Paulo Gerson Rodrigues Stefanello
(PG-UFGD)
Introdução
Aprender uma
segunda língua sempre foi alvo e o objeto de grandes paradoxos que cercam a
língua estrangeira, justamente por esta ser estrangeira, diferente, estranha à
nossa primeira língua, com a qual as informações trazidas pela segunda língua
serão comparadas e, então, assimiladas.
Sabendo que
quando aprendemos uma segunda língua, é porque de fato já temos uma primeira
internalizada e esta automaticamente é utilizada para melhor compreender a língua-alvo.
Fato é que causa certa estranheza a dificuldade diante do que a aprendizagem
segunda língua nos propicia, ainda mais porque associamos a aquisição da
primeira língua sem sequer ter adentrado o ambiente escolar para aprender
qualquer coisa a seu respeito. Revuz (1998) considera este fenômeno uma proeza,
em que o “filhote de homem” aprende uma língua num curto intervalo de tempo,
cresce, e torna-se incapaz de repetir esta façanha ao se propor uma segunda
língua.
Conhecidas as dificuldades, ao mencionarmos a vida
escolar, período em que geralmente as pessoas têm um contato mais aprofundado
com a língua estrangeira, os desafios estão presentes tanto no processo de
ensino, como no de aprendizagem, a forma como o professor conduz o ensino,
direciona a aula, o processo de cotidianalização
que ele propõe aos alunos, é que vão fazer com que estes demonstrem ou não algum
interesse pela aprendizagem, levando-os ao sucesso ou ao insucesso na língua
estrangeira.
Atualmente,
quando se fala em língua estrangeira moderna como disciplina da grade escolar,
fala-se consequentemente do inglês, do espanhol, ou de ambos. Este estudo irá
confrontar a visão do aprendiz sobre o processo de tentativa de aquisição de
duas línguas estrangeiras concomitantemente. Essa situação faz com que, a
partir do momento em que o aluno tem contato educacional com duas línguas
estrangeiras, ele tenha a possibilidade de aquisição de uma segunda e de uma
terceira língua. Mas qual destas línguas-alvo poderia ser a segunda língua,
podendo se sobressair sobre a outra, que ficaria, então, como a possível
terceira língua? De quê dependem tais delimitações? Vejamos isto analisando uma
turma de vinte e seis alunos do 1º ano do Ensino Médio de uma escola da rede
privada em Maracaju-MS.
1.
Aspectos motivacionais no processo de ensino/aprendizagem de LE
Diversos
são os conceitos de o que é o ensino e como ensinar uma língua estrangeira (LE),
mas é também válido pensarmos sobre a real utilidade dessa língua em momento
posterior à sua satisfatória aprendizagem, ou seja, pensar a língua como meio, como
mecanismo de uso para certo fim, não como o próprio fim.
Atentando-nos
às principais dificuldades sentidas pelos estudantes que convivem num contexto
de aprendizagem de língua inglesa e de língua espanhola, ambas com a mesma
carga horária semanal de 2 horas/aula, é possível apontar a posição do aluno
sobre tal processo: o inglês, ao ser comparado com o espanhol, é mais difícil
de ser aprendido por falantes de português brasileiro devido ao vocabulário
bastante distinto em relação à sua língua materna, que, por sua vez, é bastante
parecida com o vocabulário espanhol, o que torna a compreensão, a interpretação
e uso da língua menos difícil. Por outro lado, a estrutura
sintático-morfológica da língua inglesa é de compreensão e utilização mais
simples, quando comparada à da língua espanhola, vista pelos alunos com o mesmo
grau de dificuldade da língua portuguesa e, ainda pior, devido ao fato de ser
uma língua estrangeira.
A
semelhança existente entre o espanhol e o português é vista como positiva por Junger
(2005, p. 44), quando associada ao caráter motivador que ela apresenta sobre
falantes nativos de português:
Os pontos de contato (léxico e
estruturas morfossintáticas) entre o espanhol e português favorecem também uma
aproximação mais imediata ao idioma estrangeiro por parte de nossos alunos,
permitindo desde muito cedo o acesso a textos retirados de documentos de uso
cotidiano de hispano-falantes, com certo grau de complexidade. Isso pode gerar
com freqüência uma motivação extra para os aprendizes, que conseguem “fazer
coisas” com a língua aprendida ainda em estágios inicias da aprendizagem.
Dessa forma, a familiarização com o
espanhol, neste caso, pode ser vista como enriquecedora para o processo de
escolarização, uma vez que torna possível o acesso a informações externas às
habituais, como complementa Almeida Filho (2003, p. 31):
A aprendizagem de pelo menos uma
outra língua é de fato uma oportunidade única para nos livrarmos das limitações
que o monolinguismo impõe à formação de cidadãos cultos e preparados para a
vida contemporânea. O ensino de línguas nas escolas, contudo, pode conter
grandes equívocos ou constituir-se em práticas inócuas mesmo quando ativas,
leves e lúdicas.
A escola, por ser normalmente o
primeiro ambiente que proporciona maior contato discursivo com a(s) língua(s)
estrangeira(s) é, além de fundamental para o desenvolvimento das competências
lingüísticas do aluno, decisiva para que este educando sinta-se motivado ou
pense a língua estrangeira como irrelevante para si.
Tal familiarização com uma LE pode
estar intimamente relacionada ao objetivo do aprendiz, ao desejo do mesmo sobre
o domínio de tal ferramenta, à consciência dessa competência em sua vida, ou
seja, aspectos motivadores são indispensáveis para o aluno. Brown (2001) nos
faz entender que o contato com o inglês em fase escolar da vida humana faz com
que as potencialidades individuais sejam aprimoradas ao ponto de fazer parte de
um trabalho coletivo que envolva a língua alvo, graças a uma “carga” de
segurança, a uma autonomia estimulada, com a qual o aprendiz percebe que
partindo de suas próprias competências, é capaz de intervir no meio ao que
pertence.
É possível percebermos, então, que
para o aprendiz, especialmente aquele em idade escolar, aprender uma língua
estrangeira requer, entre outros fatores, aspectos motivadores que circundam
todos os envolvidos no processo de ensino/aprendizagem: o aluno precisa ser
motivado pelo professor e também por ele próprio, precisa atuar como paciente e
agente da LE. Tratemos, então, como afirmado no primeiro parágrafo deste item,
a língua como meio, como mecanismo para a realização ou para a compreensão de
algo.
2.
Metodologia utilizada na pesquisa
O estudo teve como objetivo central
equiparar os níveis de motivação e/ou de interesse por parte dos alunos do 1º
ano do Ensino Médio de uma escola da rede privada de ensino localizada em
Maracaju-MS, para com a aprendizagem da língua inglesa e da língua espanhola,
visto que ambas as disciplinas compõem a grade curricular da referida escola,
com mesma carga horária semanal de 2 horas/aula.
Em momento inicial, 20 alunos
assistiram a um vídeo que apresentava informações básicas sobre os idiomas
inglês e espanhol, tais como a quantidade aproximada de falantes e estudantes,
os países em que tais idiomas são tidos como oficiais e como estes idiomas são
vistos no âmbito profissional, ou seja, qual a importância dada por grandes empregadores
de diversas áreas profissionais a essas duas línguas, que são hoje as que somam
maior número de falantes no mundo.
Como primeira avaliação prática, foi
solicitado que os alunos redigissem um texto de até vinte linhas, no qual
expusessem os pontos que considerasse mais e menos importantes de cada uma das línguas estrangeiras, em
contexto pessoal; qual das línguas trabalhadas era mais presente no dia-a-dia
do aluno e qual delas era mais utilizada por ele próprio em situações inúmeras.
Esperava-se nesta fase da pesquisa, que os textos solicitados expressassem
maior presença da língua inglesa e, em virtude disso, que o inglês fosse mais
frequentemente utilizado pelos alunos em contextos extra-classe.
Entregues os textos, foi efetuada a
coleta dos dados que respondessem as questões previamente propostas, juntamente
às justificadas colocadas por cada aluno, vindo, assim, a fundamentar as
respostas dadas. Partindo das opiniões apresentadas, foi proposto um debate em
que os próprios alunos confrontaram seus pontos de vista e chegassem a novas
propostas de motivação lingüística, especialmente no tocante às novas
tecnologias e possibilidades já existentes, como a leitura de contos na
língua-alvo; jogos de tabuleiro com vocabulário da língua-alvo, reconhecidos
por proporcionarem maior interação entre os participantes; em relação a jogos
eletrônicos, e ainda um trabalho em que os alunos trocariam cartas escritas na
língua-alvo, podendo exercer a LE em prática escrita e analisar a prática
exercida pelos colegas com o mesmo nivelamento aproximado, iniciando assim uma
interferência no meio em que está inserido.
3.
Resultados alcançados
De modo a verificar os aspectos de
motivação pelos quais passam os indivíduos estudados, pôde-se perceber que o
aspecto educacional da língua estrangeira segue de maneira unificada à
representatividade cultural de cada língua. Ao tomarmos o inglês, por exemplo, como a
língua mais falada no mundo atualmente, e pensarmos na Inglaterra e nos Estados
Unidos como as duas principais potências de representatividade da língua
inglesa, faz com que o monolingue em inglês sinta-se satisfeito em conhecer
apenas sua língua materna, visão considerada perigosa por Harford (1968) apud Celani
(2004) ao inferir que “nós (os
ingleses) teremos de aceitar o fato de que ser monolíngue em inglês é ser semi-educado”.
Contudo, retornando ao contexto do
estudo, percebemos que grande parte dos textos escritos pelos alunos (17
alunos, o que representa 85%) expuseram o inglês como a língua predominante no
dia-a-dia de cada um, mesmo porque é a língua presente em grande quantidade das
músicas, dos filmes, dos seriados televisivos e dos jogos eletrônicos com os
quais os alunos se envolvem corriqueiramente.
Em relação aos mesmos itens de entretenimento exemplificados, foi apontado
que o espanhol também se faz presente, mas não naqueles (filmes, músicas, jogos
e outros) que os atraem. Ou seja, percebe-se, subjetivamente, maior controle do
mercado mundial de entretenimento por parte dos países de língua inglesa sobre
os países de língua espanhola, fazendo com que o espanhol esteja menos presente
na vida e nas relações interpessoais de nossos adolescentes.
Outra posição percebida foi a de que
o inglês, apesar de ter maior envolvimento com a vida fora do contexto escolar
dos alunos, é menos utilizado por eles em situações de informalidade ou de descontração.
Tendo em vista a grande diferença vocabular entre o inglês e o português e
tendo acesso ao estudo da língua espanhola, gera um panorama não imaginado no
início da pesquisa: para situações cômicas, de diálogos informais com tentativa
de demonstrar graça sobre algo, os alunos dão preferência ao espanhol, para que
o algo-a-ser-dito possa ser mais facilmente compreendido devido à semelhança
com o português.
A respeito do objetivo da
aprendizagem de idiomas, do ”por que” e “para que” aprender uma LE, pôde ser
observado uma posição não suficientemente coerente sobre uma visão clara de
mundo, de estabilidade de vida, de amplitude do conhecimento pessoal e social
que a vivência de uma LE proporciona. Os alunos que afirmaram estudar inglês e
espanhol por estas serem disciplinas obrigatórias da escola, e que, também em
virtude do ainda pequeno conhecimento mundano a que estão atrelados, dizem frequentar
a escola por imposição dos pais, totaliza 30% (seis alunos) dos indivíduos
envolvidos na pesquisa. Em se tratando de optar entre uma das duas disciplinas
oferecidas (caso fosse este o sistema educacional imposto a eles), verificou-se
que 70% (catorze) dos alunos optariam por fazer parte da grade curricular
apenas a oferta de língua inglesa, em razão tanto dos motivos citados anteriormente
como também de uma impressão superficial em que falar a língua espanhola
corresponde a levá-la a um estado cômico, enquanto falar a língua inglesa é
sinônimo de aumento de status.
Conclusões
A
importância em aprender uma segunda língua já é uma antiga discussão em que os
diversos pontos de vista de renomados estudiosos do assunto se fizeram e se
farão relevantes por tempo indeterminado, são então indiscutíveis os benefícios
que o conhecimento de uma L2 proporciona ao indivíduo que a tem internalizada.
Sabe-se,
também, que o local de primeiro contato racionalizado com a língua estrangeira
é o ambiente escolar, onde o professor é a principal figura responsável pelo
sucesso ou pelo insucesso do aprendiz, sendo motivador para o aluno e fazendo
com o que o mesmo seja auto-motivador em relação à LE com a qual está em
contato.
Percebeu-se,
com a realização deste estudo, que alunos do 1º ano do Ensino Médio de uma
escola da rede privada, submetidos a uma grade curricular que prevê as línguas
espanhola e inglesa, ministradas pelo mesmo professor, sob as mesmas
metodologias e competências comunicativas, demonstraram, a partir de textos e
discussões em sala de aula, maior interesse sobre a língua inglesa, devido a
esta apresentar-se com maior intensidade e mais frequentemente em situações do
cotidiano dos adolescentes, como em jogos eletrônicos, filmes, músicas e
estrangeirismos de uso popular e informal. Verificou-se também que, quando
equiparadas, a aprendizagem da língua espanhola em nível gramatical parece mais
complexa em relação à da língua inglesa, porém o real motivo do pouco uso do
espanhol pelos estudantes se dá em virtude de sua pouca presença na vida
cotidiana.
Quando
questionados a respeito do motivo pelo qual tais indivíduos aprendem as línguas
estrangeiras, foi observado que 30% destes, apenas se dispõem a aprendê-las,
uma vez que pertencem à sua grade curricular, ou seja, não sendo obrigatórias, as
línguas estrangeiras modernas não exerceriam também interesse sobre esse grupo.
Podemos
concluir, por fim, de modo a responder uma indagação introdutória do estudo
acerca de qual dos idiomas poderíamos considerar como sendo L2 e L3,
respectivamente, baseando-se no contexto de ensino de inglês e de espanhol sob
as mesmas condições e para o mesmo grupo discente, que a língua-alvo inglês é o
idioma pode ser equivalente à L2 dos alunos, não devido à maior influência das aulas
ministradas, mas sim graças a uma série de aspectos culturais que os envolvem
de maneira mais intensa do que a língua espanhola, que no âmbito deste estudo,
é considerada como língua-alvo L3.
Referências
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