Geraldo Generoso
Ferreira
(Mestre em
Linguística Aplicada pela Unitau)
RESUMO: O presente trabalho busca analisar uma
matriz curricular do curso de Letras com habilitação em Língua Estrangeira ,
de uma universidade pública do estado de Minas Gerais, observando em quais
aspectos as disciplinas oferecidas proporcionam uma base formadora de cunho
crítico-reflexivo. Metodologicamente, fizemos um levantamento das disciplinas
que contemplam a formação em LE, juntamente com suas respectivas ementas,
analisando-as, com vistas à literatura da área de formação docente de base
crítico-reflexiva, dentro do quadro teórico da Linguística Aplicada. Como
referencial, buscamos estudos que pontuam necessidade da formação de docentes
capazes de se debruçarem sobre sua prática, entendendo a linguagem como
instrumento mediador e propulsor das interações sociais na sala de aula. Os
resultados apontam para a necessidade de as universidades, como um dos espaços
de formação, repensarem seus currículos de línguas, privilegiando a formação de
um profissional crítico e reflexivo instrumentalizado para agir sobre sua
prática.
Palavras-chave:
formação docente; matriz curricular; formação crítico-reflexiva.
ABSTRACT: This paper aims to analyze a
linguistics course curriculum in second language of a
public university from the state of
Minas Gerais, noting
what aspects about the subjects offered by the course provide a basis
critical and reflective teachers education. Methodologically, we pointed out the subjects related to second language, along
with their respective notes, analyzing
them according with teacher training basic critical-reflexive
studies, within the theoretical framework of Applied Linguistics. As reference, we pointed out studies that punctuate the
need for teachers’ formation capable of focusing on their practice,
understanding the language as a mediator
instrument and a driver of
social interactions in the classroom.
The results pointed to the need for the
universities, as a training place,
to rethink their language curricula,
in order to provide professionals a critical
and reflective formation view.
Keywords: teacher training; curriculum;
critical-reflexive formation.
1. INTRODUÇÃO
Como
se sabe, muitas têm sido as discussões sobre a formação de professores de
línguas nos últimos anos. Trabalhos variados têm suscitado pesquisas sob
diferentes enfoques numa tentativa de balizar esses profissionais para uma
prática que contemple as necessidades do mundo contemporâneo globalizado e
tecnologicamente em avanço.
Nessa
perspectiva, a formação contínua de docentes torna-se algo imprescindível, uma
vez que a escola, como parte integrante dessa sociedade em transformação, deve contribuir
e participar como agente fundamental nas relações sociais que se estabelecem na
atualidade.
Nesse
contexto, a linguagem, aqui entendida como prática discursiva, exerce um papel
primordial nas relações de ensino aprendizagem e exige do professor de línguas
uma postura consciente de que sua prática pode e deve contribuir para
instrumentalizar os indivíduos na
compreensão e ação sobre o mundo em transformação.
Assim,
torna-se importante uma formação pré-serviço que estimule e destaque uma
postura crítica e reflexiva sobre o mundo e, principalmente, sobre o seu agir
como profissional futuro da área de estudos da linguagem. Sabemos que o
processo de formação crítico-reflexiva não depende apenas da academia, como
espaço de formação, trata-se de um processo mais amplo, e que requer uma
continuidade. Porém, acreditamos em tal etapa de formação tem papel decisivo e
norteador de toda uma prática que se estabelecerá ao longo de sua vida
profissional.
No
tópico seguinte discutimos esse modo de formação e suas implicações na
atualidade.
A
análise do processo de formação no ambiente pré-serviço, a academia, e a
reflexão sobre o que é ofertado em termos de conhecimentos práticos e teóricos
aos alunos, torna-se algo imprescindível para uma formação de qualidade e,
consequentemente, para o aprimoramento da prática docente.
Como
observa Celani (2003), há uma visão equivocada em muitas universidades sobre o
que significa ensinar uma língua estrangeira. A autora afirma que é regra, em
muitas delas, uma atenção desequilibrada para os aspectos puramente teóricos do
ensino, ou para seus aspectos puramente técnicos, o que reflete na prática
docente após este momento de formação. Por isso, é comum nas escolas
encontrarmos professores que não conseguem aliar a teoria e prática, deixando
sempre uma lacuna entre estas, ora privilegiando uma, ora privilegiando outra.
Moita
Lopes (1996) também aponta essa lacuna no ensino da linguagem e observa a falta
de uma base teórica explícita para lidar com o uso da linguagem:
Embora
os cursos de formação de professores de línguas variem no que se refere à
ênfase que colocam em um tipo de competência ou em outra devido a uma série de
fatores (estafe especializado disponível, carga horária dos cursos etc.),
igualmente se ressentem de uma base teórica explícita sobre os processos de uso
da linguagem dentro e fora da sala de aula. Ou seja, a formação que os
professores recebem não lhes permite fazer escolhas sobre o que e como e o
porque ensinar que sejam informados teoricamente. (MOITA LOPES, 1996, p. 179)
Assim
cria-se no sistema de ensino um ciclo de alienação da prática pedagógica, em
que os professores instauram se como meros reprodutores de práticas
desconhecidas e sem um significado tanto para eles quanto para seus alunos.
Schön
(1992) é outro autor que salienta o descompasso na academia entre o ensino e a
sua prática. Ele aponta que, na maioria das universidades, o estágio prático só
é oferecido no final do curso, o que nega ao professor-aluno a oportunidade de
vivenciar a prática ao longo de sua formação teórica.
Em
se tratando do professor de Língua Estrangeira, doravante LE, tais questões são
ainda agravadas quando pensamos na postura crítica e reflexiva que este
profissional deveria receber durante o período de formação acadêmica, para que,
com base nessa, ele pudesse construir, ao longo de sua carreira, um hábito
contínuo (ou uma cultura) de reflexão sobre sua prática em sala de aula.
Sabemos,
contudo, da existência de profissionais que, mesmo sem receber essa formação,
tem no seu dia-a-dia, de forma intuitiva, o costume de se debruçar sobre sua
prática, o que é mérito. Todavia,
Horikawa (2004), analisando o processo reflexivo na atividade docente, observa
que:
A questão que se coloca é que o professor constrói
e reconstrói esse saber num processo empírico, para atender as necessidades
práticas imediatas, sem uma investigação mais metódica e uma consequente
sistematização desse saber. A proposta de reflexão é elaborada no objetivo de
preencher essa lacuna. O processo reflexivo consiste na análise da prática do
professor a fim de se buscar a compreensão das formas pelas quais ele enfrenta
a complexidade da sala de aula, utiliza as ferramentas teóricas e reconstrói
estratégias, procedimentos e recursos (HORIKAWA, 2004, p.123).
Tendo
em vista as considerações da autora acima, ressaltamos, no presente trabalho, o
papel e a importância das universidades em oportunizar em seus currículos a
formação reflexiva dos profissionais no tocante ao ensino de LE. Tal postulação,
entretanto, requer uma mudança no sistema educacional como um todo, mas
partindo principalmente do ambiente pré-serviço.
Fullan
e Hargreaves (1999) consideram que
uma reforma no sistema educacional bem-sucedida deve contemplar mudança nas
formas como são criados os espaços para que os professores redefinam suas
identidades, o que implica dentre outras coisas um repensar no currículo. Para a autora:
é
necessário o desenvolvimento de metas inspiradoras e de visões para ensino e
aprendizagem, que possam ser expressas através do currículo e de quadros
instrucionais, e do desenvolvimento de tecnologia de avaliação correspondente (FULLAN; HARGREAVES, 1999, p.133).
Acreditamos,
sobretudo, que o currículo deve contemplar a linguagem em sua complexidade
discursiva, conforme os estudos em Linguística Aplicada têm postulado, como
mediadora das interações sociais que se estabelecem nas práticas discursivas em
sala de aula. Acreditamos ainda que, aí
está o grande problema nos espaços de formação pré–serviço: a concepção de
linguagem num enfoque puramente estruturalista, o que dificulta a criação de
currículos de base crítico-reflexiva.
Magalhães
(2004), analisando o enfoque recebido pela linguagem nos contextos de formação,
pontua a dificuldade dos participantes em desconstruir representações
tradicionais devido ao conceito estruturalista atribuído à linguagem:
[...]
os modos como a linguagem vem sendo enfocada nos contextos de formação nem sempre
possibilitam aos participantes a desconstrução de representações tradicionais
que tem uma sólida base em uma pedagogia que entende ensino-aprendizagem como
transmissão e devolução de conhecimentos e está apoiada em um conceito
estruturalista de linguagem (MAGALHÃES,
2004, p. 61).
Portanto,
a universidade, como lugar de formação pré–serviço, tem uma função importante
no despertar da consciência daquele que exercerá seu papel docente com maior ou
menor grau de reflexão e criticidade, como consequência da visão de linguagem
construída na sua formação. Por isso, a necessidade de se repensar o que é
ensinado e como é ensinado, em termos de conteúdos, ao futuro professor de
línguas, tendo em vista uma matriz curricular que considere a linguagem a partir
do seu caráter sociodiscursivo e interacional não só em sua gênese, mas também
no âmbito da educação, do ensino e, principalmente, no ensino-aprendizagem de
línguas.
Para
tanto, faz-se necessária a adoção de uma postura crítico-reflexiva pela
academia, na construção do conhecimento.
Muitas
são as questões, como vimos, que envolvem a constituição de uma identidade
crítico-reflexiva no ambiente pré-serviço. Mas afinal, o que seria então uma
postura crítica do educador? Magalhães
(2004), retomando os conceitos de Kemmis e Smyth (1987), define o conceito de
reflexão crítica como uma investigação e crítica do agente, não só sobre suas
práticas, mas também sobre as estruturas institucionais em que essas práticas
estão inseridas, ou seja, entender a localização do contexto social e político
e confrontá-lo com um contexto da tradição.
Observa-se
nessa concepção a abrangência de tal processo, não se restringindo apenas à
prática docente na sala de aula, mas a uma estrutura social, cultural, política
e, consequentemente, ideológica, já que esses aspectos permeiam os sujeitos
envolvidos no processo.
Todavia,
Magalhães (1990), dentre outros autores, salienta que esse processo
autorreflexivo raramente acontece nas escolas:
[...]
para o professor, a compreensão crítica, o questionamento e a transformação das
crenças e valores que dão forma à sua ação não é tarefa fácil em virtude do
isolamento, da falta de conhecimento sobre a teoria e ou sobre como relacionar
a teoria e prática, e da complexidade que caracteriza a sala de aula, onde
inúmeras variáveis convivem simultaneamente e dificultam uma ação reflexiva
(MAGALHAES, 1990, apud Celani, 2003, p. 26).
A
dificuldade acima apontada demonstra, mais uma vez, a necessidade de se
repensar a escola de forma mais abrangente como espaço de construções
sociodiscursivas que orientam toda uma prática e que é também perpassada por
outras práticas de cunho histórico, social, cultural e necessariamente,
ideológico.
Torna-se
necessário ainda observar o conceito de reflexão, e aqui reportamos a Van Manem
(1977), citado por Liberali (2004), que aponta a existência de três níveis de
reflexão: a técnica, a prática e a crítica.
Na
reflexão técnica o educador estaria preocupado primeiramente em alcançar os
objetivos estabelecidos e decididos por outros. Já na reflexão prática, o
educador consideraria as justificativas educacionais para suas ações e a
qualidade dos objetivos alcançados. Por fim, na concepção crítica, o educador
ocupar-se-ia das implicações éticas e morais de suas ações dos arranjos
institucionais dos quais faz parte.
Liberali
(2004) aponta ainda as considerações de Smyth (1992) que propõe um trabalho
crítico-reflexivo pautado em quatro formas de ação: descrever, informar,
confrontar e reconstruir. Essas formas ajudariam o professor a distanciar de
sua prática, analisando-a de maneira mais sistematizada, ao mesmo tempo em que
o permitiria visualizar as contradições e os conflitos gerados em busca de uma
reorientação dessa prática.
Partindo
dessas considerações, buscamos compreender em que sentido os currículos de LE
têm sido organizados de modo a contemplar tal processo. Nosso trabalho
baseia-se na análise de ementas de matrizes curriculares de cursos de Letras
com habilitação em LE, observando nesses documentos institucionais a existência
de traços linguísticos que apontem ou não para uma oferta de disciplinas de LE
a partir de uma abordagem crítico-reflexiva de ensino.
A
análise da matriz curricular por meio das ementas nela contida foi o
procedimento escolhido para verificação do que está sendo ensinado no curso de
formação em LE. Contudo ,
queremos fazer aqui algumas considerações sobre este procedimento.
Sabemos
que, em alguns casos, a ementa pode não corresponder, exatamente, ao que cada
professor trabalha em sala de aula, mas como documento oficial descritivo e
prescritivo sobre as disciplinas, podemos dizer que ela é concebida, de certa
forma, dentro de uma concepção de ensino e aprendizagem caracterizada pela
instituição formadora. Outro fator importante a ser ressaltado é o fato de esse
documento ser de acesso irrestrito, disponível na página eletrônica da
instituição.
Sabemos
ainda que outros documentos de caráter prescritivo incidem sobre a forma de
ensinar como, por exemplo, o plano de curso, entretanto, esse documento não é
disponibilizado pela instituição de forma pública. Assim, optamos em analisar
um texto que fosse de fácil acesso a qualquer leitor e que delineasse, em certa
medida, o processo de ensino e aprendizagem que é adotado pela instituição
formadora.
A escolha desse tipo de análise deu-se,
sobretudo, pela necessidade de observarmos a ementa como um gênero textual
propulsor de fatos sociais e, por conseguinte, de ações sociais. Pontua-se
também que os pressupostos teóricos, como já vimos, aqui aplicados na análise
das ementas, são norteados pela Linguística Aplicada.
A
grade curricular em análise é do curso de Letras com licenciatura em
Português/Espanhol, de uma Universidade Federal do Estado de Minas Gerais. Em
seguida, tem-se a análise da grade que, por questões metodológicas, foi
dividida em três partes, considerando apenas as disciplinas relacionadas à LE.
Na categorização abaixo, buscamos observar as relações existentes entre as
disciplinas, e posteriormente foram divididas em três grandes blocos, a saber:
Teorias Linguísticas, Ensino de LE, Práticas de Ensino de LE,
Em
teorias linguísticas agrupamos todas as disciplinas referentes aos estudos
linguísticos de forma geral. Já em ensino de LE, temos as disciplinas voltadas
para o ensino especifico da habilitação. E em práticas de ensino em LE,
agrupamos as disciplinas relacionadas aos estágios curriculares, teórico e
prático, dessa habilitação.
5.
ANÁLISE DOS DADOS
5.1 Teorias Linguísticas
Disciplina
|
Carga Horária
|
Período
|
Ementa
|
Linguística I
|
60h
|
1º
|
Estudos linguísticos referentes à primeira metade do século XX,
englobando estruturalismo europeu e norte-americano com ênfase na morfologia
e fonologia em perspectiva teórica e de prática analítica.
|
Linguística
II
|
60h
|
2º
|
Estudos linguísticos referentes à segunda metade do século XX,
englobando gerativismo e funcionalismo, com ênfase na sintaxe e semântica em
perspectiva teórica e de prática analítica.
|
Quadro 1 – Disciplinas relacionadas
às teorias linguísticas em geral
No
que se refere às disciplinas do segmento Teorias linguísticas I e II,
percebemos uma visão panorâmica do século XX, dividindo a primeira metade do
século, abordando a morfologia e a fonologia, e a segunda metade do século,
abordando a sintaxe e a semântica. Neste
segmento, não são contemplados os desdobramentos importantes e cruciais
ocorridos nessa área de estudo, a partir da segunda metade do século XX em que
os estudos linguísticos passam a observar a linguagem como fenômeno discursivo
em diversas vertentes.
Esta
lacuna poderá implicar em duas questões básicas e decisivas na postura que o
aluno-professor poderá adotar durante seu período de formação pré-serviço e
posteriormente a ela.
Primeiro,
uma visão reducionista de língua como sistema estruturado de signos. Tal
postura, de certa forma, não o possibilitará a compreensão dos fenômenos
linguísticos dinâmicos e variáveis que acontecem no interior de uma língua e,
principalmente, as relações que eles estabelecem com os usuários que a compartilham,
como instrumento de comunicação e ação sobre o mundo.
Segundo,
tal lacuna teórica não permite ao aluno refletir sobre sua prática como futuro
professor de línguas sobre as possibilidades teóricas e práticas de se ensinar
e aprender línguas, bem como os fatores que podem contribuir e ou interferir
neste processo de ensino e de aprendizagem. Sobretudo, dificuldades no que se
refere às relações sociais de interação constituídas como parte do processo de
ensino em geral.
Portanto,
ressaltamos a necessidade de o professor de línguas conhecer as diferentes
teorias referentes à linguagem para que delas façam instrumentos básicos na
vida profissional tanto na teoria como na prática, sejam estes
instrumentos para construir,
desconstruir e ou reorientar a sua prática pedagógica como aluno-professor,
mas, principalmente, como futuro professor em serviço.
Em
seguida, passamos para a análise das disciplinas contidas no bloco denominado
de Ensino de LE, no qual observamos como as disciplinas específicas de LE são estruturadas
em termos de conteúdo a ser ensinado.
5.2
Ensino de LE
Disciplina
|
Carga Horária
|
Período
|
Ementa
|
Fonética e Fonologia do Espanhol
|
60h
|
1º
|
Estudo dos sistemas fonético e fonológico da língua espanhola.
Aspectos da fonética articulatória. O aparelho fonador. Classificação
articulatória dos sons da linguagem. Aspectos da fonética acústica e
perceptiva. A onda sonora. A ressonância. Identificação de unidades fônicas.
Fonema, alofone, traços fônicos. Oposição fonológica. Fonética e fonologia do
sistema vocálico espanhol. Diferenciação consoante/ vogal. Fonemas vocálicos.
Realização dos fonemas vocálicos. Classificação articulatória das vogais.
Definição e distribuição dos fonemas vocálicos. Grupos vocálicos. As
consoantes do espanhol. Classificação das consoantes do espanhol. Traços
articulatórios na descrição das consoantes. A sílaba. Estrutura da sílaba.
Características da sílaba em espanhol e tipos de sílaba. Divisão silábica
|
EspanhoI I
|
60h
|
2º
|
A língua espanhola no mundo. Variação e mudança da língua espanhola.
Elementos de história da língua espanhola. Diferenças morfo-sintáticas que
oferecem graus de dificuldade ao lusofalante e a questão das interferências.
Estudo e desenvolvimento das quatro habilidades linguísticas. Práticas
comunicativas de compreensão e produção oral em língua espanhola em contextos
significativos. Perguntar e dar opiniões pessoais. Estratégias
argumentativas. Abordagem dos registros culto e coloquial e de aspectos culturais
do universo hispânico.
|
EspanhoI II
|
60h
|
3º
|
Classe, estrutura e formação de palavras em língua espanhola. Formação
do vocabulário espanhol. Sentenças. Parágrafos. Morfologia e palavra.
Formação do vocabulário espanhol. Processos de criação lexical e a
identificação das unidades lexicais. Estudo de palavras simples, palavras
complexas, formas presas, formas livres, formas dependentes, morfema,
alomorfias, radicais, afixos, propriedades combinatórias, ordenação,
paradigmas, relações lexicais, classes abertas, classes fechadas e funções.
Práticas e exercícios.
|
EspanhoI III
|
60h
|
4º
|
Introdução à Gramática. Elementos de Morfossintaxe. Sintagma nominal e
sintagma verbal. Organização e constituição da frase. A importância do verbo
na seleção de argumentos. Palavras variáveis ou flexíveis: substantivos,
adjetivos, numerais, pronomes, artigos e verbos. Palavras invariáveis ou
inflexivas: advérbios, preposições, conjunções e interjeições. Os pronomes
pessoais, possessivos, demonstrativos, indefinidos e relativos: seu
reconhecimento e função. Classes verbais: paradigma dos verbos auxiliares e
regulares em todos os tempos simples; verbos compostos e paradigma da
conjugação irregular. Práticas e exercícios
|
EspanhoI IV
|
60h
|
5º
|
Estratégias de leitura. Leitura intensiva e extensiva. Dificuldades e
problemas de leitura e de língua. Práticas de leitura e produção de textos.
Gênero e leitura. Estrutura do texto. Tipos de texto. Práticas e exercícios.
|
EspanhoI V
|
60h
|
6º
|
Aperfeiçoamento da competência comunicativa em língua espanhola,
especialmente das habilidades de compreensão e produção oral e escrita,
através de atividades de prática comunicativa e de laboratório de língua e
multimídia. Ênfase na correção de desvios persistentes na produção em língua
espanhola (em todos os níveis: ortografia, pronúncia, morfossintaxe, léxico).
|
Quadro 2 – Disciplinas relacionadas
ao ensino de LE
Observando
a ementa da disciplina fonética e fonologia do Espanhol, nota-se nesta a falta
de uma contextualização sócio-histórica, a priori, para a inserção dos temas a
serem abordados, ou seja, a parte estrutural do sistema fonético e fonológico
da Língua espanhola.
Assim
tais elementos são ensinados fora de um contexto social que constituiu língua em aprendizagem. Não
se tem uma abordagem diacrônica que explique as mudanças nem as variações
sofridas pela língua que impliquem na sua organização fonética e fonológica
como se configura na atualidade. Essa lacuna impede que o professor-aluno
entenda e reflita que os aspectos fonéticos e fonológicos de uma determinada
língua, em um determinado momento histórico estão ligados diretamente aos seus
usuários e as suas escolhas linguísticas que esses realizam ao longo de suas
vidas.
No
que se refere às ementas as disciplinas de Espanhol I, II, III observa-se o
enfoque de uma visão, de certo modo, estruturalista da língua como sistema de
comunicação. Tem-se, mais uma vez, uma análise de cunho morfológico e
sintático, ignorando, a princípio, os sujeitos envolvidos neste processo. Todavia, em Espanhol I são expostos temas como “A língua
espanhola no mundo. Variação e mudança da língua espanhola. Abordagem dos registros culto e coloquial e de
aspectos culturais do universo hispânico”. Nesta parte, pode ser visualizada uma abertura de
reflexão sobre contextualizações do uso e do usuário, o que não ocorrerá nas
demais disciplinas do mesmo grupo.
Apesar de a disciplina denominada
Espanhol I buscar uma aproximação com a contextualização da língua e dos
usuários, o que não foi contemplado nas disciplinas do mesmo agrupamento, a
visão de língua em termos meramente estruturais permanece ainda, de certa
forma, arraigada.
O
tópico: “diferenças morfossintáticas que oferecem graus de dificuldade ao
lusofalante e a questão das interferências” faz-nos presumir, a princípio, que
a dificuldade do falante estaria na compreensão dos aspectos morfossintáticos
da língua, ou seja, na sua organização como estrutura morfológica e sintática e
não como questões relativas ao falante como, por exemplo, seus conhecimentos
linguísticos, culturais e sociais envolvidos no processo de aquisição da língua
alvo.
Pelo
contrário, o termo “questões das interferências” corrobora para nossa
interpretação, já que essas interferências se configuram como algo fora do
processo de comunicação. Assim, aquisição da língua seria algo estável,
enquanto processo de comunicação entre os falantes e as dificuldades
apresentadas estariam, apenas, no nível de compreensão da estrutura
morfossintática e das interferências externas ao processo comunicativo.
Observa-se
também que, nestas disciplinas não se menciona a palavra “discurso” incorporada
aos tópicos abordados, o que reforça nosso entendimento de que, até aqui, a
língua é considerada apenas como um conjunto de signos estruturados. Omitindo,
mais uma vez, a menção do contexto sociocultural que a perpassa, bem como dos
sujeitos que dela fazem uso e que também o compõe em termos contextuais.
A
disciplina Espanhol IV, todavia, curiosamente, apresenta uma organização
ementária diferente das até aqui analisadas. Pela primeira vez, nos defrontamos
com termos como “leitura”, “gênero”, “estrutura do texto”, “tipos de texto”,
etc, o que nos leva a acreditar que tais tópicos são explorados nesta
disciplina.
Contudo,
essa é ofertada no 5º período do curso, ou seja, exatamente no meio do curso,
não sendo explicitado, nas ementas anteriores, e em nenhum outro momento da
formação tais termos, o que não quer dizer que não foram trabalhados, mas como
já dissemos, em outros momentos, estamos interessados em analisar o que, de
propostas visíveis, as ementas nos oferecem como tópicos observáveis para nosso
estudo.
Devemos
relembrar que, como também vimos, nas disciplinas que compõem o quadro Teorias
linguísticas, suas ementas não contemplam as teorias sobre texto e discurso
aqui identificados. Dessa forma, estaríamos diante de uma disciplina
teoricamente, aplicada, mas descontextualizada, didaticamente, em termos de
sequência na oferta das disciplinas, não possibilitando ao aluno-professor um
ambiente teórico em que esse possa fazer uma relação de continuidade ou de
ruptura com os conhecimentos construídos neste momento da aprendizagem.
Quanto
à questão das competências, para autores como Gimenez (2002) e Basso (2001),
essa estaria relacionada diretamente ao que chamam de competências
sociocultural e ou intercultural que os docentes deveriam empregar em suas
aulas de ensino de línguas. Ou seja, analisar o ambiente cultural de seus
alunos para que, de posse desses elementos, possa-se interagir ao longo as
fronteiras culturais e prever mal entendidos decorrentes de diferenças em
valores, significados e crenças. Como vimos, tais aspectos não são mencionados
na ementa.
5.3
Práticas de Ensino de Língua Espanhola
Disciplina
|
Carga Horária
|
Período
|
Ementa
|
Laboratório de ensino de Espanhol
|
60h
|
7º
|
O ensino de língua espanhola no ensino fundamental. Diretrizes Curriculares
Nacionais para o ensino fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais para o
ensino de língua estrangeira no ensino fundamental. Justificativas,
objetivos, métodos e técnicas de ensino de língua espanhola no ensino
fundamental. O ensino da língua espanhola no ensino médio. Diretrizes
Curriculares Nacionais para o ensino médio. Parâmetros Curriculares Nacionais
para o ensino de língua estrangeira no ensino médio. Justificativas,
objetivos, métodos e técnicas de ensino de língua espanhola no ensino médio.
|
Laboratório de ensino de Espanhol
|
60h
|
8º
|
O ensino de língua espanhola no ensino fundamental. Diretrizes
Curriculares Nacionais para o ensino fundamental. Parâmetros Curriculares
Nacionais para o ensino de língua estrangeira no ensino fundamental.
Justificativas, objetivos, métodos e técnicas de ensino de língua espanhola
no ensino fundamental. O ensino da língua espanhola no ensino médio.
Diretrizes Curriculares Nacionais para o ensino médio. Parâmetros
Curriculares Nacionais para o ensino de língua estrangeira no ensino médio.
Justificativas, objetivos, métodos e técnicas de ensino de língua espanhola
no ensino médio.
|
Laboratório de ensino de Espanhol
|
60h
|
9º
|
O ensino de língua espanhola no ensino fundamental. Diretrizes
Curriculares Nacionais para o ensino fundamental. Parâmetros Curriculares
Nacionais para o ensino de língua estrangeira no ensino fundamental.
Justificativas, objetivos, métodos e técnicas de ensino de língua espanhola
no ensino fundamental. O ensino da língua espanhola no ensino médio.
Diretrizes Curriculares Nacionais para o ensino médio. Parâmetros
Curriculares Nacionais para o ensino de língua estrangeira no ensino médio.
Justificativas, objetivos, métodos e técnicas de ensino de língua espanhola
no ensino médio.
|
Quadro 3- Disciplinas relacionadas
ao estágios curriculares em LE
No quadro que compõe as
disciplinas denominadas de Laboratórios de Ensino de Espanhol, I, II, e III
tem-se literalmente a repetição dos temas abordados para as três disciplinas,
tanto na parte prática como teórica em que elas são divididas, respectivamente
nos três últimos períodos do curso. Tal
postura leva-nos a entender uma abordagem prescritiva dos manuais e documentos
oficiais, por parte dos professores das disciplinas acima mencionadas, sem uma
reflexão sobre sua aplicação em determinados contextos sociais e suas
implicações nas escolhas metodológicas por parte dos professores. Trata-se, em
certa medida, de um treinamento e não uma formação.
Nesse sentido, Félix (1999) aponta em seus
estudos sobre professores de prática de ensino que estes estariam somente
treinando futuros instrutores (e ainda de maneira questionável, desigual e
insuficiente), o que poderia impedir a obtenção de resultados mais
satisfatórios na disciplina, uma vez que estariam sendo lançados profissionais
despreparados no mercado.
Destacamos aqui a diferença
apontada por Leffa (2002) entre essas duas posturas educacionais:
Formação
é diferente: busca reflexão e o motivo porque uma ação é feita de maneira que é
feita. Há assim, uma preocupação com o embasamento teórico que subjaz à
atividade do professor. Enquanto o treinamento limita-se ao aqui e agora, a
formação olha além. (LEFFA, 2002, p. 355).
Assim,
olhar além, não se pautaria apenas em seguir diretrizes e manuais, por melhores
que esses possam parecer, mas estaria sim em problematizar junto ao aluno em
formação tais propostas filtrando aquilo que se adequasse melhor a cada
realidade social e a cada sala de aula em específico.
Outro
ponto observado e já criticado por Schön (1992) é quanto à sequência das
Práticas de Ensino nas grades curriculares de licenciatura que, segundo o
autor, a sua oferta sempre no final do curso prejudicaria uma relação mais
consistente entre a teoria e a prática docente. O autor sugere a inserção das Práticas
de Ensino desde o começo do curso como forma de atrelar a teoria e a prática
minimizando suas distâncias em termos pedagógicos.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Um
dos desafios da atualidade, no que se refere à formação de professores de
línguas, é a construção, por esses profissionais, de uma identidade que abarque
as necessidades do mundo contemporâneo multifacetado em termos socioculturais,
econômicos e tecnológicos. Nesse contexto, a postura crítica e reflexiva pelo
professor, sobre o ato de ensinar e de aprender, torna-se um fator
imprescindível na constituição desse sujeito.
Criar espaços onde tais desafios sejam
debatidos é uma das funções das universidades, como ambiente de formação
pré-serviço. Contudo, ao analisarmos o desempenho desses profissionais após
esse modo de formação, percebemos, na maioria dos casos, uma alienação no que
se refere à formação crítica reflexiva, tornando-os reprodutores de práticas
desvinculadas de sentido para eles e, por conseguinte, para seus alunos.
Em se tratando do docente de línguas, tais questões tornam-se
ainda mais relevantes já que esse profissional tem por instrumento de trabalho
e objeto de estudo o ensino da linguagem sendo esta entendida como forma de
interação social entre indivíduos sócio-discursivamente situados. No que tange ao ensino de língua estrangeira (LE)
no ambiente pré-serviço, tal descompasso entre a realidade social contemporânea
e um ensino contextualizado, crítico e reflexivo ainda é visível em alguns
cursos de formação docente.
O
presente estudo aponta para a necessidade de se repensar a formação docente em
LE proporcionando o aluno instrumentos teóricos e práticos que o balize para o
exercício profissional em que o mesmo possa assumir uma postura
crítico-reflexiva frente à construção do conhecimento. Observa-se ainda que a
adoção de um currículo de base crítico-reflexiva pode proporcionar a este
profissional uma visão da construção do conhecimento como um processo contínuo,
despertando-o assim para uma cultura de formação continuada que poderá ser
desenvolvida ao longo de sua vida profissional.
Os
resultados apontam ainda para a necessidade de as universidades, como espaços
de formação, repensarem seus currículos de línguas, especialmente de LE, com
vistas à formação de um professor crítico e reflexivo instrumentalizado para
agir sobre sua prática.
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