Elton E.B. Cavalcante - UNIR [1]
Maria Célia da Silva - UNIR ²
RESUMO: O objetivo deste trabalho é
analisar aquilo que se convencionou chamar de teorias do pós-colonialismo, as
quais fazem uma sondagem psicológica e social das minorias políticas
marginalizadas, colocando-as como vítimas de uma pseudodemocracia. Isso porque
apenas grupos que detêm poder de consumo na sociedade capitalista veem seus
anseios representados nos textos literários: da cultura indígena aparece na
literatura apenas o lado exótico; os mitos são tratados não como uma crença
viva de nações milenares, mas como fontes de informação que contribuem para o
lazer das sociedades urbanas. Muito se fala em ouvir o outro, em alteridade,
mas se combate constantemente qualquer prática que esteja em desacordo como a
moral e ética capitalistas. Então, a voz dada ao sujeito é controlada, e os
indivíduos se veem cada vez mais marginalizados.
Palavras-chave: Colonialismo,
Pós-colonialismo, Neo-colonialismo.
INTRODUÇÃO
A
literatura produzida nos países antes denominados de terceiro mundo está cada
vez mais sendo prestigiada em termos de premiações mundiais. De certa forma, o
público-leitor dessas nações se interessa não mais pelo exótico, mas também
pela expressão puramente artística das nações mais pobres. Até mesmo as
minorias políticas, que não tinham espaço para expressar-se na literatura
culta, atualmente podem ser ouvidas com certa frequência.
Por que houve essa mudança de perspectiva? Tal
reviravolta está condicionada ao que se convencionou chamar de cultural estudies, que, por sua vez, se
embasa nos estudos sobre o pós-colonialismo. O objetivo deste artigo é, pois, analisar os
traços característicos e gerais da literatura pós-colonial, seu conceito e suas
consequências; para tanto o ponto de partida são as ideias de Thomas Bonnici, o
qual afirma que as raízes do imperialismo continuam profundas e plenamente
existentes na literatura moderna e que as bases teóricas dos estudos culturais
e dos estudos pós-coloniais podem vir a ser uma forma de neocolonialismo, visto
que partem dos povos outrora colonizadores e buscam levar um discurso
democratizante para todos os países do globo.
Esse
discurso ideológico sobre a democracia parece ser algo positivo, mas há países que
não concordam com o espírito democrático do Ocidente, e acusam as nações
ocidentais de excessivamente liberais. Os países ocidentais ricos buscariam
assim, além de expandir a democracia, ampliar também suas redes de influências comerciais:
na verdade estariam a formar públicos consumidores e adaptados ao modo de viver
ocidental.
1.
PÓS-COLONIALISMO
O
termo pós-colonialismo é usado para “descrever a cultura influenciada pelo
processo imperial desde os primórdios da colonização até os dias de hoje”
(BONNICI, 1998, p.03). Mas pode ser entendido também “como toda a produção
literária dos povos colonizados entre os séculos XV e XX” (Idem, p.03). Neste
último sentido, alguns teóricos questionam o conceito de pós-colonialismo, pois
admitir
um estado pós-colonial é,
consequentemente, pressupor que o colonialismo teve um fim. Se examinarmos
detalhadamente a história recente dos países que sofreram o processo de
colonização, com certeza chegaremos à
conclusão de que, em muitos deles, ainda não terminou. Pelo contrário, ela
continua e não só nesses países, mas persiste na proposta de globalização, cuja
forma de domínio se esconde sob a idéia de uma aparente igualdade (GOMES
CARREIRA, 2003, p. 01).
Assim literatura dos povos que sofreram a
colonização estaria sob a égide de um neocolonialismo sustentado nas ideologias
que pregam os valores consumistas e individualizantes das sociedades
ocidentais.
Analisando,
porém, com mais atenção a citação acima, a autora afirma que “em muitos deles
[a colonização] ainda não terminou”, isso leva a crer que em alguns países o
processo de colonização está extinto, e em outros não. O que fez com que fosse
extinto em uns e se mantivesse noutros? A Globalização. Então quem coloniza
quem? Há uma classe colonizadora, um grupo social específico? Há. Porém esse
novo grupo não é delimitado pela aparência física, cor da pele ou dos olhos, são
pequenos e grandes investidores que, de acordo com as regras do capitalismo
financeiro, põem seu capital onde melhor lhes aprouver.
Em
realidade, o que talvez haja é um novo processo de colonização ligado a um
discurso ideológico de que os regimes democráticos e o Capitalismo são os
antídotos para os problemas de todas as nações do Globo. Nessa nova
colonização, a cor e o sexo, a idade e a beleza não são fundamentais, o
importante é o poderio econômico.
A globalização é a mantenedora do processo de neocolonização;
todavia o que levou países outrora colonizados, como os EUA, Austrália, Canadá,
por exemplo, a quebrarem o discurso do colonizador? Aí é que está o problema,
pois os países citados enriqueceram, porém o discurso interno em cada um deles
ainda é um discurso autoritário e que impede muitos grupos sociais de terem
suas individualidades respeitadas. O objetivo então dos estudos literários
pós-coloniais seria analisar as classes marginalizadas e fazer com que elas
pudessem ser ouvidas. Quando um romancista escreve um texto, os teóricos do
pós-colonialismo tentam ver no enredo as pressões sociais que levaram as
personagens pobres a agirem desta ou daquela maneira. As minorias étnicas têm
também seu espaço. Tenta-se tirar do texto aquilo que ainda não ocorre de fato
na sociedade: um diálogo verdadeiramente igualitário entre todos os sujeitos
sociais.
Ora,
de um lado há o Capitalismo financeiro que não segrega por cor ou sexo, mas por
riqueza ou pobreza, do outro há teóricos do pós-colonialismo insinuando que a
pobreza é uma conseqüência da colonização. Então, pode-se perguntar quem é o
colonizador e o colonizado nesse novo processo? A resposta não é tão simples,
principalmente em se tratando de estudos literários e culturais, já que há um
desconcerto acerca das consequências da colonização. Para alguns teóricos, os
estudos pós-coloniais têm como objeto as classes marginalizadas e as etnias que
foram vítimas de escravidão; para outros, o pós-colonialismo é um conceito mais
amplo:
o pós-colonialismo,
academicamente, “se reporta a uma série de estudos centrados nos efeitos da
colonização sobre as culturas e sociedades colonizadas, que podem ser
interpretados como parte da teoria pós-modernista, que busca trazer à baila as
vozes das culturas e dos segmentos sociais periféricos. Essa busca de
‘descentramento’, segundo os teóricos do
pós-modernismo, é uma tentativa de ‘ouvir’ as ‘margens’, incluindo-se aí, todas
as minorias raciais, as mulheres e os homossexuais (Gomes Carreira, p. 01, 2003).
O
conceito de pós-colonialismo, desta forma, estaria muito mais ligado a uma
crítica a toda e qualquer forma de autoritarismo do que a um autoritarismo
específico, como foi o caso dos processos de colonização ocorridos entre os
séculos XIV e XX. É, a bem da verdade, uma tentativa de se eliminar o preconceito
em geral e de minimizar as diferenças sociais; é, também, uma consequência do
paradigma democrático ocidental, expresso nas maiorias das Constituições Nacionais,
inclusive na brasileira.
Pós-colonialismo
sob este aspecto pode parecer extremamente positivo, e é, todavia pode haver
traços negativos nessa nova postura democratizante defendida pelos teóricos do
pós-colonialismo? Para responder a esta pergunta, necessário se faz verificar
os três tipos de sociedades pós-coloniais apresentados por Thomas Bonnici, a
saber:
“Settler
colonies”: Na
América espanhola, no Brasil, nos Estados Unidos da América, Canadá, Austrália,
Nova Zelândia, a terra foi ocupada por colonos europeus que conquistaram e
deslocaram as populações indígenas. Uma certa modalidade de civilização
européia foi transplantada e os descendentes de europeus, mesmo após a
independência política, mantinham o idioma não-indígena. Se no início os
colonos inquestionavelmente consideravam que o seu idioma era apropriado para
expressar a complexa realidade do lugar ocupado, os escritores mais recentes
iniciaram uma série de questionamentos a este respeito. “Sociedades
invadidas”: Na América Central, na Índia e na África com suas civilizações
díspares em vários estágios de desenvolvimento, as populações foram colonizadas
em sua terra. Portanto, os escritores nativos já possuíam suas respostas
milenares e seu modo de ver, embora estes fossem marginalizados pelos
colonizadores. Às vezes, o idioma europeu substituiu o idioma do escritor; às
vezes, ofereceu-lhe uma oportunidade para que seus escritos fossem melhor divulgados
e lidos. Em ambos os casos, o idioma europeu causa uma certa ambigüidade no
texto escrito. “Sociedades duplamente
invadidas”: As sociedades primordiais dos indígenas das ilhas do Caribe
foram completamente exterminadas nos primeiros cem anos do descobrimento. A
população atual das Índias Ocidentais veio da África, Índia, Ásia, Oriente
Médio e da Europa através do deslocamento, do exílio ou da escravidão. De todas
as sociedades colonizadas, talvez a sociedade caribenha seja a que mais sofreu
os efeitos devastadores do processo colonizador, onde o idioma e a cultura
dominantes forma impostos e as culturas de povos tão diversos aniquiladas. (BONNICI,
1998, p. 2).
Como
se pode perceber pela citação, houve formas distintas de reação ao colonizador,
dentre elas, as mais resistentes foram àquelas denominadas, por Bonnici, como
“sociedades invadidas.” Na China, por exemplo, a luta contra o colonizador é
ainda algo em voga, pois existe, desde Mão Tsé-Tung, uma luta renhida para assegurar
a independência política e a identidade nacional. Em sociedades como esta, os
estudos culturais são importantes para que se compreendam as diversas facetas
do autoritarismo e dos preconceitos sociais. Entretanto, há sociedades, como as
do Oriente Médio, que têm verdadeira aversão à cultura européia, inclusive na
sua forma de entender a literatura. As culturas iraniana e israelense, a título
de ilustração, não sofreram, pelo menos da forma tradicional, uma colonização
recente. Nelas, a batalha é para que se mantenha uma tradição milenar, que no
fundo é questionada como válida pelo Ocidente, basta ver as críticas feitas
pela mídia ocidental à forma como os muçulmanos tratam suas mulheres ou como
aceitam os regimes políticos teocráticos. Em tais países, há, internamente,
grupos minoritários que discordam dos governos ditatoriais, por conseguinte qualquer
escritor muçulmano que critique duramente a sua própria tradição cultural é
logo bem aceito no Ocidente, muitas vezes tornando-se best-seller. A crítica
feita por esses autores é também caracterizada como pós-colonial, ao menos se
levarmos em conta o conceito dado alhures por Gomes Carreira (2003).
Disso
se conclui que o conceito de pós-colonialismo está unido intimamente à noção de
pós-modernidade política, porque, no fundo, é ainda, uma consequência da
Guerra-Fria, pois durante esta Estados Unidos e URSS tinham algo em comum, cada
qual tentava, por meio de propaganda ideológica, convencer as outras nações,
que pertenciam às suas zonas de influência, que seus regimes políticos eram os
melhores. Americanos pressionavam para que o capitalismo e a democracia fossem
dominantes; a URSS subjugava e impunha o comunismo e a “ditadura do proletariado”. O capitalismo
venceu aquela guerra, porém entrou em outra: só que agora não apenas para dizer
que o capitalismo é melhor que o comunismo, mas, e, principalmente, para
convencer que a democracia é a melhor forma de governo já existente no mundo. É
uma luta por democratização, pois por trás desta há o individualismo e todas as
teorias racionalistas oriundas do Iluminismo. O individualismo leva a negação
de tabus sociais e à autoafirmação da autonomia da vontade, e desta para a
valorização das coisas materiais e ao consumismo não existe longa distância.
Durante
o século XIX, quando o Paraguai enfrentou as forças capitalistas
neo-colonizadoras, teve contra si a tríplice aliança formada por Brasil,
Argentina e Uruguai. A população paraguaia questionava a forma de viver imposta
pela potência hegemônica da época, a Inglaterra. Esta usou de toda a sua influência
política para fazer com que as nações sul-americanas entrassem em conflito. A guerra
quase exterminou a população paraguaia, todavia esta se viu obrigada com o
tempo a aceitar as regras do capitalismo e a fazer parte das nações
consumidoras de produtos europeus. A imposição aos paraguaios não era a
democratização, mas independente do sistema político, que o Estado paraguaio
não deixasse de importar os produtos industrializados e exportar a
matéria-prima para as indústrias europeias e brasileiras.
Com
a Independência política das nações americanas, o colonialismo europeu
voltou-se para a África e a Ásia, entretanto não deixou este de se impor de
forma ideológica às latino-americanas. O maior exemplo disso foi a pressão
inglesa para que a escravidão no Brasil deixasse de existir. Os ingleses
perceberam que homens libertos ajudariam a formar uma população consumidora
consistente. Logo em seguida apoiaram as repúblicas americanas, pois os
governos imperiais, por mais competentes e humanistas que fossem (é o caso do
de D. Pedro II) dificultavam as transações comerciais. As próprias nações
europeias foram aos poucos se democratizando, pois isso era uma exigência não
das camadas mais pobres ou da classe média, mas uma imposição do grande
capital. O grande capital passou a pressionar por públicos consumidores sem
usar a força, mas o sutil discurso democratizante, e é dentro desse contexto
que se pode colocar o surgimento dos estudos culturais e das teorias
pós-colonialistas.
Se
analisarmos o discurso de escritores desde a década de cinqüenta do século XX,
veremos em alguns o desejo de quebrar tabus sociais, liberar forças contidas, sensualismo,
luxúria, em suma, tudo aquilo que os discursos tradicionais tentavam reprimir.
As forças repressoras como a religião e a moral foram questionadas,
mesclando-se ao discurso libertário uma vertente que valoriza o ateísmo e a
irracionalidade. E é esse discurso
liberalizante que vai ser levado a todas as regiões do globo, inclusive para o
Oriente Médio. A partir dessa nova realidade, surge um questionamento: quando
se exige que povos do Irã e Iraque aceitem que suas mulheres ajam da forma como
as ocidentais agem, não se se está, de certa forma, colonizando? Sim, está. E é
nisso que reside o lado negativo dos estudos pós-coloniais, pois na ânsia de
dar voz a todos os sujeitos marginalizados obrigam-se outros, marginalizados ou
não, a compactuarem com o discurso democratizante.
A ideia de estudos pós-coloniais partiu não
dos povos colonizados, e sim de nações outrora colonizadoras. O discurso
pós-colonial leva em seu bojo um discurso muito mais amplo: o de que a
democracia é a mais importante e a melhor forma de governo e que deve ser
aceita por todas as nações e todos os grupos étnicos, o que seria muito bom se
a intenção central não fosse a formação de grupos consumidores e arredios a
leis.
Esse
discurso pode migrar do campo macro-político e se estender para as relações
interpessoais dentro de um mesmo país ou região, tanto em democracias, ditaduras
ou monarquias: é aceito por todas as minorias, pois é a forma que essas
minorias têm de ter seus posicionamentos ouvidos pelos demais. Não é à toa que
na literatura contemporânea e pós-colonial muito se usa os termos “o outro”,
diálogo, rememorar, subjetividade etc. O problema disso é que grupos outrora
marginalizados ao assumirem o poder ou ter voz passam a impor também suas
ideologias.
2.
A QUESTÃO SOCIAL
Ouvir
o outro não é uma questão tão somente de colonizador/colonizado, mas de
democracia e não democracia. A título de ilustração, pode-se encontrar uma
literatura que valoriza os mitos indígenas, que diz que a cultura indígena deve
ser respeitada e preservada, mas também é comum tecer
críticas ferrenhas a essa mesma cultura, tais como: os rituais de passagem, o
tratamento dado às mulheres, os rituais de casamento, entre outros. Tentar
interferir dessa maneira não significa mudar a cultura do outro? Pode-se
entender isso como um diálogo?
O
índio que é descrito desde Alencar, passando por Mário de Andrade até Milton
Hatoum, é apresentado como um objeto exótico, algo pitoresco, e não como a
representação de um homem em toda a sua plenitude. Quando Mario de Andrade
tentava de fato colocar o índio como parte integrante da nossa cultura, de qual
índio ele falava realmente, do que já estava se enquadrando à cultura ocidental
ou daquele que não aceitava em hipótese alguma a sujeição aos valores europeus
e brasileiros? Em Macunaíma, a configuração do caráter nacional é posta pela
união das três grandes raças que compõem o Brasil. A cultura indígena sempre se
revela num contexto místico e surreal, e o índio não é idealizado, como o Peri
de Alencar, ao contrário, deixa-se ver em situações mais baixas e degradantes.
Outro
autor que aborda a temática indígena é Milton Hatoum, diferente de Mario de
Andrade, mostra o quanto a cultura indígena tem de útil e interessante. Mas por
que ele aborda, com tanta ênfase, os
mitos indígenas na sua literatura? É porque as nações indígenas já não oferecem
tanto risco aos governos nacionais, os índios estão dominados em suas terras e
quando são defendidos, são por antropólogos, etnólogos, religiosos protestantes
ou católicos, lingüistas, pela FUNAI etc. A cultura indígena descrita em Hatoum
é um arremedo não dos povos indígenas que enfrentaram o colonizador (como foi
feita pela Confederação dos Tamoios ou pela Confederação do Rio Negro), mas um
daqueles que hoje se encontram em situação precária e tendo que precisar da
ajuda do colonizador para poderem sobreviver. Não é uma literatura que instiga o leitor indígena
à indignação pela situação dos seus antepassados, mas, ao contrário, é apenas a
representação do lado exótico que o leitor urbano e burguês não conhece e
deseja ver.
Assim,
ao se falar em dar voz ao outro, os estudos pós-coloniais, os romances deste
período tratam de dar uma voz limitada,
voz que não fira os interesses do público-leitor. Para ilustrar bem isso, basta
observar a literatura feminista e a que faz defesa implícita ou explícita ao
homossexualismo, nestas permite-se de fato que as minorias exponham suas idéias
e que gritem para serem ouvidas, mesmo por que muitos dos autores são ou
feministas ou homossexuais; e é desta maneira por que são minorias que
pertencem de fato à sociedade capitalista democrática: são públicos
consumidores que questionam os tabus sociais, o machismo, mas não a sociedade
liberal.
Mas e quanto aos indígenas? Quem escreve
romances e teses sobre eles são ou pessoas brancas ou mestiças que já têm
incutidas em si os valores democráticos ocidentais. O índio, em si, pouco dialoga,
nas obras literárias, com o núcleo do poder colonizador, afinal em quantos
romances se fala da briga interna do índio contra os governos federais e
estaduais do Brasil, quantas teses ou romances divulgam o real objetivo de
muitos índios: o de ter uma própria nação?
Vivemos
uma democracia, onde todos são livres e iguais perante a Lei, porém direitos e
deveres estão atrelados a interesses político-econômicos.
Os grupos democráticos podem falar o que quiserem desde que não firam as cláusulas
pétreas da Constituição Federal ou os interesses da República. Onde estão os romances que tratam das questões
separatistas no Sul e no Nordeste do Brasil? A literatura, seja ela de cunho
regionalista ou não, obedece a um cânone quem nem sempre se remete a questões puramente
estéticas; pois, segundo Bordieu, é aceito pela academia aquele que diz o que a
academia quer ouvir. Há uma forma magnífica de triagem do que pode ou não ser
levado a público pelas grandes editoras. A Internet pode até ir contra essa
corrente, mas para que um texto escrito tenha o critério de validade aceito,
não basta ser lido, deve ser enquadrado como “merecedor” de ser lido. Dentro desse merecimento, a literatura que
representa o interesse do homem indígena fica sempre de fora.
Então,
o que o índio tem de fato a dizer é escamoteado por meio de um discurso imposto
pelo cânone. Por trás da alteridade, da valorização absoluta da democracia, há
uma postura que irradia um discurso dos grupos hegemônicos. Algo semelhante
está ocorrendo em alguns países do Oriente Médio. No Iraque, por exemplo, a
luta é para se implantar a democracia e todos os valores que advém dela em uma
população que ainda não entende, ou não quer entender, o que é uma democracia.
O mesmo ocorreu com o Japão pós-guerra, pois este país era um império e os
governos americanos investiram bilhões de dólares para que a população fosse
aos poucos perdendo o respeito profundo pela figura do imperador e passassem a
aceitar os valores ocidentais. Esse convencimento não pode ser considerado um
diálogo, é muito mais uma imposição.
3.
PÓS-COLONIALISMO E LINGUAGEM NA AMAZÔNIA
Nos
EUA as populações afro-descendentes foram uma das causas da guerra civil entre
sulistas e nortistas. O conflito entre os descendentes de europeus, de um lado,
e os descentes dos indígenas e africanos ainda existe, alimentado pelo
preconceito contra as migrações dos povos latinos. Há então, no campo
ideológico, uma tentativa de supressão da literatura, por exemplo, negra, em
prol de uma literatura mais branca. Contra
essa situação, os estudos literários e pós-coloniais têm surtido um efeito
benéfico.
Os
americanos, entretanto, ao menos os descendentes dos colonizadores, mantém a
postura de não negação de um traço fundamental de sua formação cultural, a
saber: a influência direta da cultura anglo-saxã. Os americanos superaram a
colonização externa aceitando que muito do que têm é graças aos esforços dos
ingleses. Ao invés de negarem o colonizador, aceitaram-no como fonte de saber
para, logo em seguida, superá-lo.
No
caso brasileiro, o povo nacional também é miscigenado, crioulo e pardo, e,
diferentemente dos espanhóis e ingleses, que exterminaram as populações
indígenas, o colonizador português mesclou-se às populações nativas, tanto que
não houve uma guerra civil por aqui nos moldes da norte-americana. Todavia, o
ranço ao colonizador persiste tanto pelos indígenas e afro-descendentes (o que
é justificável) como, também, pelos descendentes de portugueses. Como exemplo
dessa atitude, pode-se perceber que desde o Modernismo há uma tentativa de
diminuir a influência do português culto, que, bem ou mal, serviu como
instrumento fundamental para a unificação e manutenção do país. Critica-se a
gramática tradicional, afirma-se que há um “preconceito lingüístico” que impede
que as camadas mais pobres tenham voz. Mario
de Andrade, por exemplo, escreveu em um português coloquial e fez críticas aos
parnasianos pelo fato de estes usarem o idioma mais próximo do culto.
E
é aqui que está a grande diferença entre os colonos norte-americanos e os
brasileiros, pois os primeiros usam o inglês culto como ferramenta a ser
aprendida nas escolas, sendo a gramática tradicional instrumento fundamental de
aprendizado do idioma. No Brasil, alguns educadores propuseram “traduzir”
livros como O Capital, de Karl Marx, para variantes linguísticas tidas como
incultas pela padrão. Não se pode negar que é uma possibilidade a ser
experimentada, mas também se deve observar que essa “tradução” camufla a série
de erros que o sistema educacional brasileiro possui. Afinal, as classes médias
e altas põem seus filhos para aprenderem o português culto e, assim,
conseguirem os melhores empregos. Já aos filhos dos mais pobres lhes é ensinado
que a gramática tradicional é um elemento do colonizador para a manutenção do status quo, assim deixam de lhes ensinar
os elementos essenciais para a leitura e produção de textos e, com isso,
diminuem-lhes as chances de sucesso profissional e pessoal.
No
Brasil, a escola é vista, por muitos teóricos, como um “aparelho ideológico do
Estado”, e, por isso, passa a ser mais palco de todos os jogos políticos e menos
o de ensino da língua portuguesa culta. O resultado disso é a proliferação do
analfabetismo e consequentemente da subjugação dos povos que foram
marginalizados durante a colonização, pois estes ficam mais distantes do
linguajar culto falado pelas classes mais abastadas. Muitos educadores criticam
o livro didático pelo fato de ele não ter uma linguagem específica para cada
região, assim o livro didático para a Amazônia deveria ter a linguagem
coloquial típica das populações menos abastadas. O problema é que tais
educadores falam e escrevem no português culto e exigem de seus acadêmicos que
façam textos cada vez mais próximos do padrão de Portugal. O mercado de
trabalho exige o português culto, assim a escola passa a fazer um desserviço ao
não ensinar o português culto.
No Brasil, e principalmente na Região Norte, o
discurso é de que as classes sociais ricas detêm o monopólio do saber e não
querem dividi-lo com as outras. Entretanto, os ricos ou muito ricos da Amazônia
nem sempre são os detentores de um português culto ou de notório saber. Mas a
pobreza perdura, e os textos literários são escritos e analisados sempre colocando
como causa dessa situação o processo de colonização. Cada vez mais se extraem dos enredos
contemporâneos interpretações sobre a marginalização das personagens negras,
mulheres, indígenas, árabes etc.; e a culpa, dizem, é sempre do colonizador
brutal e arrogante. Pode até ser, mas pode ser que por trás desse discurso
pós-colonial haja algo mais, como a tentativa apaixonada de defesa e
conservação da Amazônia, de suas florestas, da cultura cabocla, dos mitos
locais e da ideia de que ela desapareça. Ora, talvez esse discurso ajude a
manter pobre o ex-colonizado, mesmo vivendo ele numa região potencialmente
rica. O discurso pós-colonial passa a impedir qualquer modificação no cenário
amazônico: a industrialização é combatida a ferro e fogo. A geração de riquezas
fica a critério daquilo que se convencionou chamar “desenvolvimento
sustentável”, que tenta manter a produção da forma como era no século XIX. O
progresso material é impedido e a culpa pela pobreza é da colonização, extinta há
quase duzentos anos...
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
O
discurso pós-colonial tem seu lado positivo, no momento em que faz com que
populações marginalizadas possam ter seus anseios ouvidos, ao menos nos textos
literários; no entanto, podem camuflar ideologias neocolonizadoras. As culturas
indígena e árabe, por exemplo, em diversos pontos, são vistas nos romances como
conflitantes com o modo de ser do homem ocidental. A forma como índios e árabes
se relacionam com suas mulheres, filhos e idosos pode ser vista como bárbara, o
que gera por vezes indignação e o desejo de ajudar as minorias políticas dessas
culturas a terem voz e se libertarem. Assim, o discurso democratizante passa a
ser quase uma cruzada pela moralização mundial. Todavia, por trás dessa
preocupação moral, pode haver interesses econômicos, pois havendo mais
liberdades e direito de escolhas entre os indivíduos árabes, por exemplo, a
possibilidade de eles serem dominados pelo discurso consumista aumenta.
Ocorrendo isso, não se permite que as outras culturas se democratizem por
escolha ou quando estiverem preparadas para isso, mas por uma pressão econômica
globalizante.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
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pós-coloniais. Mimeses. Bauru, v.9, n.1, p.07-23, 1998.
BOURDIEU,
Pierre. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo
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HATOUM, Milton. O arquiteto da
memória. Frankfurt: Revista Deutsche
Welle. 11 de outubro, 2004. (Entrevista concedida a Soraia Vilela).
Disponível em: <http://www.dw-world.de/dw/article/0,,1355392,00.html>.
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________. Escrever à margem
da história. Revista Mirandum –
coedição Mandruvá (Revista de Estudos Árabes da FFLCHUSP). Entrevista concedida
a Aida Ramezá Ranania. São Paulo 05. 11. 1993 Disponível em: <http://www.hottopos.com/collat6/milton1.
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GOMES
CARREIRA,
Shirley de Souza. A representação do
outro em tempos de pós-colonialismo: uma poética de descolonização literária. Revista
Eletrônica do Instituto de Humanidades. Vol. II, número VI, julho-setembro de
2003. http://unigranrio.com.br/letras/revista/index.html