SOBRE A OBRA A ARTE DE ESCREVER DO FILÓSOFO ARTHUR SCHOPENHAUER



Carlos Eduardo Krebs Anzolin
(FAFIUV-UNESPAR)
Especialização em Estudos Literários


1 Introdução
Neste ensaio pretende-se tecer algumas considerações sobre a obra A arte de escrever do filósofo alemão Arthur Schopenhauer (1788-1860), que é uma antologia de ensaios retirados de Parerga e Paralipomena de 1851. Este livro subdivide-se em cinco partes: “Sobre a erudição e os eruditos”, “Pensar por si mesmo”, “Sobre a escrita e o estilo”, “Sobre a leitura e os livros” e “Sobre a linguagem e as palavras”.
Em geral, nestes pequenos capítulos, o autor aborda vários temas relacionados ao ato de escrever, à leitura, aos livros, aos seus escritores contemporâneos, à críticas à sociedade, à literatura de massa, ao estudo de línguas antigas, ao aprendizado de línguas estrangeiras, ao homem e sua autonomia, enfim, são temáticas que vão se entrelaçando no decorrer dos capítulos.
Este ensaio será escrito respeitando-se as ideias do filósofo, mesmo discordando-se de alguns de seus pressupostos encontrados no livro. As passagens da obra elencadas neste trabalho serão analisadas e problematizadas para que se possam realizar interpretações juntamente com exemplos trazidos do mundo contemporâneo. Isso, através de opiniões e a visão de mundo do autor deste ensaio.

2 Discutindo a obra
“Os eruditos são aqueles que leram coisas nos livros,
mas os pensadores, os gênios, os fachos de luz e promotores
da espécie humana são aqueles que leram diretamente no livro do mundo.” [1]

Em “Sobre a erudição e os eruditos”, primeira parte do livro, foi possível destacar várias passagens interessantes para análise e comentários. Schopenhauer faz críticas aos escritores de literatura de sua época, tratando-os com desdém e indicando que, na verdade, eram falso-eruditos. Ele destaca também, a importância do conhecimento profundo das línguas antigas, e não o saber superficial delas, principalmente do grego e do latim: “Além disso, torna-se cada vez mais comum hoje em dia o descuido com as línguas antigas, cujo aprendizado parcial de nada serve, contribuindo para a decadência geral da cultura humana.” (SCHOPENHAUER, 2009, p.30)
 Outro trecho interessante para refletir sobre a questão dos eruditos é o seguinte:

Em geral, um erudito tão exclusivo de uma área é análogo ao operário que, ao longo de sua vida, não faz nada além de mover determinada alavanca, ou gancho, ou manivela, em determinado instrumento ou máquina, de modo a conquistar um inacreditável virtuosismo nessa atividade. (Idem, 2009, p.31)

Neste pensamento, o filósofo faz uma crítica aos eruditos especializados em uma única área do saber. Aqui, é possível fazer um paralelo com o academicismo de hoje, em que justamente nas faculdades, universidades e em outros centros de pesquisa, os professores, pesquisadores, estudiosos e profissionais das várias áreas do saber se especializam cada vez mais em suas áreas. Delimita-se mais os campos de estudo para que se possa atingir os altos níveis de qualificação profissional. Na verdade, quem são os eruditos de hoje? Pode-se estudar um pouco de tudo e considerar-se um erudito? Ou, na visão de Schopenhauer, conhecer bem línguas antigas? Estes questionamentos estão tão presentes na “academia” quanto se  imagina. Há uma grande contradição dentro dos centros de saber de hoje. A ampla especialização dos “eruditos” em específicas áreas do saber talvez esteja também atrelada ao que o filósofo interpretou na sua época.
Em “Pensar por si mesmo”, destacam-se as questões da leitura e da autonomia do homem em relação ao que lê e o quanto (em quantidade) lê:

É justamente por isso que não se deve ler demais, para que o espírito não se acostume com a substituição e desaprenda a pensar, ou seja, para que ele não se acostume com trilhas já percorridas e para que o passo do pensamento alheio não provoque uma estranheza em relação a nosso próprio modo de pensar. (Idem, 2009, p.48)


Num primeiro olhar, esta afirmação soa um pouco contraditória se interpretada ao pé da letra, ou seja, ler muito é prejudicial ao espírito do homem. Entretanto, vivemos numa época em que o incentivo à leitura é bradado em todos os meios, principalmente na escola. Os jovens leem pouco ou leem mal, em virtude dos vários atrativos tecnológicos de entretenimento à sua disposição que substituem o livro. Mas, esta contradição do pensamento do filósofo é apenas aparente. Ele quer dizer que se deve ler, é claro, mas é preciso que se tenha um posicionamento próprio diante da vida, isto é, não se influenciar demasiadamente às “trilhas já percorridas”.  Não se deve deixar de pensar por si mesmo em troca do pensamento alheio. Ele defende a autonomia de cada um, e, deste modo, se utilizou do exemplo da leitura.
Em “Sobre a escrita e o estilo”, a parte mais longa do livro, o filósofo faz várias considerações no que se refere ao ato de escrever. A escrita para ele deve ser objetiva e concisa, para não confundir o leitor. Entre outras ideias, condena os escritores “profissionais” que escrevem exclusivamente pelo dinheiro. Verifica-se esta última ideia aqui: “Seria uma vantagem inestimável se, em todas as áreas da literatura, existissem apenas alguns poucos livros, mas obras excelentes. Só que nunca se chegará a tal ponto enquanto houver honorários a serem recebidos.” (Idem, 2009, p.56)
Desta passagem depreende-se uma crítica à literatura de massa da época (século XIX). E, pode-se interligar esta crítica à própria literatura de massa dos tempos de hoje. A maciça comercialização de best-sellers, publicados e vendidos para o grande público consumidor tem como objetivo final o lucrativo retorno financeiro às editoras e ao autor do título. A literatura de autoajuda é um exemplo deste fato. As pessoas leem, mas com qualidade? A leitura de clássicos da literatura, como Dom Quixote de Cervantes, por exemplo, são substituídas, ou seja, perde-se o valor das obras de arte da grande literatura pela leitura dos livros desta literatura de massa. Sobre isso, Schopenhauer argumenta: “Sempre que possível, é melhor ler os verdadeiros autores, os fundadores e descobridores das coisas, ou pelo menos os grandes e reconhecidos mestres da área. É melhor comprar livros de segunda mão do que conteúdos de segunda mão.” (Idem, 2009, p.61) Deste assunto, pode-se fazer uma longa explanação, mas aqui o objetivo é apenas exemplificar o pensamento do filósofo e mostrar que o século é outro, mas a realidade é parecida.
A respeito do estilo na escrita, Shopenhauer faz várias considerações. Destacam-se aqui algumas destas para discussão. O filósofo critica o modo de escrever dos escritores de seu tempo, com ênfase aos escritores alemães, lançando teorias de cunho próprio sobre as formas ideais que os textos devem seguir: “Em todo caso, o estilo não passa da silhueta do pensamento, escrever mal, ou de modo obscuro, significa pensar de modo confuso e indistinto. Assim, a primeira regra do bom estilo, uma regra que praticamente se basta sozinha, é que se tenha algo a dizer.” (Idem, 2009, p.84, grifo do autor)
Entende-se que ele quer mostrar que os textos devem ser objetivos e concisos. Também, o fato dos escritores escreverem muito para dizerem pouco é enfatizado: “Mas, sem dúvida, muitos escritores procuram esconder sua pobreza de pensamento justamente sob uma profusão de palavras.” (Idem, 2009, p.93) Neste sentido, percebe-se a ideia geral do autor neste trecho:

Aqueles que elaboram discursos difíceis, obscuros, dubitativos e ambíguos com certeza não sabem direito o que querem dizer, mas têm uma consciência nebulosa do assunto e lutam para chegar a formular o pensamento. No entanto, essas pessoas querem esconder de si mesmas e dos outros o fato de que não têm nada a dizer. (Idem, 2009, p.92)


A arte de escrever para Schopenhauer é algo que deve ser levado com seriedade e deve-se ter um objetivo pré-estabelecido. Dentre suas ideias, o autor pondera que escrever é expressar ideias que tenham conteúdo evitando-se o desnecessário e o supérfluo. As palavras precisam ser pensadas e colocadas no papel com ordem e coerência, respeitando-se o uso da língua, e de acordo com o uso adequado da gramática para que ocorra a construção de sentidos. Também, diz que é preciso respeitar o leitor acima de tudo, porque ele dispõe do seu tempo para a leitura. E neste ponto o autor relata: “Exatamente por esse motivo, o estilo não deve ser subjetivo, mas objetivo; e para tanto é necessário dispor de palavras de maneira que elas forcem o leitor, de imediato, a pensar exatamente o mesmo que o autor pensou.” (Idem, 2009, p.111)
Entretanto, é possível encontrar problemas ao analisar esta colocação em relação à escrita dos textos literários e até mesmo dos filosóficos. Isso porque a Literatura é o campo da subjetividade por excelência. É o campo das metáforas. É o gênero em que mais se encontram dificuldades de interpretação, como por exemplo, a poética. É o gênero em que o autor pode utilizar a linguagem com ampla liberdade, e daí reside o fato de desafiar o leitor a compreender seu texto. Disto, questiona-se: somos realmente obrigados a pensar exatamente o que o autor pensou? Talvez, Schopenhauer tenha se referido principalmente aos textos filosóficos. Contudo, a Filosofia é uma das áreas em que as pessoas mais encontram dificuldades de entendimento, pois vários dos textos filosóficos são considerados herméticos por natureza. Enfim, abre-se aqui um campo maior para discussão.
Em “Sobre a leitura e os livros”, o filósofo faz considerações acerca das implicações do ato de ler e dos livros num modo geral. Talvez, o mais interessante e ao mesmo tempo contraditório aqui é a ideia do autor de que ler demais é prejudicial ao homem. Ou seja, isso decorre novamente daquele pensamento inicial da segunda parte do livro que versa sobre o pensar por si mesmo, a autonomia do homem de ter certo distanciamento daquilo que lê. Deste modo, para Schopenhauer:

Quando lemos, somos dispensados em grande parte do trabalho de pensar. É por isso que sentimos um alívio ao passarmos da ocupação com nossos próprios pensamentos para a leitura. No entanto, a nossa cabeça é, durante a leitura, apenas uma arena de pensamentos alheios. Quando eles se retiram, o que resta? Em consequência disso, quem lê muito e quase o dia todo, mas nos intervalos passa o tempo sem pensar nada, perde gradativamente a capacidade de pensar por si mesmo – como alguém que, de tanto cavalgar, acabasse desaprendendo a andar. (Idem, 2009, p.127-128)


É realmente interessante este posicionamento do autor em relação à leitura, mas ao mesmo tempo problemático. Torna-se um tanto difícil aceitar a ideia de que a leitura em si não propicia ao leitor o pensamento ou a reflexão, mas sim a passividade diante do pensamento do escritor que se está lendo. No entanto, entende-se que o filósofo quer dizer talvez que não seja saudável para a formação de um homem ser influenciado por todos os autores que ele lê, pois Schopenhauer valoriza a liberdade e não a vinculação total do leitor com as ideias trazidas por determinado livro. Disto, o filósofo ainda fala de uma habilidade diferente: “Por isso é tão importante, em relação ao nosso hábito de leitura, a arte de não ler.” (Idem, 2009, p.132, grifo do autor)
Sobre os livros, é interessante esta passagem: “Seria bom comprar livros se fosse possível comprar, junto com eles, o tempo para lê-los [...]” (Idem, 2009, p.135) O mundo da leitura e da literatura é tão amplo que o leitor voraz, ao ver os títulos à sua frente, quer logo ler todos. Entretanto, o tempo não permite isso. Numa sociedade como a nossa em que as pessoas correm contra o tempo nos seus cotidianos atribulados, muitas vezes nem sobra tempo suficiente para a leitura. Parece que a vida está passando muito depressa. E, se fosse seguir o que o filósofo quer dizer com o ato de não ler, nem seria necessário praticá-lo, porque o tempo das pessoas é tão escasso que as leitura em si se torna muito valiosa.
Em “Sobre a linguagem e as palavras”, o filósofo faz referência ao aprendizado de línguas estrangeiras, ao conhecimento das línguas antigas, como o grego e o latim, os problemas decorrentes da tradução e faz uma relativamente longa análise de palavras da língua alemã e algumas comparações desta com a língua inglesa e francesa. Entretanto, aqui não será realizada uma discussão maior destes temas, porque são questões muitas vezes esparsas e que merecem um lugar mais específico para isso.


3 Considerações finais
Schopenhauer é um filósofo pessimista e contraditório. Mesmo assim, ainda que nos espantemos com suas ideias, estas servem como um exercício de reflexão. A arte de escrever proporciona um tipo de inquietação e até mesmo certa irritação. O filósofo, ao seu modo próprio, faz críticas que passado um século e pouco, estão tão atuais como no seu tempo. O exemplo disto é a crítica à literatura de massa.
O que de mais valioso a obra nos oferece não é apenas a exposição das ideias sobre a arte de escrever, como diz o título, mas sim a sensação de poder repensar a realidade e as opiniões formadas numa sociedade em que o poder, a mídia e os veículos de comunicação impõem certos tipos de comportamento, deturpam e inventam realidades, na maioria das vezes em detrimento dos seus interesses. É daí que se torna importante o estudo da Filosofia.


REFERÊNCIAS
SCHOPENHAUER, Arthur. A arte de escrever. Traduzido por Pedro Süssekind. Porto Alegre: L&PM, 2009.




[1] Op cit, 2009, p. 41.