é, só vê a si mesma e seus interesses
particulares. Na formação do Superego é importante o equilíbrio. Hoje, os pais
trabalham fora e a TV molda as crianças. A educação moral da criança vai sendo
desenvolvida assim. No início, a
formação da consciência moral é heterônoma, ou seja, ela vem de fora. As
crianças aprendem o que é bom e o que é mau a partir dos pais, dos professores,
da sociedade e da mídia. Ainda não sabem escolher e decidir por conta própria.
Porém com a ausência dos pais, a família não tem mais a função essencial de
anos atrás. Quem mais fala e mais
autoridade possui é a TV, apresentando falsos valores, modelos estranhos à
cultura local, ídolos, consumismo... Assim, os pais perdem, cada vez mais, seu
lugar e sua função.
2.
Analisando o discurso do desenho animado
Chapeuzinho Vermelho, João e Maria, Cinderela, Branca de Neve, Os três
Porquinhos... Os contos de fada estão repletos de questões freudianas. No livro Psicanálise dos Contos de Fada,
o estudioso Bruno Bettelheim diz que, ouvindo ou lendo essas histórias, as
crianças encaram vários medos e acabam lidando com eles. Se nos voltarmos para os desenhos animados
essa percepção não é diferente, é tudo bem mais "psicanalítico" nesse
aspecto, considerando o contato demasiado que a criança tem com esse tipo de
mídia desde tenra idade. Questões voltadas para o bem e para o mal estão
presentes. Questões relacionadas a um molde, a um modelo de cidadão futuro. Bob
Esponja nos desenhos de sua série representa, dentro do capitalismo selvagem, o
funcionário padrão que jamais falta, sempre faz esforços sobrenaturais para
preservar seu emprego e agradar ao seu patrão. Possui uma ingenuidade incrível,
que jamais indaga ou reivindica nada, ele apenas obedece. Mostra comportamento inerente a todo e
qualquer ser alienado que facilmente pode ser manipulado por outro ser humano
com certo poder. E o poder que tratamos aqui é o poder financeiro. A Fenda do
Biquíni é um microcosmo social em suas representações. O patrão de Bob Esponja,
o senhor Sirigueijo, representa o patrão inescrupuloso no universo capitalista
disposto a fazer qualquer coisa para obter lucro acima do normal em seus
negócios. Ele dispõe de uma espécie de trabalho que beira ao escravismo com
seus funcionários Lula Molusco e Bob Esponja. Bob é extremamente alienado, mas
Lula mostra-se um pouco mais consciente de tudo que o cerca. Contudo, Lula também não tem forças para se
rebelar contra o sistema de dominação no qual se encontra, agindo de acordo com
os padrões trabalhistas. A disputa acirrada encontrada no capitalismo selvagem
também está presente na rivalidade que há entre as duas redes de restaurante: a
do senhor Sirigueijo e a do Plankton. Enquanto o restaurante de Sirigueijo
representa o poder do capitalismo instaurado e cristalizado, o restaurante
menor, o de Plankton, representa o microempresário incluso nesse universo e que
luta para poder crescer e se firmar.
Os filmes e desenhos infantis, por meio de suas narrativas, sugerem
comportamentos que podem ser repetidos ao longo da vida das pessoas e se
caracterizam como instrumentos de produção e reprodução de significados
culturais. Assim,
[...] em qualquer sociedade, os inúmeros artefatos
educativos existentes têm como principal função com/formar os sujeitos,
moldando-os de acordo com as normas sociais. Grande parte desses artefatos
educativos está inserida na área cultural como, por exemplo, televisão, cinema,
revistas, livros ou histórias em quadrinhos. De qualquer forma, são revestidos
de características “inocentes”, como prazer e diversão, que também educam e
produzem conhecimento. (SABAT,
2003, p. 149)
Nesse sentido, a
escolha feita pela redefinição de caminhos diferentes daqueles apresentados
pelos filmes infantis tende a ser rejeitada por causar um desconforto em
relação ao poder do discurso hegemônico. Silva (2006, p.23) registra que “os diferentes
grupos sociais não estão situados de forma simétrica relativamente ao processo
de produção cultural”. Existe um vínculo estreito e inseparável entre
significação e relações de poder. Bob
Esponja vive em estado de alegria extrema e tal alegria sem aparente explicação
reflete-se também no trabalho. Ele ama incondicionalmente sua função
assalariada de fazer sanduíches, gosta de trabalhar muitas horas, de ser
maltratado pelo patrão e não se importa em ganhar pouco na lanchonete. Uma coisa é desempenhar sua função
com paixão mesmo sendo simples, mas ele vive a cultura do ser subserviente e
acomodado. A rotina dele é massacrante, não pede uso da criatividade. Fazendo
uma representação do grotesco, passando
o entendimento que todo trabalhador pobre é servil, risível e alienado, o
personagem Bob Esponja consegue desempenhar muito bem a sua função de empregado
padrão. Essa é uma apologia. Dentre os que endossam a apologia do
trabalho encontram-se também aqueles que conseguem visualizar, mesmo no
trabalho alienado, mecanismos de fuga e prazer ou espaços para a constituição
de uma consciência crítica, mas essa não é a visão do desenho animado Bob Esponja dentro do capitalismo. Portanto, é fundamental resgatar as
contribuições de Marcuse sobre a relação entre trabalho e mais-repressão, ou
seja, trabalho e sacrifício extra.
3. Marcuse e
a mais-repressão
Herbert
Marcuse foi um dos primeiros
a interpretar críticamente os Manuscritos Economico-filosóficos de Karl Marx e
pensava encontrar neles um fundamento filosófico da economia política no
sentido de uma teoria da revolução. É de Marx que virá sua crítica ao
Nacionalismo e aos efeitos que o capitalismo burguês vai ter na vida das
pessoas. Também vem de Marx a proposta de que, com o desenvolvimento da
tecnologia e do capitalismo como um todo, em conjunto com uma ação
revolucionária da sociedade, poderemos alterar as nossas condições e erguer uma
nova organização social, que possibilite uma vida melhor para as pessoas.
Marcuse procura esboçar caminhos que nos levem para além da organização
sócio-econômica atual, para além de uma alienação social. Ele se preocupava com o desenvolvimento
descontrolado da tecnologia, o racionalismo dominante nas sociedades modernas,
os movimentos repressivos das liberdades individuais, o aniquilamento da Razão.
Para os membros da Escola de Frankfurt, o proletariado se perdeu ao permitir o
surgimento de sistemas totalitário como o nazismo e o stalinismo por um lado, e
a "indústria cultural" dos países capitalistas pelo outro lado. O
problema da sociedade moderna é a invasão da mentalidade mercantilista e
quantificadora a todos os domínios do pensamento. Marcuse foi figura importante de Frankfurt. Sua obra Eros e Civilização gira em torno de uma
pergunta: seria possível uma sociedade não repressiva? Para obter resposta,
Marcuse recorreu aos conceitos freudianos com aspectos da teoria marxista, ou
melhor, interpretou filosoficamente “A Civilização e seus Descontentes” de
Freud e a confrontou com a sociedade capitalista contemporânea.
Sendo
o homem constituído basicamente por dois instintos primários, Eros e Thânatos (Eros é a energia da libido,
o princípio de prazer e Thânatos é nossa inclinação à destruição, à
morte), ambos têm procedência comum que são oriundas do desejo de eliminação da
tensão, a vontade de retroagir ao estado inorgânico anterior à vida. O aparelho
mental humano (estrutura psíquica) é dividido em: Id, Ego e o Superego. Freud faz a “passagem” do Pai ao Superego em
um ponto de vista simbólico baseado em uma história fictícia da ‘Horda
Primeva’. No princípio das civilizações, o comando era exercido por um Pai
Primordial. Este detinha o monopólio das mulheres do grupo e impunha o trabalho
aos filhos. Os filhos nutriam um sentimento ambivalente pelo pai: ora afeto, já
que a sua presença promovia unidade e segurança ao grupo, ora revolta, pela
imposição das restrições. Aqueles que ameaçassem a soberania despótica eram
excluídos. Em dada passagem, os filhos exilados se rebelam, assassinam o pai e
o devoram. O poder, então, é assumido pelo clã de irmãos. Entretanto, o pai é
divinizado e interioriza-se o tabu. Surge o sentimento de culpa. Eis o Superego
e a repressão.
Marcuse parte da repressão freudiana para fazer o apontamento de
seu conceito de mais-repressão de
nossa sociedade. Como o próprio
nome indica, mais-repressão é a repressão adicional, que excede o necessário à
civilização. Ela é ensejada pela dominação de alguns homens sobre outros. Nas
sociedades primitivas era preciso a repressão devido à carência tecnológica.
Como observa Freud, se não houvesse repressão, a vida não seria possível, já
que os homens, entregues ao princípio de prazer, matariam uns aos outros.
Marcuse diz que Freud não observou a mais-repressão. Na sociedade
contemporânea capitalista, na qual a abundância tecnológica dispensa a
repressão originária, emerge a mais-repressão, fundada no trabalho
alienado. Agora, a dominação não é
mais do pai primordial, mas sim impessoal e objetiva concretizada no Princípio
de Desempenho (que passa a ser o Princípio de Realidade). Os homens são
concebidos por suas funções econômicas. As posições sociais são definidas
pelo desempenho. As preocupações contemporâneas (como por exemplo,
reconhecimento social) nada têm a ver com o Ser do homem. O
controle, a repressão, desloca-se do campo instintual para o controle da consciência e é de
tal força que o indivíduo e o todo são a mesma coisa. O superego é
automatizado. Há controle também sobre
o tempo liberado, uma vez que não existe tempo livre. Não há a possibilidade de o individuo
entregar-se a si próprio ou retirar-se para um mundo diferente. O repertório
de escolhas é superficial, restrito a opções de consumo. Enfim, a civilização contemporânea é a
consumação plena do trabalho alienado e da negação humana. Tudo é mercadoria
inclusive o homem em suas relações.
Bob
Esponja quer ser o melhor funcionário sempre. Preocupa-se em não desagradar o
chefe autoritário, vive predestinado a um espírito de equipe latente, coloca
seu desempenho nas alturas em nome de um negócio que não é seu e sequer
recebe participação dos lucros, procura viver bem com todo mundo absorvendo
situações de aperto para si, para desfazê-los e assumir uma função
pacificadora, é flexível, ou seja, cede sob pressão, e é subserviente. Acima
de qualquer uma das descrições feitas, ele é alienado e lhe falta
inteligência para dissociar situações. Cegamente submisso, é extremamente
explorado, escravizado e não tem consciência disso. Vive de forma desarvorada
a mais repressão e não se questiona o motivo de vivê-la. Boa parte dos eventos da série ocorre na
Fenda do Biquíni, uma cidade subaquática localizada no Oceano Pacífico, no
litoral de uma ilha tropical no Atol de Bikini. Stephen Hillenburg declarou que
muito da Fenda foi baseado na cidade americana de Seattle. Apesar das implicações e analogias
surgidas a partir da localização da cidade em relação à vida real, Hillenburg
declarou que deseja manter a cidade isolada do mundo real. Os cidadãos da
Fenda vivem principalmente em edifícios relacionados a temas aquáticos, e
usam "navios móveis”, um mistura de navios e carros como meio de
transporte. Mas a pergunta que surge é: seria realmente possível esse
distanciamento do real quando os personagens em suas inter-relações são tão
reais?
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4.
Despertando um inconsciente ‘estar sempre pronto’ nas crianças
Os meios de comunicação exercem um
papel muito importante na formação da criança. Segundo Bucht (2002, p. 207), “muitas
pessoas que lidam com crianças pequenas notam também que elas muitas vezes
copiam o que veem na televisão ou no cinema”. Isto ocorre porque a mídia está
presente no dia-a-dia da criança, incontestavelmente influenciando no seu
desenvolvimento.
Os tempos atuais apresentam
novo cenário em todos os campos da vida social. Diante de uma sociedade que
hoje tem maior acesso à informação, seja por meio das instituições
educacionais, seja por meio da mídia, da literatura ou dos recursos
tecnológicos, uma das maneiras encontradas para a manutenção dos arranjos
sociais é a construção de identidades via simbolismos culturais.
As identidades só se definem [...] por meio de um
processo de produção da diferença, um processo que é fundamentalmente cultural
e social. A diferença, e portanto, a identidade, não é um produto da natureza:
ela é produzida no interior de práticas de significação, em que os significados
são contestados, negociados, transformados. (SILVA, 2006, p. 25).
Por meio das práticas de
significação, vão-se formatando pessoas que
reproduzirão modelos de comportamentos e de atitudes adquiridos ao longo
dos tempos. Desenhos e filmes infantis
sempre exerceram fascínio em um grande número de pessoas. É, porém, nas crianças que seus efeitos se
revestem de poder praticamente hipnótico. A cada dia, mais envolventes e bem
elaborados, tornam-se investimentos de alto valor financeiro, que apresentam
intricado nível de produção em todos os aspectos que os compõem: textuais,
sonoros, visuais, narrativos e efeitos especiais, proporcionados estes pela
tecnologia. As narrativas, somadas às imagens exibidas nas telas, vão
construindo nas crianças atitudes e comportamentos sem que elas e os adultos
que as acompanham em seu cotidiano as percebam. Sabat (2001) aponta que a imagem, e tudo o
mais relacionado à visão, constitui também o texto escrito sobre o social,
sobre sujeitos históricos. Segundo a autora, longe de serem simples mecanismos
de diversão, os filmes infantis podem ser considerados espaços de constituição
de identidades. Giroux acrescenta que
as identidades individuais e coletivas das crianças e
dos/das jovens são amplamente moldadas, política e pedagogicamente, na cultura
visual popular dos videogames, da televisão, do cinema e até mesmo em locais de
lazer como shopping centers e parques
de diversão. (GIROUX, 1995, p.
50)
Ainda de acordo
com Giroux (p. 51), os filmes infantis “inspiram no mínimo tanta autoridade
cultural e legitimidade para ensinar papéis específicos, valores e ideais
quanto locais mais tradicionais de aprendizagem”. O autor considera o gênero
como ‘performativo’, pelo fato de não ser uma afirmação ou uma negação, mas,
sim, uma construção que ocorre por meio da repetição de atos que possuem
correspondência com as normas sociais e culturais.
Atualmente, devido ao fato dos pais
trabalharem fora de casa, as crianças ficam muito tempo em frente à televisão.
Desta forma, o ensino que antes era somente dado pelos pais, tem se dividido
com as escolas e com os meios de comunicação, principalmente a televisão. Há de
se ter cuidado redobrado com os pequenos, pois nem sempre as crianças que ficam
expostas às programações da televisão estão vendo programas realmente infantis
e muitas vezes os ditos programas infantis chegam repletos de mensagens
subliminares que, de fato, atuam com agentes diretos na construção das
mentalidades. Montigneaux (2009)
descreve entre 4 e 9 anos como a fase de ouro do imaginário. O personagem é
essencial e constitui um elemento motor na compra de uma marca. Ele seduz as
crianças pelo imaginário que induz e no qual as crianças se projetam. O
processo de identificação funciona sobre os personagens heróis ou carismáticos.
A
mídia é muito atrativa para as crianças por ser prazerosa e convidativa. Segundo Bucht (2002, p. 79):
Através
da mídia as crianças têm acesso a todos os assuntos possíveis. É através da
mídia que elas buscam a diversão e, o mais importante, criam a sua própria
identidade. Por isso temos que supervisionar o que elas assistem, para sabermos
se é uma programação adequada à determinada idade ou não.
Como as mídias fazem parte do
dia-a-dia das crianças, elas acabam sendo influenciadas e imitam o que
veem. Sendo assim é possível perceber
que por meio das mídias, as crianças têm acesso a muitas informações e conforme
nos diz Bucht (2002, p. 19) “as
informações fluem de maneira cada vez mais livres e com vínculos cada vez mais
frouxos em tempo e lugar”. Devido à ausência dos pais, a criança acaba se
apegando aos meios de comunicação, em especial à televisão no seu cotidiano.
Isso porque a televisão é o segundo maior meio de depois do rádio. Assim,
através dela, os sentidos e os modos de agir necessários ao crescimento
psicológico e social da criança, acabam sendo fornecidos por personagens
televisivos, como por exemplo, os personagens de desenhos animados, os quais as
crianças buscam imitar. Conforme comenta Montigneaux (2009), a criança
facilmente se encanta com o personagem porque o personagem pertence ao mundo dela.
São, portanto, pontos de referências preciosos para a criança e significam
familiaridade e proximidade. Só que as crianças são muito influenciáveis. Tão
influenciáveis que em certos países como a Suécia, propagandas para menores de
12 anos são proibidas porque até essa idade a formação do pensamento crítico,
que nos faz duvidar da veracidade de algo, não está concluída. E, com isso, os
especialistas argumentam que a criança não tem condições para discernir entre o
que é ruim ou bom para ela.
Considerações
finais
Infelizmente, estamos em uma
sociedade que pensa na infância não como esta deve ser pensada e considerada,
mas sim mediante a lógica do mundo moderno que deslegitima a própria concepção
de criança e crê na supremacia do homem em seus modelos totalizantes porque
fica mais fácil acelerar o passo e introduzir em tenra idade modelos que se
aproximam do universo adulto. Assim, nossas crianças já se habituarão a se
conformar e aceitar sem ranços as imposições da sociedade no futuro, quando se
tornarem cidadãos adultos. Lévy (2006) acredita que as mudanças do mundo
contemporâneo nos têm promovido uma nova forma de sermos humanos e isso engloba
inclusive a capacidade de ser criança. Por
sua vez, Postman (1999) apresenta uma visão mais radical e afirma que, de
acordo com os acontecimentos do mundo nas últimas décadas, a infância está
desaparecendo. Incutir em seres tão
pequenos o compromisso cego de se encaixar em um mundo onde a lógica do capital
esteja acima dos padrões de bem viver e de não repressão parece ser a ideia
central do desenho aqui analisado. Seja na figura de Bob Esponja Calça Quadrada
ou de qualquer outro personagem submisso das estórias contadas para as
crianças, o importante é já estar pronto, mesmo sendo uma criança, para
adentrar nas garras do mundo moderno capitalista selvagem, aludindo à musica do
desenho da esponja amarela na qual, em seu comecinho, um coro infantil responde
a um velho homem do mar: “Estamos prontos, Capitão!”. Parece que o importante é
mesmo estar pronto para servir, não importa a época. E se depender de Bob
Esponja, o processo de subserviência já se inicia na mais tenra idade, lá onde
ainda o cérebro não processa conscientemente o que lhe chega, mas assimila de
forma inconsciente as mensagens ocultas que nos cercam.
Referências bibliográficas
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FREUD, Sygmund. Obras Psicológicas Completas de Freud. Tradução Jaime Salomão. Rio de Janeiro: Imago,
1996.
GIROUX,
Henry A. ‘Memória e pedagogia no maravilhoso mundo da Disney’. In: SILVA,Tomaz Tadeu (Org.). Alienígenas na sala de aula: uma introdução
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SABAT, Ruth. ‘Filmes infantis como
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2002.
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LÉVY, Pierre. ‘A Revolução Contemporânea
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