Greubia da Silva Sousa
Mestranda - UFPA
Resumo: Este trabalho tem como objetivo refletir
sobre o (s) processo (s) narrativo (s) do Imaginário
nas Formas Narrativas Orais Populares da Amazônia Paraense (IFNOPAP). A
discussão central girará em torno de reflexões sobre o que é o ato de narrar e
como este se constitui, além de cogitações sobre a (s) sua (s) significância
(s). Para tanto me aterei, sobretudo, nas narrativas ifnopapianas tidas “originariamente”[1]
amazônicas, como a cobra grande, a mãe d’água, o curupira, a matintaperera e
boto, com ênfase especial para esta última. As discussões também recairão sobre
questões que envolvem a memória como rememorações e voltas ao tempo pretérito,
que parecem ocorrer no universo narrativo ifnopapiano com o objetivo de reviver
e/ou perpetuar as narrativas na memória e no imaginário popular de gerações e
gerações de narradores e ouvintes.
Palavras-chave:
IFNOPAP.
Processo narrativo. Imaginário popular.
Introdução
Inicio
dizendo que este artigo pretende estudar a composição do narrar das narrativas
coletadas pelo projeto O Imaginário nas Narrativas Orais Populares
da Amazônia Paraense (IFNOPAP). Nesta perspectiva a pesquisa
ater-se-á, primeiramente e de maneira sucinta, à constituição do referido
projeto, seus objetivos e alcances. Além disso, também trará um panorama –
mesmo que breve – das cidades de Santarém, Belém e Abaetetuba. Assim como
também fará o mesmo com os livros Santarém
conta..., Belém conta... e Abaetetuba conta...,[2]
pertencentes a coletânea de contos populares da série Pará conta...
Para
tanto, começo a discussão com um questionamento que acredito ser de fundamental
importância para o desenrolar deste trabalho, o que é o narrar? Tal pergunta
encontra sua razão de ser, sobretudo em si falando de narrativas orais, devido
o papel central que o leitor (autor) possui no ato de narrar. É impensável uma
narrativa da tradição oral sem a figura do narrador, que consequente e
inevitavelmente conta uma história e imprime nela suas marcas, sejam elas
discursivas, hermenêuticas, grupais ou pessoais. Cada narrador de forma
subjetiva, na verdade, única construirá sua narrativa, que nem por isso deixará
também de trazer marcas e/ou pistas do grupo ao qual pertence o
narrador-autor.
Dito
isto, quero também destacar que neste artigo além de se propor a refletir sobre
o que seria ao ato de narrar, também propõe uma discussão sobre como o narrar
se constitui e qual a (s) sua (s) significância (s). Visto que, compreendo que tais
discussões são necessárias quando se trata de narrativas orais. Para tanto,
tenho como objeto de pesquisa os contos do projeto o Imaginário nas Formas Narrativas Orais Populares da Amazônia Paraense.
Por
fim, penso que também seja necessário esclarecer que o projeto IFNOPAP tem sob
sua guarda um acervo de milhares de narrativas coletadas em diferentes
municípios do estado do estado do Pará, dentre eles cito Abaetetuba, Belém e
Santarém, cidades que dão nome aos três volumes publicados da coleção Pará conta... Dentre as narrativas
presentes nesta coleção trabalharei, especificamente, com narrativas ditas
“genuinamente”[3] amazônicas,
como o boto, a mãe d’água, a cobra grande, a mantitaperera, etc. Muito embora também
tenha consciência da existência de histórias do tipo relato de experiência (os
famosos “causos”), lendas urbanas como A
moça do táxi e narrativas híbridas, quer dizer, que mesclam elementos da
realidade amazônica com europeus, dentro da já citada coleção de contos. Nos
próximos parágrafos situarei o leitor em relação à localidade de coleta das
narrativas e, também, em relação ao arquivo que detêm a guarda das narrativas
ifnopapianas.
Situando o leitor...
Posicionada
no norte do Brasil e na mesorregião do baixo amazonas, distante aproximadamente
800 km da capital Belém (distancia percorrida em linha reta e via transporte
terrestre), Santarém possui uma área de aproximadamente 722.358 km². O
município ainda é cercado por imponentes rios como o Tapajós, o Mojú e o
Amazonas.
Com
uma população de 294.580 habitantes, Santarém é uma cidade pólo, pois possui
uma malha rodoviária, hidroviária e aérea, além de grandes universidades,
hospitais, escolas e uma significativa rede de transportes públicos. Assim,
Santarém está entre os municípios de grande porte do estado do Pará e recebe o
título de município referência no ensino superior no Oeste do estado, ficando
situada a meia distância de Belém e de Manaus. A bela cidade amazônica encanta
não só por suas belezas naturais como praias, igarapés, cerâmica, florestas e o
exuberante encontro dos rios Tapajós e Amazonas; mas também devido sua cultura:
a festa do Sairé, onde ocorre a disputa dos botos, a poesia, o Círio de Nossa
Senhora da Conceição, a literatura e o folclore típicos da região, marcado por
muitos mitos, contos e lendas. (disponível em: http://www.santarem.pa.gov.br).
Já
a cidade de Abaetetuba localizada na mesorregião do nordeste paraense fica a
aproximadamente 53 km, em linha reta, da capital Belém. A cidade tem
aproximadamente 1610 km² de área e uma população e 141. 054 habitantes. A
origem da cidade deu-se em 1635 quando nasceu o distrito de Beja, que
posteriormente chamou-se Abaeté que
significa em tupi homem verdadeiro.
No entanto, foi só na década de 40 do século passado que se acrescentou o
sufixo tuba, em tupi ajuntamento e, então, surgiu Abaetetuba.
Abaetetuba hoje é considerada a sexta maior cidade de estado do Pará,
apresentando significativo crescimento nos setores de comércio e serviços. A
cidade cresceu as margens do rio Maratauíra e é grande produtora de camarão. Além
disso, o município também possui construções seculares como a igreja de São
Miguel na vila de Beja, além de ter sido cantada e imortalizada nos versos de
Rui Barata. Cidade de belos igarapés, balneários e paisagens únicas, Abaeté,
como é comumente chamada, é um lugar cheio de lendas e de mitos populares que
atravessaram gerações e continuam adornando a imaginação povo. (Disponível
em: http://www.abaetetuba.pa.gov.br).
Por
sua vez, o município de Belém também chamado de metrópole da Amazônia, cidade
das mangueiras, cidade morena, Belém do Grão Pará e terra do carimbó é um dos lugares mais
charmosos do Brasil. A capital paraense fica distante de Brasília
aproximadamente 2.146 km, possui uma área de cerca de 1064.918 km² e uma
população de mais de dois milhões e cem mil habitantes. Com seus quase 400 anos
de história Belém é banhada pela baia do Guajará, cercada por seus belos
palacetes, praças, casarões históricos, o imponente teatro da Paz, a Basílica
de Nossa Senhora de Nazaré e pelo maior mercado a céu aberto da America latina,
o Ver-o-peso. (disponível em: http://www.belem.pa.gov.br).
A
Belém de hoje parece-me, ainda, respirar em suas ruas os tempos áureos da
borracha e o cheiro inconfundível do patchouli. Terra de modernidades e
tradições: Belém recebe turistas do mundo inteiro em seu moderno aeroporto e os
encharca com banhos de cheiro de tradição secular. A Belém morena, terra do
açaí, do tacacá, do cheiro-verde, do tucupi, das mangueiras, do carimbó,
encanta a todos com seus inúmeros sabores, cheiros e gingas. Belém de muitas histórias: urbanas, das
ilhas, dos lugarejos ribeirinhos que falam de um modo de vida peculiar, cercado
de crendices, de encantamentos, de seres místicos e fantásticos que continuam a
povoar o imaginário amazônico.
Bom.
É destes municípios, dos quais acabo de me referir acima, que veem a coletânea
de contos O Imaginário nas Formas
Narrativas Orais da Amazônia Paraense (IFNOPAP). Pois bem. O projeto
IFNOPAP pertence à Universidade Federal do Pará (UFPA) e atua de forma
integrada com diversas áreas do conhecimento como a Literatura, a Arqueologia,
a Linguística, a Sociologia, a Antropologia, etc. O projeto também possui
vários outros subprojetos e foi idealizado por Maria do socorro Simões,
juntamente, com a colaboração de Cristophe Golder, ambos professores djuntos da
Universidade Federal do Pará.
Desde
1993 o IFNOPAP existe como programa de pesquisa, no entanto foi somente dois
anos após a sua fundação que o projeto passou a ter um caráter integrado. O
IFNOPAP possui hoje um imenso acervo de narrativas orais coletadas no nordeste
da Amazônia paraense. Muitas dessas narrativas já foram publicadas na série de
contos populares Pará conta... Constituído por livros como Santarém conta..., Belém conta... e Abaetetuba conta...
Santarém conta...
É o primeiro livro da coleção, com 52 narrativas. Belém conta..., por sua vez é o segundo volume e conta com 36
narrativas. Por fim, Abaetetuba conta...
que também é composto por 52 narrativas. Os três volumes da série Pará conta... Foram publicados em 1995,
pela editora Cejup, ligada à Universidade Federal do Pará, e juntos somam 141
narrativas que foram contadas por diferentes informantes, pertencentes a
distintos municípios da Amazônia paraense.
A
série Pará conta... trouxe à público
apenas uma pequena amostra do imenso acervo do IFNOPAP, formado por milhares de
narrativas de diferentes municípios do nordeste do estado do Pará. O Imaginário nas Formas Narrativas Orais
Populares da Amazônia Paraense realiza com este acervo diferentes
abordagens, tanto no campo das literaturas, quanto no campo da variação
linguística, dos estudos sobre a memória, a sociolinguística, etc. Além disso,
também desenvolve projetos voltados para extensão, como os Contadores Itinerantes, que levam as lendas e mitos da região
amazônica até crianças e adolescentes. Deste
que surgiu em 1993, ainda como programa de pesquisa, o projeto motivou inúmeros
encontros e já está na sua XVI edição que ocorrerá em Agosto de 2012. Nos
últimos anos os encontros do IFNOPAP se realizaram a bordo de um campus
flutuante – o Catamarã-Pará, que
viaja pelos os rios da região coletando e refletindo sobre as narrativas orais
do nordeste da Amazônia. Depois de situados, comecemos, de fato, a discussão
motivadora.
O
narrar
A
primeira questão que se coloca nesta pesquisa é justamente o que seria o
narrar? Para início de conversa devo esclarecer que a minha intenção aqui não é
definir o narrar, de modo que ele se assemelhe a uma coisa ou fórmula pronta,
sempre aplicável aos mais diferentes contextos e/ou lugares discursivos,
sociais. Estou trabalhando com uma realidade específica – o cotidiano dos
narradores do INFOPAP, que por sua vez já foi interpretado por outros sujeitos
sociais e por suas cargas semânticas, discursivas, ideológicas – por isso não
pretendo trabalhar com a ideia de definição acabada, pronta.
Quero dizer com isso que meu trabalho é feito
sobre a interpretação, da interpretação. Em outras palavras, os narradores do Imaginário nas Formas Narrativas Orais Populares da Amazônia Paraense falaram
sobre suas reminiscências, como diz
Walter Benjamin (1994), àqueles pesquisadores que coletam suas narrativas e
estes, por sua vez, interpretaram e traduziram estas histórias para a tradição
escrita, ancorados por sua (s) memória (s), pelo lugar de onde falam e, logicamente,
por suas ideologias e pelos papéis sociais que ocupam.
Esclarecido
este ponto, volto à discussão sobre o que é o narrar? Para esta discussão vou
usar como exemplo uma narrativa que se encontra no livro Santarém conta... intitulada Parece
mentira, mas não é. O texto a que me refiro mescla elementos de uma
narrativa fantástica com a realidade social de muitos homens amazônicos,
ribeirinhos. O narrador de Parece
mentira, mas não é, efetivamente, é um pescador que se coloca como o
personagem central dentro da narrativa por ele contada. Seu texto passa a
impressão de que ocorre em ciclos: o mundo em que vive enfrenta a escassez de
peixe, o pescador revoltado machuca um boto e como consequência é levado ao
mundo do encantado para ajudá-lo a se recuperar, mas logo em seguida volta a
sua realidade e acaba matando outro encantado para alimentar seus “barrigudos”[4].
O
narrar na situação descrita acima parece fazer uma denúncia, expor o lugar e a
posição de onde o sujeito fala, parece ordenar
o seu discurso, como diz Michel Focault (1996). Aliás, o narrar parece ir
além, sugere um entrelaçamento entre realidade e encantaria, como que, para
tentar explicar ou solucionar um problema.
Bom... é aqui.
Aí saímos andando...
Não! Negócio de respiração! Que nada!
Parece que, naquela ocasião, eu tinha até brânquias, guelras.
Vamos embora...
Chegamos lá, o boto estava em cima duma
pedra, assim que servia de canoa, né? Estava lá esticado, com a zagaia na
costa. (Santarém conta..., 1995, p.
48).
Benjamin
em seu texto O narrador fala de intercambiar experiências se referindo
ao ato de narrar, o que me parece bastante apropriado à narração de Francisco
Bezerra, cujo um trecho está acima.
Francisco entrelaça suas experiências cotidianas, sociais e as transforma,
intercambia-as na forma de uma narrativa que mescla realidade social e
vivências, experiências pessoais e também coletivas.
O narrador de Parece mentira, mas não é,
obviamente, narra experimentos particulares, mas também fala de um grupo, de um
lugar, de uma posição que interfere diretamente no que é narrado, uma vez que,
parece não se poder negar que o cotidiano, o grupo social, a posição dos
sujeitos-narradores norteia o intercambiar de experiências que qualquer ato de
narrar exige.
Desta forma, Francisco Bezerra se coloca dentro da história
narrada, assume papel de centro, como se com este ato também colocasse seu
grupo, o lugar de onde fala em destaque. “Ainda, os barrigudos, todos em casa,
com fome. E eu pensando: - Ai, meu Deus! O que eu vou levar pra os... para os
barrigudos comerem?” (Santarém conta...,
1995, p. 45), assim o narrar se torna arma, denúncia e se une a outros
elementos do imaginário próprio do grupo ao qual o narrador pertence; tecendo
um intercambiar de experiências que faz com que o narrador imprima na história
que (re) conta suas marcas autorais e, também, grupais. Dito de outra forma: o
ver o boto, o acreditar, veementemente, em suas encantarias e metamorfoses é
próprio do seu cotidiano social, do seu modo de vida, do lugar onde as relações
sociais e pessoais do sujeito-narrador são construídas. Logo, é completamente
compreensível e natural que ele coloque tanto a si mesmo, quanto o mundo em que
vive num lugar central.
A
experiência que passa de pessoa a pessoa é a fonte a que recorrerem todos os
narradores. E, entre as narrativas escritas, as melhores são as que menos se
distinguem das historias orais contadas pelos inúmeros narradores anônimos.
(BENJAMIN, 1994, p. 198).
Venho
defendendo a ideia que os sujeitos sociais (no caso aqui os narradores) estão
condicionados, ligados uns aos outros. Neste sentido, os documentos por eles
produzidos são carregados de valores e intenções. Assim, a experiência de que
fala Benjamin se apresenta, justamente, como o resultado desse condicionamento
de valores e vivências pessoais e coletivas, que o narrador (re) elabora para
construir e/ou traduzir sua (s) narrativa (s).
Logo
este jogo de construção e tradução das narrativas parece querer demonstrar que
os sujeitos sociais, de fato, são filhos do seu tempo histórico, por isso a
narrativa nunca é aleatória, na verdade é um documento como outro qualquer.
Portanto, ao narrar, ao rememorar, o que o sujeito faz é (re) criar um mundo
ideal. O narrador de Parece mentira, mas
não é realiza esse trabalho, quer
dizer, cria um mundo de acordo com sua própria lógica. Neste mundo idealizado
há abundância de peixes, o homem respira em baixo d’água e conversa com os
animais.
Neste
sentido, quem
estabelece nexo à narrativa é o narrador, que logicamente imprime no texto
marcas de autoria e tenta construir uma identidade que represente a si e também
ao seu grupo. A narrativa então se mostra como uma tentativa clara de convencer
o outro, de legitimar um discurso, uma identidade, assume uma posição
ideológica.
É
um traço recorrente entre os narradores do IFNOPAP, por exemplo, falas do tipo
“Essa é verdade. Aliás, todas são verdade que eu vou contar, né?” (Belém conta...,1995, p. 27); “Não é
lenda, caso sério mesmo.” (Santarém
conta...,1995, p. 39); “E não dormi
no ponto, sabe? Na fera, o bicho veio de lá direto em nós sabe? Aí [ ] dentro
da água. Bateu asa, assim, morreu.” (Abaetetuba
conta...,1995, p. 68). Todos os trechos destacados deixam evidente que o se
colocar dentro da história, o afirmar que é verdade um caso narrado é um
recurso do narrador para atestar, para validar seu texto, seu discurso, que não
é apenas seu, mas também do grupo, da comunidade de narradores a qual pertence.
O narrar para o IFNOPAP se apresenta
então como a forma de se constituir enquanto sujeito e narrador-construtor da
sua própria história. O narrar parece ser a forma que o sujeito encontrou para
continuar se revigorando, se renovando. A narrativa, nesse sentido é viva e se
desdobra a partir das reminiscências de quem a narra, em passado e presente; em
(re) lembranças, em voltas a um tempo pretérito e, também, em construção do
novo, do singular, questões que pretendo aprofundar nas próximas páginas.
O nascimento do narrar
Se
o narrar se apresenta como uma possibilidade de “manter viva”, de “preservar” [5]
uma tradição, uma memória, uma identidade; como se daria então o tecer do ato
de narrar? Qual o processo, efetivamente, da narração? Pois bem. Não se trata
mais uma vez aqui da ideia de definição ou de formular receitas acabadas, mas
sim de refletir - partindo de um contexto específico - sobre os caminhos que
levam ao tecer do narrar.
Os
narradores de um modo geral (refiro-me aqui especificamente aos narradores do
IFNOPAP) (re) formulam suas narrativas através de um trabalho de rememoração, reminiscência, termo usado por Benjamin,
para atribuir significado lógico a uma história que é (re) contada. Este
trabalho, por sua vez, é realizado por meio de junções de experiências,
vivências grupais e pessoas que o narrador reuniu ao longo do tempo. E, mais
uma vez, pego como exemplo um dos narradores do IFNOPAP que diz o seguinte:
Nós
ouvimos o assobio da matintaperera. Aí o pessoal começou: - oferece uma cachimbada
de tabaco quem tem coragem. (...). Eu falei: - vem buscar uma cachimbada de
tabaco de manhã. (...). ela veio e disse: - Rai, eu quero... eu vim aqui pra te
me dar um pouco de tabaco, (...), tu me dá?. (Abaetetuba conta..., 1995, pp. 56-57).
O
trecho destacado acima deixa evidente que o narrador adentrou no universo
mítico da narrativa. Desta forma, ele tornou-se um dos personagens centrais da
história que narra. No momento que (re) conta esta história ele faz com que a narrativa
se construa a partir dos desdobramentos do que ouviu, traduziu e/ou ressignificou.
E para tanto, se vale de um mecanismo indispensável no que diz respeito ao
contar e recontar histórias: a memória. Neste eterno jogo de ressignificações e
recontagens produzido pela memória a narrativa se reinventa e ressurge com
elementos tradicionais e novos. Nesse jogo de (re) lembrar e de (re) criar o
“original”, o “inédito” o passado não se desestrutura totalmente, assim como o
presente também não se reintegra na sua totalidade. Dito de outra forma, neste
jogo, a narrativa ainda se encontra atrelada ao passado, a rememorações; assim
como também é detentora de novos elementos, outras significâncias, que cada
narrador – na sua individualidade – lhe atribuirá.
Logo
é imprescindível dizer que, dentro do mundo do narrador a memória é um
mecanismo de essencial valor, uma vez que sem ela o processo narrativo se torna
impensável. Neste sentido, Michel Pêcheux (1999) destaca de forma muito lúcida
que existe uma relação entre o discurso,
a imagem e o texto. Para ele um texto carrega consigo um discurso e, este por
sua vez, cria imagens na memória. Imagens estas que constituem a própria
memória e fazem, efetivamente, uma ponte do visível
ao nomeado (Pêcheux, 1999, pp.
49-51). Quer dizer, uma narrativa como a matintaperera contada e recontada
pelos colaboradores do IFNOPAP é revivida, revisitada ou recitada (como diz Pêcheux) na memória individual e coletiva
através dos discursos, dos textos, das imagens que estão constantemente se
reprojetando, se reconfigurando.
É
preciso dizer que, neste complexo vaivém de reprojeções e remissões surgem as
repetições, as regularizações (Pêcheux, 1999, p. 52) das narrativas, dos
textos, dos discursos. Os narradores da cobra grande, do boto, da matintaperera
mantêm elementos que acabam se repetindo nas diferentes versões dos contos
coletados pelo IFNOPAP. E, estas repetições e regularizações criam uma imagem
da narrativa dentro do imaginário popular: o boto é “um homem todo de branco, chapéu
na cabeça” (Belém conta... 1995, p.
77); a cobra grande “era um rapaz (..)” (Belém
conta...1995, p. 46); assim como a matintaperera “dá um assobio forte que,
se você não conhecer, você corre com medo, né” (Santarém conta... 1995, p. 97).
As
narrativas do IFNOPAP, como já disse, de modo geral têm como características
algumas regularidades, repetições, rastros
como diz Jeanne Marie[6]
(2006) que perpassam-nas. Em outras palavras, os contos populares infinopapianos
possuem traços em comum, que se sustentam mesmo quando se trata de narrativas
distintas. Em momentos posteriores, já explanei alguns exemplos dos contos
coletados pelo Imaginário nas Formas
Narrativas Orais Populares da Amazônia Paraense, onde os narradores atestam
o caráter de verdade daquilo que eles estão narrando, através de ênfases do
tipo “Eu vi isso por aqui” (Belém
conta... 1995, p. 26); “Não é lenda, caso sério mesmo” (Santarém conta... 1995, p. 39) ou “ Um
dia aconteceu comigo” (Abaetetuba
conta... 1995, p. 151). Reafirmo isto devido a trivial – e diria até mesmo
necessária - presença de um narrador-personagem na construção do processo
narrativo do IFNOPAP. Digo necessária, a presença de um narrador-protagonista
da história por ele contada, devido à recorrência de contos onde o sujeito que descreve
inseriu-se na narrativa de tal modo que em torno dele a trama se constrói . Um
exemplo do que digo é a bela narrativa Parece
mentira, mas não é que já foi melhor discutida em momentos posteriores e
está presente no livro Santarém conta...
Após
esta conversa em torno da construção do imaginário através dos mecanismos da memória
e, por extensão, do ato de narrar - parece-me ser possível dizer que o comum
entre as narrativas, quer dizer o residual, os famosos rastros surgem a partir
das imagens (ao mesmo tempo também textos e discursos) que se formam no
imaginário dos narradores, sendo que tais imagens são construtoras de
discursos, textos – no caso aqui orais - que são repassados de geração em
geração. Os contos populares como a cobra grande, a matintaperera, o boto, a
mãe d’água, o curupira e tantos outros, seguem vivos na memória e na vida dos
seus contadores devido às repetições, as regularizações que os discursos reproduzem
ao longo do tempo.
Assim
as renovações que surgem são indispensáveis para a manutenção (recitação) da
narrativa no imaginário popular. E logicamente neste eterno rememorar as
histórias vão se diferenciado, “recebendo” e “perdendo” elementos. Ouso até
mesmo dizer que, as narrativas que compõem a coletânea de contos populares do
IFNOPAP, ainda, receberam marcas “especiais”, singulares, carregadas de pistas,
signos e/ou indícios como diz Carlo
Ginzburg (1989). Cada fala, cada marca
discursiva ou gestual, cada sequência de acontecimentos narrados de uma forma e
não de outra são únicos e não podem ser igualmente refeitos.
Neste
sentido, os indícios, de acordo com o que diz Carlo Ginzburg, deixam rastros
que permitem identificar o artista (no caso aqui o narrador). Noutras palavras,
uma mesma narrativa jamais será (re) contada de igual modo por diferentes narradores
e, até mesmo, por um único narrador. Pois como já esclareci os contos populares
são recontados através de um processo de rememoração, que por sua vez, se
ancora na memória e esta, inegavelmente, é fugida e constituída de imagens
embaçadas e incompletas.
Bom.
Outro ponto bastante singular que se faz presente entre as narrativas dos colaboradores
do IFNOPAP é o modo como relembram o tempo pretérito. Os narradores de Belém, Santarém e Abaetetuba
conta..., de modo geral, falam do passado com um tom de saudosismo. O
narrar aparece quase sempre ligado a falas do tipo “Existe. Isso, eu não sei
agora como é que é, né, por que antes, quando eu me entendi, eu via tudo isso”
(Belém conta... 1995, p. 30) ou “Há
muitos anos, não havia padre, quase, pra fazer cerimônia na sexta-feira santa”
(Santarém conta... 1995, p. 60) e
ainda “Esse caso aconteceu aqui, em Abaetetuba, no ano de 1932. Minha mãe que
conta, hoje em dia, né” (Abaetetuba
conta... 1995, p. 119). Com estas falas os narradores parecem querer deixar
claro para o leitor que (re) pensam o presente a partir do passado e que as
narrativas se reelaboram sobre uma ponte que liga o ontem ao hoje.
Deste
modo, o rememorar (imaginar) um tempo pretérito constrói narrativas que
conversam com problemáticas do presente, com a vida corriqueira, diária, com a
realidade social, econômica, política dos seus narradores. Ou como diz François
Laplantine e Liana Trindade (2003) “o imaginário, ou seja, o rememorado não é só
uma forma para se chegar ao real, é também uma maneira de se pensar o que pode
chegar a ser real” (Laplantine e Trindade, 2003, p. 07).
Como
já disse anteriormente, é muito comum entre os narradores do IFNOPAP a criação
de uma narrativa falando de um tempo passado com saudosismo, dando a entender
que o presente está em decadência. Tal atitude é totalmente compreensível e
quase mister, pois é na decadência que os homens se reformulam, se repensam e
se reconstroem. Sem crise, sem tensão somos condicionados a acreditar que tudo
está na mais completa normalidade, harmonia. Quando na verdade, me parece que
nenhum ato de narrar, de rememorar, enfim de construção e manutenção de um
imaginário seja dominado pela conformidade.
Tudo
o que envolve os mecanismos da memória como o narrar e, consequentemente, o
imaginário são processos erguidos sobre deformidades, esquecimentos e,
sobretudo, em cima de imagens que se diferem umas das outras, mesmo que sejam
frutos de um único episódio. Dito de outra forma, leitores distintos de um mesmo
romance machadiano criarão imagens diferentes dos seus personagens, cenários,
logradouros. Cada leitor, com sua subjetividade, atribuirá
aos olhos de Capitu, por exemplo, traços mais ou menos oblíquos, cabelos mais
ondulados e claros ou mais escuros e escorregadios. Afinal, cada um recria na
memória imagens da sua Capitu e, nem por isso, ela deixa de ser a Capitu de Dom Casmurro. Muito pelo contrário, tal
processo lhe permite manter-se viva na narrativa, na memória e no imaginário de
milhares e milhares de leitores.
A
perpetuação de uma imagem, de um texto, de um discurso, de uma narrativa parece
até aqui, erguer seus alicerces sobre o terreno escorregadio da memória:
senhora e mãe do narrar. Narrar, filho que recita as histórias, que faz reviver
os mitos, as lendas, as encantarias, as imagens que deixam rastros, pegadas,
indícios denunciantes daquele que (re) conta-o. Assim, é possível dizer que os
narradores, de modo geral, deixam resíduos que se formam a partir de repetições e regularizações.
Tais regularidades imprimem no imaginário popular traços comuns mesmo entre
narrativas distintas, que foram também (re) contadas por narradores diferentes.
No IFNOPAP, por exemplo,
estes famosos resíduos ocorrem ao longo de quase todas as narrativas. Nos
contos ditos “genuinamente” amazônicos esta característica é sine qua non para a existência e
permanência destes no imaginário popular e social do homem da nossa região.
Pego como protótipo hipotético do que digo o conto do boto, aquele “homem
todo de branco, chapéu na cabeça” (Belém
conta... 1995, p. 77).
Neste sentido, pergunto: o que faz com que uma narrativa dessa natureza, ainda
hoje, mantenha semelhanças com uma que venha a ter sido narrada no século XIX?
Ou ainda o que sustentou a manutenção deste mito até nossos dias? Bom.
Parece-me que ambos os questionamentos estão interligados e possuem igual
resposta. Se o recontar recita e revive os contos populares, obviamente, este
mesmo narrar faz com eles se perpetuem ao longo do tempo. Logo, o ato de
recontar as histórias é condição sine qua
non não só para a continuidade dos contos ditos “genuinamente” amazônicos,
como também para permanência das narrativas como um todo.
Antonio Torres
Montenegro (2007) se ancorando no pensamento de Maurice Halbwachs fala em parâmetros narrativos, quer dizer,
regras, princípios de narração. O recontar o boto, a mãe d’água, o curupira ou
cobra grande, necessariamente exige certa estrutura fixa, certos parâmetros. Nas
narrativas do IFNOPAP o boto se metamorfoseia em humano, na verdade, num belo rapaz
que encanta e seduz as moças em noites de festa. A mãe d’água é metade peixe e metade
mulher, além de jovem, cabelos longos e detentora de uma voz irresistível. O
curupira é uma entidade das matas, tem pés virados ao contrário e protege os
animais. Já a cobra grande nasceu de mãe humana, vive nas águas e atemoriza os
pescadores por sua grandeza e voracidade.
Deste modo, qualquer narrativa que envolva tais personagens manterá –
bem verdade, com algumas variações, acréscimos e/ou retiradas de elementos –
esta forma regular.
Nenhum colaborador do
IFNOPAP, por exemplo, se refere à cobra grande como um encantado que protege os
animais ou ao boto como um ser metade homem e metade boto. Do mesmo modo que,
não se encontra em nenhuma das 141 narrativas da coleção Pará conta... um conto que coloque a mãe d’água como uma entidade
do sexo masculino ou o curupira como um destruidor das florestas. Assim, as
narrativas se constroem e se mantêm seguindo uma linha de sentido, de
significância e de regularidade que as conduzem a recitação, a sustentação.
É claro que, dentro do processo narrativo não
são apenas as regularidades e repetições que sustentam a permanência dos contos
populares na memória e no imaginário do povo. O relembrar e o rememorar também
ocupam papel fundamental em tal processo. Uma vez que, as reminiscências do
tempo pretérito, sem sombra de dúvida, nos ajudam a escrever (no nosso caso
seria mais adequado dizer oralizar) o presente, compreender o passado e, até
mesmo, pensar o futuro. Passeios por um tempo pretérito – como já mostrei em
momentos anteriores deste texto - dominam as narrativas do Imaginário nas Formas Narrativas Orais Populares da Amazônia Paraense.
Os narradores do IFNOPAP estejam eles relatando uma experiência pessoal ou uma
narrativa mítica, recorrem ao passado e, comumente, se incluem na história
narrada. O recorrer ao passado parece-me ser uma estratégia para manter o mito vivo,
e o incluir-se na narrativa se apresenta como uma forma de validar o que (re)
contam. Assim, parafraseando Halbwachs digo que a memória, mais uma vez, ocupa
papel de destaque, pois mediante seus inegáveis mecanismos de seleção e não de gravação, esta atua na construção e manutenção do narrar. Do mesmo
que também atua na construção do imaginário mítico e social do homem amazônico.
Por fim, penso ser
preciso dizer que, frequentemente os colaboradores do IFNOPAP fazem uso do
narrar como uma tentativa de explicar a realidade ou um acontecimento. Utilizo
mais uma vez a narrativa do boto, aliás, bastante citada pelos colaboradores do
IFNOPAP para exemplificar o que digo. Nos contos referentes ao boto, como já se
observou em outros momentos dentro deste texto, este aparece como um
conquistador de mulheres que em muitas das narrativas ficam apáticas e/ou
grávidas da afamada criatura. “Então, (...) eles comprovaram que o boto se
transformava em gente e passava a noite com as mulheres e o boto deixou uma
mulher grávida em Vila Goreth, no rio Arapiuns” (Santarém conta... 1995, p. 94). Este trecho da narrativa Os filhos do boto deixa claro que o
narrar assume, definitivamente, um caráter de realidade, não que ele seja o
real ou o, efetivamente, vivido.
Na verdade, o que
digo é que o boto – no trecho da narrativa acima - se torna uma representação
do fato, do ocorrido que foi revisitado, revivido, recontado. Neste sentido, a
narrativa ou a narração torna-se uma ação. Pois como diz Montenegro “a fala é
um instrumento decisivo ‘do não ter’” (Montenegro, 2007, p. 38). O não ter
alimentos, respeito ou explicação para qualquer outra carência ou ocorrido, parece
que leva o falar (narrar) a preencher lacunas. Logo, o narrar - que entendo ser
aqui um poder simbólico de recitação, manutenção e explicação de uma
determinada realidade e/ou acontecimento acaba por atuar, de fato, como uma (re)
ação ao próprio real, que tem suas fronteiras transcendidas, ultrapassadas pelo
imaginário.
Considerações finais
Começo
dizendo que estas considerações finais, na verdade, não são ainda, de fato, considerações
finais. Uma melhor classificação seria inconclusões. Explico. Este texto ainda necessita de
inúmeros dados para que possa assumir, efetivamente, (ou não) uma posição em
relação aos processos narrativos dos quais se valeram os narradores do
imaginário nas Formas Narrativas Orais
Populares da Amazônia Paraense (IFNOPAP). O acesso a documentos como o
regimento que norteou todo o processo de transposição das narrativas
ifnopapianas da tradição oral para a escrita chamado Como transcrever e a própria leitura (digo escuta) das gravações
dos contos narrados pelos colaboradores do IFNOPAP na íntegra são alguns dos
dados que, talvez, deem uma reviravolta nesta pesquisa.
É
claro que não espero que os narradores do IFNOPAP pensem as histórias que
contam e recontam de forma tão sistemática quanto foi aqui pensada. Muito
embora, suspeite - devido os dados que apresento ao longo deste texto - que
eles (os narradores), em sua maioria, tinham consciência do trabalho que
realizavam com a memória no momento em que rememoravam, relembravam e voltavam
ao um tempo pretérito, possivelmente, para tentar perpetuar as narrativas vivas
na memória.
Com
isso, os colaboradores do IFNOPAP realizaram com a voz (digo com o narrar) um
trabalho de inscrição. Quer dizer, registraram na sua memória e na memória do
(s) outro (s) imagens, discursos, textos, mais que isso, “desenharam” uma
espécie de “perfil” das narrativas, que aos poucos se fixou e sustenta-as na
memória e no imaginário popular. Assim a cobra grande é temida, a matintaperera
é velha, o curupira protege os bichos, a mãe d’água encanta e o boto seduz. É
preciso dizer que, para “traçar” este “perfil” das narrativas os colaboradores
do IFNOPAP, de modo geral, realizaram voltas ao passado, rememoraram, relembraram,
recriaram acontecimentos, vivências, “causos”. Do mesmo modo que recorreram à regularidade
e mantiveram características e elementos, que parecem “conspirar” para que os
contos populares sejam repassados a gerações e gerações de narradores.
É
também necessário mencionar que, na tentativa de validar seu discurso os
narradores do IFNOPAP recorreram não só a rememorações ou voltas a um tempo
pretérito, mas também construíram narrativas a partir dos desdobramentos do que
ouviram e/ou ressignificaram. Na
construção deste processo narrativo os colaboradores do IFNOPAP, logicamente,
também fizeram uso dos mecanismos da memória com suas imagens incompletas, com
suas reprojeções e reconfigurações. Assim, a memória, sem sombra de dúvida, deu
suporte aos narradores para que recriassem o real a partir da imaginação, das
imagens que foram “preservadas”. Logo, nas narrativas ifnopapianas cada
narrador (re) conta, inevitavelmente, deixando pistas, rastros, indícios, em
outras palavras, imprimindo sua (s) marca (s) no texto que constrói. Por isso,
cada narrador (re) conta de uma forma única e, assim se constitui como um
narrador-autor.
Por
fim, digo que ancorados na memória os narradores do IFNOPAP recriaram e
transformaram as narrativas. E quando falo de narradores que transformaram e
recriaram as histórias que relataram, refiro-me não só àqueles que se
dispuseram a (re) contar os contos que ouviram e/ou situações que vivenciaram
diante de um gravador, mas também e, sobretudo, falo daqueles que
transcreveram, transpuseram tais histórias da oralidade para a escrita. Tais
transpositores/transcritores são de suma importância para este artigo, uma vez
que este trabalho está amarrado sobre suas memórias.
Referências
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Walter. O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In. Magia
e técnica, Arte e Política (obras escolhidas). 7ª ed. – São Paulo: Brasiliense,
1994.
DERRIDA, Jaques. Mal de arquivo: uma impressão freudiana (tradução
de Cláudia de Moraes Rego). Rio de Janeiro: Relumé Dumará, 2001.
FOUCAULT,
Michel. A ordem do discurso. 3ª
ed. - França, Paris: Éditions Gallimard, 1971.
FREUD, Sigmund. Notas sobre o cubo mágico. In. Uma neurose
demoníaca do século XVII (Edição Standart Brasileira das Obras Psicológicas
Completas de Sigmund Freud). Rio de Janeiro: Imago Editora, 1976.
GAGNEBIN, Jeanne
Marie. Lembrar, escrever,
esquecer. São Paulo: Ed. editora, 2006.
GINZBURG, Carlo.
Mitos, emblemas, sinais: morfologia e
história. Tradução: Frederico Corotti – São Paulo: Companhia das Letras,
1989.
LAPLANTINE,
François; TRINDADE, Liana. O que é o
imaginário. São Paulo: Brasiliense, 2003.
MONTENEGRO, Antonio
Torres. História oral e memória: a
cultura popular revisitada. 6ª ed. – São Paulo: contexto, 2007.
PÊCHEUX, Michel.
O papel da memória. Tradução e
introdução de José Horta Nunes – Campinas, SP: Pontes. 1999.
SIMÕES,
Maria do Socorro; GOLDER, Cristophe. Santarém conta... Belém: Editora
Cejup, 1995.
__________________________________________.
Belém conta... Belém: Editora Cejup, 1995.
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Abaetetuba conta... Belém: Editora Cejup, 1995.
Disponível
em: www.belem.pa.gov.br. Acesso em
05/07/2012.
Disponível
em: www.santarem.pa.gov.br. Acesso
em 01/07/2012.
Disponível
em: www.abaetetuba.pa.gov.br. Acesso
em 03/07/2012.
[1] Coloco o termo originariamente entre aspas para
destacar que em se falando de narrativas orais, sobretudo no caso do Imaginário nas Formas Narrativas Orais
Populares da Amazônia Paraense (IFNOPAP), que teve suas narrativas vertidas
da tradição oral para a escrita – não há como se falar (ou melhor, garantir)
que existe uma originalidade, ou seja, uma pureza nas histórias ali narradas.
Pois, inegavelmente os textos – de um modo geral – e em especial às narrativas
da tradição oral se constituem de uma polifonia se vozes, elementos e enredos,
que estas adquirem à medida que são contadas e recontadas pelo povo.
[3] Idem. Nota de rodapé número
dois.
[4] O informante usa a forma
“barrigudos” fazendo referência a sua prole.
[5] Jacques Derrida em A farmácia de Platão (2005) destaca que
a escrita é phármakon, quer dizer
veneno e remédio ao mesmo tempo. Em outras palavras, escrever um mito, uma
lenda ou um texto qualquer é salvar e matar o escrito primeiro, pois nunca se
traduz um texto em sua totalidade e/ou completude, seja ele da tradição oral ou
escrita. Logo, falar em preservação é uma ideia um tanto, quanto vaga. A
discussão levantada por Derrida, também guarda semelhanças com o pensamento de
Sigmund Freud no seu famoso artigo Uma
nota sobre o ‘bloco mágico’, In. Uma
neurose demoníaca do século XVII (1976), onde Freud faz uma analogia entre o
papel da escrita e o da memória, frisando que tanto uma quanto a outra ocorrem
em cima de incompletudes e apagamentos, sobre acontecimentos que deixaram de
ser ditos e/ou inscritos, que foram apagados, silenciados. Dito de outra forma,
escrever ou narrar é um trabalho que, inegavelmente, se constitui sobre perdas.
[6] Jeanne Marie Gagnebin no seu
livro Lembrar escrever esquecer
(2006) fala dos rastros como “mecanismos da memória e do lembrar”, colocando-os
como algo que “denuncia uma presença ausente”, pp. 110-113.