ASPECTOS SOCIOLINGUÍSTICOS DAS VOGAIS MÉDIAS NO PORTUGUÊS FALADO EM ESCOLAS FRONTEIRIÇAS



Márcio Palácios de Carvalho
Profe. Mestrando (PPGL.UEMS/CAPES)
Elza Sabino da Silva Bueno
Profa Dra (UEMS/FUNDECT)

Resumo: O estudo apresenta informações iniciais acerca da influência e situação de contato linguístico numa escola municipal localizada na cidade de Bela Vista-MS, no texto aborda o uso das vogais médias [e] e [o] da língua portuguesa nas posições pretônicas, tônicas e postônicas e verifica-se também se os fenômenos relacionados às vogais médias atingem as zonas fronteiriças do Estado de Mato Grosso do Sul. Já que pesquisas sociolinguísticas realizadas em outras regiões fronteiriças do país apontam que os processos de harmonização vocálica no caso das pretônicas, a abertura do timbre nas vogais tônicas e o processo de alçamento das vogais postônicas finais e não finais tendem a manter um padrão mais conservador, devido a fatores linguísticos, extralinguísticos e geográficos. Ainda, abordando o espaço fronteiriço, pelo viés da Sociolinguística Variacionista, constata-se se há interferência fonético-morfológica na modalidade oral da língua portuguesa falada na localidade pesquisada. Para tanto, utiliza-se como aporte teórico pesquisadores como: Tarallo (2007); Labov (2008); Câmara Jr (1991-2008) entre outros.
Palavras-chave: Contato linguístico; Português falado e bilinguismo.

Introdução
O presente texto discute uma situação de influência e contato linguístico entre as línguas portuguesa, espanhola e guarani que são faladas em uma escola pública localizada no município de Bela Vista-MS a 342 quilômetros de Campo Grande, capital do Estado de Mato Grosso do Sul.
Nessa comunidade escolar os alunos utilizam as línguas espanhola e guarani para se comunicar, principalmente, nos momentos informais, o mesmo acontece na entrada e saída do turno escolar, quando os país ou responsáveis pelos alunos vão levá-los ou buscá-los. Há nessas ocasiões a preferência pelas línguas faladas no Paraguai, isso acontece porque muitos dos estudantes que frequentam a escola moram no Paraguai. Além da forte influência do Paraguai na cidade.
 As cidades fronteiriças de Bela Vista- MS e Bella Vista Norte-PY são dependentes uma da outra. Na parte comercial muitos brasileiros vão ao Paraguai fazer compras ou morar, visto que nesse país o custo de vida é mais baixo. Por outro lado, muitos paraguaios vêm ao Brasil para trabalhar ou estudar, assim as populações de ambas as nações transitam livremente de um lado para o outro, o que torna o espaço uma zona de interpenetração de costumes, culturas e línguas.
Levando em conta o espaço geográfico onde a comunicação oral acontece, o texto analisa o comportamento das vogais médias [e] e [o] nas posições que pode ocupar na palavra, a saber; pretônica, tônica e postônica, com isso pretende-se saber se os processos linguísticos de harmonização e redução vocálica para as vogais pretônicas, a abertura ou não do timbre tônico e o alçamento das vogais postônicas finais e não finais possuem o mesmo comportamento encontrado em outras regiões não fronteiriças do país.
Na fronteira, a inevitável correlação entre línguas, sociedades e culturas tornam-se mais evidentes na linguagem exteriorizada pelos falantes. Para exemplificar, a língua falada nesse espaço sociolinguísticamente complexo, o texto também fará um breve levantamento de alguns itens lexicais que foram encontrados na comunidade fronteiriça de Bela Vista-MS com o intuito mostrar algumas interferências do espanhol e do guarani no português local e como estes influenciam no comportamento das vogais médias.    
A escola é um ambiente onde se preza a modalidade elegida como padrão da língua, no entanto, ela não está num espaço isolado, mas inserida dentro de uma comunidade culturalmente diversificada por isso, suas práticas têm que ser repensadas de modo a oferecer aos alunos um ensino padrão, sem se eximir do fato de estar num contexto peculiar.
As interferências de outras línguas na escola não devem ser camufladas, já que por traz de cada forma de expressão há um indivíduo que possui uma história que é exteriorizada por meio da sua linguagem. A nosso ver, as escolas que se encontram em ambientes fronteiriços têm que ter o conhecimento das línguas e dos fenômenos linguísticos em seus ambientes para melhor compreender os pontos que precisam ser trabalhos com mais ênfase, a fim de que seja dada a possibilidade para os alunos fronteiriços competirem em pé de igualdade com os demais indivíduos na vida adulta, Bortoni-Ricardo (2004).
Diante desse cenário, o modelo teórico-metodológico utilizado no texto centra-se no trabalho empírico à luz da Teoria da Variação Linguística ou Sociolinguística Variacionista. Essa linha de pesquisa não faz qualquer julgamento social de superioridade ou inferioridade entre as línguas, pois todas cumprem o papel de servir de meio de comunicação entre os indivíduos.
Para exemplificar o linguajar fronteiriço incorporado na escola estudada, o texto mostra os principais fatores que favorecem e os que inibem a manutenção de outras línguas na fala local, assim como a incorporação de léxicos hispânicos e guarani e as alterações fonéticas no português falado nesse local.
Ressalta-se que este estudo não tem a pretensão de abordar todos os aspectos linguísticos presentes no linguajar da escola de fronteiriça, mas analisa os aspectos semânticos e fonéticos a partir de dez entrevistas realizadas in loco. Dessa forma, apresenta uma contribuição para a descrição e entendimento do falar nas fronteiras que delimitam o Brasil e o Paraguai, em especial, o espaço fronteiriço entre as cidades de Bela Vista-MS e Bella Vista Norte-PY.  
Pressupostos teórico-metodológicos
De acordo com Santos (2009) toda pesquisa segue, pelo menos, uma teoria científica, uma vez que para cada teoria existem procedimentos metodológicos adequados a serem seguidos em busca de resultados mais fidedignos possíveis. Para analisar os resultados obtidos nesse texto foi adotado o procedimento de pesquisa in loco seguindo os pressupostos metodológicos da Sociolinguística Variacionista, cuja intenção é mostrar o comportamento das vogais médias.
Para Monteiro (2000, p. 83), a linha de pesquisa da sociolinguística parte do pressuposto de que a heterogeneidade manifestada na fala pode ser analisada de forma coerente. Para tanto, o pesquisador deve ser o mais fiel possível na transcrição dos dados coletados no trabalho de campo, já que esse será o material submetido à análise qualitativa e quantitativa.    
Para demostrar como se manifesta as vogais médias na localidade estudada, foram entrevistados 10 informantes sendo, 5 do gênero feminino e 5 do gênero masculino, estudantes do 6º ano da escola municipal Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, localizada perto da fronteira com a cidade de BellaVista no lado Paraguai.
A gravação das entrevistas foi do tipo DID (Diálogo entre Informante e Documentado). Esse método de entrevista tem o intuito levar o informante a relatar experiências vividas, através de narrativas pessoais, fazendo com o informante volte no tempo e reviva o acontecimento que está sendo narrado, assim o lado emocional se intensifica de tal ponto que ele se esqueça de monitorar seu próprio discurso, Tarallo (2007). 
Em relação ao gênero, Paiva (2004) comenta que várias pesquisas na área da sociolinguista apontam que, em geral, o gênero masculino se destaca na utilização de formas inovadoras, enquanto o gênero feminino tende a manter um padrão mais próximo do padrão escrito da língua.
Essa diferença na utilização da linguagem de certa forma está relacionada ao papel social desempenhado por homens e mulheres no dia a dia. Parece mais natural admitir na sociedade atual que determinadas palavras situam-se melhor na boca de um homem do que na boca de uma mulher, Paiva (2004).
Ao selecionar o mesmo número de informantes do gênero feminino e masculino para esse estudo pretende-se verificar se o gênero masculino é mais propenso às inovações como apontam as pesquisas variacionistas ou, se no caso das regiões de fronteira, o gênero exerce pouca influência na utilização das vogais médias [e] e [o] e no uso dos léxicos oriundos de outras línguas.
A opção de trabalhar, nesse momento, com apenas uma turma do 6º ano da escola pesquisada, foi pelo fato de que eles preservam os hábitos linguísticos de seus familiares, visto que essa é uma fase da vida que eles ainda são muito dependentes da ajuda dos pais.
 A próxima seção destina-se ao estudo dos aspectos fonológico-fonéticos das vogais [e] e [o] tanto na língua portuguesa como na língua espanhola, essa abordagem se faz necessária para compreender como esses fonemas são realizados no português falado na escola ‘‘ Perpétuo Socorro’’.
Comparação dos aspectos fonético-fonológicos das vogais médias no Português e no Espanhol
            Os sons da fala são os primeiros aspectos que chamam atenção quando se depara com uma língua qualquer, ou mesmo, numa variedade de um mesmo idioma, há peculiaridades que fazem com que alguns falares pareçam mais cantados do que a nossa língua ou nosso dialeto.
No Brasil existem algumas marcas linguísticas que caracteriza uma região, por exemplo, o ‘‘r’’ retroflexo usado nas regiões interioranas de São Paulo, Paraná e Minas Gerais, vulgo ‘‘r caipira’’ ou ainda na pronúncia do ‘‘s’’ chiado dos cariocas. E, no caso de outras línguas, podem-se citar o ‘‘th’’ do inglês Americano como em thing e o ‘‘r’’ vibrante múltiplo do Espanhol como em ‘‘ropero’’.
O ramo da linguística que estuda os aspectos sonoros da linguagem é contemplado por duas disciplinas: a fonética e a fonologia. De acordo com Câmara Jr (2008 p. 14) o que distingue uma e outra disciplina é o recorte metodológico empregado, a fonologia é usada para os estudos dos sons e da elocução de uma determinada língua, enquanto a fonética é entendida como a ciência geral dos sons da fala.
Desenvolvendo a passagem de Câmara Jr, a fonética estuda os aspectos sonoros de uma determinada língua, por exemplo, as variantes do ‘‘r’’ falado na região fronteiriça onde é possível encontrar diversas variantes desse fonema ex.: o ‘‘r’’ retroflexo bastante usado no estado de MS, o ‘‘ɾ’’ vibrante múltiplo influenciado pela língua espanhola na região de fronteira e a tendência de apagamento do ‘‘ø’’ em finais de palavras no infinitivo como já constatou pesquisadores como Bueno (2009).   
No caso das vogais na língua oral, têm-se sete vogais/fonemas vocálicos que estão distribuídos em anterior baixa /a/, anterior média de 1º grau /é/, anterior média baixa de  2º grau /ê/, anterior alta /i/, posterior média de 1º grau arredondada /ó/, posterior média de 2º grau arredondada /ô/, posterior alta arredondada /u/, Câmara Jr (1991 p. 23).
O que nos chama a atenção neste estudo é o comportamento das vogais médias [e] e [o] no português falado na escola Perpétuo Socorro, localizada na fronteira entre o Brasil e o Paraguai. A figura abaixo ilustra as variantes da vogal média [e] e as possíveis formas de realizações dessas vogais na língua portuguesa.


Figura-1 aparelho fonador

No uso espontâneo, as vogais médias [e] e [o] em português podem assumir diferentes variantes, de acordo com a posição átona da palavra. Na posição pretônica é comum ocorrer uma harmonização vocálica onde os fonemas [e] e [o] são realizados como [i] e [u] p.ex.: [mi’ni.no] e [bu’nitu], esse processo tende  a acontecer sempre que a tônica for uma vogal alta [i] ou [u].
Em relação às vogais pretônicas médias, Bagno (2006 p. 98) comenta que a harmonização vocálica dá à língua portuguesa certa musicalidade, uma variedade sonora que só ela tem, e que é muito difícil de ser percebida e aprendida por um estrangeiro. Na região pesquisada espera-se que haja uma inibição desse processo linguístico, pois muitos alunos que estudam na escola tem o português como segunda língua.
Quando as vogais médias [e] e [o] se encontram na sílaba tônica têm-se as variantes abertas [é] e [ɔ]. p.e.: [‘pɛrolə] e [ɛs’cɔla], no que se refere às vogais em posição postônica, Câmara JR (1996) sustenta a ideia de ocorrência do processo de neutralização das vogais médias e suas variantes, o que reduz o sistema vocálico do português brasileiro, em outras palavras, as vogais médias tornam-se vogais altas [i] e [u] sendo realizadas como gent[i] e menin[u].
Opondo-se a ideia de Câmara Jr, Silva (2009) diz que os trabalhos realizados no Rio Grande do sul revelam que nas comunidades de fronteiras e de colonização italiana e alemã há uma tendência de preservação das vogais médias em posição postônicas, a autora argumenta que a regra de neutralização que reduz o sistema vocálico para três vogais na posição postônica final estaria em seu estágio inicial nessas comunidades.
Nas fronteiras entre Brasil e Paraguai, em especial no Estado de Mato Grosso do sul, o uso das vogais médias ainda não foi devidamente estudado. Contudo, as amostras coletadas na localidade fronteiriça de Bela Vista-MS indicam uma resistência no processo de alçamento das vogais postônicas finais.
Isso se deve pela influência do sistema vocálico espanhol que possui cinco vogais todas orais, o português, por sua vez, possui doze vogais tônicas, sete orais e cinco nasais. No espanhol as vogais [e] e [o] são fechadas, o que é imprescindível para sua pronúncia, Braz (2008). Veja o quadro a seguir:
Fonologia
Fonética
Ortografia

Fonema
Sons
Letras
Exemplos


/i/
i-fechado
i-aberto
i-nasalizado
i- sem consonântico
i-consonântico 
i, y
i
i
i
i, y
Pisa, y, Candido
Vil, victor virgen, hijo
Mimo, himno
Nieve, viene
Baile, voy, rey
/e/
e- fechado
e-aberto
e-nasalizado
E
Mesa, cesse
Reja, perro, acelga
Heno, menos
/a/
a-meio palatal
a-velar
ã-nasalizado
/a/
Casa, paradero
Alto, rato, barro, ajo
Año, maño
/o/
o-fechado
o-aberto
o-nasalizado
O
Sobre, zozobrar
Ojo, rojo, horror, Olga
Once, mono
/u/
u-fechado
u-aberto
u-nasalizado
w-semiconsonante
u-semivocal 
U


U, ü, w
U
Que, guitarra
Puro subir
Muge,rudo, zurra, ultra
Uno inmune
Igual, argüir, Williams 
Quadro-1 sistema vocálico do espanhol

O quadro vocálico do espanhol revela que as cinco vogais não se alteram independe da posição que estiver diferentemente do português cujo quadro das vogais depende da tonicidade. A esse respeito Câmara JR (1996, p.39) comenta que:

Em referência às vogais, a realidade da língua oral é muito mais complexa do que dá a entender o uso aparentemente simples e regular das cinco letras latinas vogais na escrita. O que há são 7 fonemas vocálicos multiplicados em muitos alofones. Os falantes de língua espanhola têm, em regra, dificuldade de entender o português falado, apesar da grande semelhança entre as duas línguas, por causa dessa complexidade em contraste com a relativa simplicidade e consistência do sistema vocálico espanhol. Portugueses e brasileiros, ao contrário, acompanham razoavelmente bem o espanhol falado, porque se defrontam com um jogo de timbres vocálicos menor e menos variável que o seu próprio.

Diante dessa complexidade, a pesquisa de campo mostra o uso das vogais médias [e] e [o] na região, assim contribuir para a descrição do falar fronteiriço, em especial, na escola Perpétuo Socorro’’, que possui um número expressivo de alunos paraguaios ou.
O quadro a seguir mostra as principais variantes em concorrência nas vogais médias [e] e [o] no português falado no Brasil.

Indicadores
Variação nas vogais
 Médias [e] e [o]
Transcrição Fonética
1. Alçamento da vogal Pretônica
Segunda
[‘si.gun.da]
2. Manutenção da vogal Pretônica
Segunda
[‘se.gun.da]
3. Abertura do timbre tônico
Escola
[ is’kᴐla]
4. Fechamento do timbre Tônico
Escola
[ es’la]
5. Alçamento da vogal Postônica
Posso
[‘pᴐsu]
6. Manutenção da vogal Postônica final
Posso
[‘pô so]
Quadro-2 principais variações linguísticas que ocorrem nas vogais médias [e] e [o].

As vogais médias [e] e [o] podem sofrer os seguintes processos; nas pretônicas as pesquisas variacionistas indicam que pode ocorre o processo de harmonização ou redução vocálica, onde as vogais médias [e] e [o] tendem a serem realizadas como [i] e [u], no caso das tônicas as vogais médias [e] e [o] são pronunciadas com o timbre aberto [é] e [ó], e nas postônicas também tendem a sofre um processo de alçamento, realizando como vogais médias altas [i] e [u].
Por ser tratar de uma localização de fronteiriça, abre-se um espaço na próxima seção para apresentar algumas interferências da língua espanhola e da língua guarani no português oral falado na cidade selecionada para o estudo, às variações podem atingem os planos; fonético-fonológico, semântico e lexical.
As influências lexicais do Espanhol e do Guarani no Português
Para a linguagem empregada na comunidade escolar fronteiriça de Bela Vista-MS elegeu-se um recorte sincrônico das variáveis escolaridade e gênero do falante que frequentam o 6º ano da Escola ‘‘Perpétuo Socorro’’, dado a amplitude dos temas, vários trabalhos poderiam ser feitos nessa comunidade, onde se percebem variações na forma de pronunciar os sons, alterações nas construções sintáticas e no uso do vocabulário. Já que numa região de fronteira, as variáveis linguísticas ultrapassam até mesmo as fronteiras políticas, Camacho (1989, p.3).
No entanto, o texto estuda o uso das vogais médias e a utilização de outros itens lexicais que são usados na região, assim verifica a interferência do Espanhol e do Guarani através da análise de entrevistas realizadas na localidade escolar. Tais interferências são inevitáveis em qualquer contexto em que há presença de duas ou mais línguas, já que as línguas nascem da necessidade de intercâmbio entre os indivíduos, Souza (2009, p. 126).
Dessa forma, instala-se nas regiões de fronteiriças desse Estado o ‘‘portunhol’’, uma mescla entre o Português e o Espanhol, essa linguagem é o resultado do ir e vir das pessoas de ambos os lados da fronteira que fazem com que a cultura, os costumes e a língua recebam interferências criadas no encontro de limites de nações distintas.
Souza (2009) por sua vez, argumenta que a terminologia ‘‘ portunhol’’ não traduz com precisão a espécie de trilinguismo que se desenvolve confortavelmente e a passos largos nas fronteiras que delimitam Brasil e Paraguai. Ainda citando a autora, ao se referir à região de Bela Vista-MS e Bella Vista-PY comenta que:

Esse fenômeno encontra explicação não só pela proximidade entre as duas cidades, mas, sobretudo, pela nova composição territorial que, com a guerra com o Paraguai, ocorreu naquela fronteira, quando significativas extensões de terras paraguaias foram incluídas ao território brasileiro. Assim, enquanto além da fronteira se mantém o espanhol e o guarani, com fidelidade, do lado de cá, a herança linguística dos paraguaios foi sendo fortemente incorporada pelos brasileiros. O verbo sampar (do espanhol zampar), cujo sentido é arremessar, atirar com força, é de uso corrente na  fronteira de Bela Vista: o belavistense sampa uma pedra ou um tapa. Nessa cidade não existem tempestades, mas tormentas e a sala de jantar é o comedor. É comum se ouvir expressões do tipo, a cobra picou pra ele, significando que a cobra o picou. E as expressões e gírias do dia a dia são ditas sempre em guarani, como caraí (no lugar de “seu” fulano) e cunhã porã (no lugar de moça bonita)

Por ter nascida e criada na cidade de Bela Vista-MS, a autora contribui com algumas expressões típicas dessa região, o intercâmbio das pessoas que moram nas duas cidades é tão forte que alguns léxicos do espanhol e do guarani foram incorporados à fala local e são utilizados pelos falantes de ambos os lados da fronteira, como citou Souza.
Como contextualização do espaço onde os dados foram coletados, tem-se na literatura regional um vasto exemplo, registrados em livros de literatura e revistas da área de Letras falando sobre o contexto de trilinguismo que impera na região das fronteiras de Mato Grosso do Sul.
O memorialista Sul-matogrossense Hélio Serejo, registrou a vida nos ervais durante os fins do século XIX e início do século XX, em suas obras é possível encontrar expressões como: Urutau, uma espécie de ave noturna de rapina; changá-y que em guarani significa ladrão; Caá-Yarí uma espécie da protetora dos ervais e Ivapareha, mensageira celestial que acalma os revoltados, Souza (2009, p. 134).
Em entrevista concedida a Teno (2003) Hélio Serejo esclarece que, nas caminhadas com seu pai pelos ervais, levava consigo ‘‘cadernos’’, nos quais ia registrando tudo que ouvia e observava. Suas anotações revelam a riqueza não só da região de fronteira, mas de outras localidades geográficas desse Estado, assim temos na palavra Caá, que significa erva-mate, e rapó raiz etimológica que traduz o nome do município de Caarapó para ‘‘raiz da erva-mate’’ observa-se com isso a incorporação de termos da Língua Guarani presentes em nomes de rios, cidades e ruas, entre outros.  
Na próxima seção, analisam-se os dados coletados com os informantes da comunidade escolar, verificando quais variantes estão em concorrência na escola Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, e apresentam-se alguns léxicos oriundos do Espanhol e do Guarani coletados através de entrevista com os dez alunos que frequentam a escola.
Análise e discussão dos dados
Esta parte destina-se à análise e discussão da amostra coletada na escola ‘‘Nossa Senhora do Perpétuo Socorro’’ com a intenção de verificar as variáveis linguísticas que estão em disputa nessa comunidade fronteiriça e qual delas tende a sobressair, bem como o gênero que é mais propenso ao uso das formas em destaque, na região pesquisada.
O quadro-3 mostra o uso das vogais médias pretônicas [e] e [o] no português falado na escolar pesquisada e os principais fenômenos linguísticos presentes na amostragem coletada, utilizando o método de pesquisa DID (Diálogo entre Informante e Documentador), dentro da perspectiva da Teoria da Mudança e Variação.

Variáveis em concorrência
Vogal média
Pretônica
[e] e [o] para
[i] e [u]
[e] e [o]

23,36%
76,64%






Quadro-03 Variação versus manutenção das vogais médias pretônicas.

Após a análise estatística dos fenômenos linguísticos encontrados na fala dos alunos selecionados, obtiveram-se alguns porcentuais que revelam o uso das vogais médias no português fronteiriço que não corrobora com os principais fenômenos linguísticos, encontrados em outras regiões não fronteiriças de MS.
Na amostra coletada, as vogais médias pretônicas obtiveram-se os seguintes percentuais: 23,36% para o processo linguístico de alçamento contra 76,64% para a manutenção das vogais médias pretônicas. Com isso, constata-se que às vogais pretônicas são mais resistentes à regra da harmonização vocálica. Onde no restante do Estado há um favorecimento das formas ‘‘sigunda’’ e ‘‘bunitu’’ como constatou e pesquisa de Oliveira (2009).
A mesma inibição foi observada em relação ao processo linguístico de redução vocálica, o fato de muitas palavras não possuir a tonicidade mais comum na língua portuguesa inibi tal processo, nos dados analisados não ocorreu nenhuma forma como, por exemplo, ‘‘buné’’ ou ‘‘bunéca’’, mas sim boné e boneca.
Diante do quadro-3, conclui-se que a preservação nas pretônicas ocorre pela não abertura do timbre tônico da palavra o que é bastante comum no quadro vocálico da língua espanhola, onde o processo de variação de vogal média [e] e [o] para alta [i] e [u] não acontece.   
O próximo quadro mostra o comportamento das vogais médias tônicas no português falado na escola pesquisada.


Variáveis em concorrência
Vogal
Média Tônica
Abertura do timbre [é] e [ó]
Fechamento do
timbre [ê] e [ô]
30,77%
69,23%

Quadro-04 Variação versus manutenção das vogais médias tônicas
Em relação às vogais médias tônicas a amostra apresentou os seguintes percentuais: para a abertura do timbre p. ex.: [ɛ] e [ᴐ] o resultado encontrado foi de 30,77%, contrastando com 69,23 % para o fechamento do timbre p. ex.: [ê] e [ô], percebe-se que as vogais em posição tônica tende a manter-se com o timbre fechado:
Com o timbre fechado.                      Ao invés de:
- m[ô]to                                           - m[ó]to
- Mandi[ô]ca                                               - Mandi[ó]ca
-Am[ê]rica                                       -Am[é]rica     
-c[ô]rto[1]                                           -c[u]rto

Constata-se que tais pronúncias se aproximam mais da Língua Espanhola do que do Português, esse dado vem ao encontro da afirmação feita por Souza (2009), quando diz que a fala dos Belavistenses possui muitos elementos do espanhol e do guarani.
O próximo quadro analisa a vogal média [e] e [o] na posição postônica final com base, na coleta de uma amostra de dez entrevistas transcritas usando o modelo desenvolvido pelo projeto NURC (Norma urbana Culta) com adaptações para a linguagem popular, a característica principal desse modelo é transcrever exatamente como a palavra é pronunciada, assim foi possível observar o comportamento das vogais médias em posição postônicas .


Variáveis em concorrência
Vogal
Média
Postônica

[e] e [o] para
[i] e [u]
[e] e [o]

40,97 %
59,03%

                            
       Quadro-05 Variação versus manutenção das vogais médias postônicas
Com base no quadro-5, observa-se que na localidade pesquisada há uma tendência, ainda que não tão significativa, em relação aos percentuais dos quadros 3 e 4, de preservação das vogais [e] e [o] postônicas. A realização dessas vogais foi de 40,97% para elevação de [-] médias para altas [+], e de 59,03% para a manutenção.
As vogais pretônicas apresentaram índices mais próximos entre as formas de alçamento versus preservação das vogais médias átonas finais. A esse respeito Câmara JR (2008, p.58) comenta que basta a ausência da tonicidade para ter a neutralização da vogal em oposição átona, ou seja, as variantes [e]; [è] e [ɛ] assim como as [o], [ᴐ] sofrem um processo de neutralização realizado como uma única variante alta [i] para [e] e [u] para [o].
No entanto, o resultado da amostra revela que na fronteira existe uma tendência à manutenção das formas átonas finais [e] [o], a mesma conclusão chegou Silva (2009) ao confirma que em comunidades fronteiriças e de descendência germânica predomina a conservação das postônicas.
De acordo com Bisol (2009), as pesquisas sobre a variação nas postônicas mostram que o fator geográfico manifesta-se como determinante na manutenção das vogais postônicas finais. Isso explica o fato de a regra da neutralização ainda se encontrar no falar da região Sul em vias de implementação.
 No caso da localidade em estudo, observa-se a mesma conservação das postônicas finais, o mesmo resultado foi encontrado nas regiões fronteiriças do Sul do Brasil. Contudo, no espaço geográfico pesquisado, a análise das entrevistas revelou peculiaridades como: as vogais não finais de /ando/, /endo/ sofrem um processo de desnasalação, e são pronunciadas como a intensidade típica da língua espanhola p. ex.: ‘‘ cantando’’ e ‘‘ comendo, nesse caso,  são menos propensas ao processo de alçamento.
Observando as análises das entrevistas, percebe-se que quando a consoante bilabial /m/ estiver seguida de vogal média, o processo de alçamento tende a não ocorrer. Agora, se for uma consoante palatal /ɲ/ ou a uvular /N/ o processo de alçamento é mais propenso.
O próximo quadro analisa o resultado das variações em relação ao fator extralinguístico gênero do falante.
Indicadores
Masculino
Feminino
Total de
Ocorrência
1. Alçamento da vogal Pretônica
22
30
52 ou
22,80%
2. Manutenção da vogal Pretônica
108
68
176 ou
77,20%
3. Abertura do timbre tônico
17
34
51ou 
30,72%
4. Fechamento do timbre Tônico
64
51
115 ou
69,28%
5. Alçamento da vogal Postônica
172
171
343 ou
40, 97%
6. Manutenção da vogal Postônica
300
194
494 ou
59,03%
Total de vogais analisadas
683
548
1231
                Quadro-06 Variação versus manutenção das vogais médias postônicas.

Diante desse último quadro tem-se um breve panorama das principais variações que ocorrem na locada pesquisa e como se manifestam na fala oral pelos informantes dos gêneros masculino e feminino. Conforme os dados coletados, na região de fronteira há uma tendência de manutenção dos principais fatores linguísticos.
Os dados revelaram que em relação às vogais médias pretônicas que ambos os gêneros tendem a não realizar os processos de harmonização e redução vocálica, tão comum em outras localidades do país.
Em relação às vogais tônicas, o número de palavras com o timbre fechado foi maior do que as de timbre aberto 69,28% e 30,72%, sendo que o gênero masculino manteve o timbre sem o processo de abertura em 64 palavras/vogais contra 51 palavras vogais do feminino.
Já nas vogais postônicas o uso foi mais equilibrado, porém os dados nos revela um dado importante, o gênero masculino prefere não realizar o processo de alçamento nas vogais finais das 494 palavras-vogais eles não fizeram a abertura em 300 palavras, no caso do gênero feminino o uso foi menos acentuado, no entanto, em geral percebe-se que na escola estudada há uma preservação das vogais finais. Diferentemente da afirmação de Câmara JR (1996) que defendia o processo de neutralização nas vogais finais. E corrobora com outras pesquisas realizadas no Sul do país pelas autoras Bisol (2009) e Silva (2009) que defendem a tese de que nas fronteiras há uma resistência de alçamento das postônicas.
Em relação aos itens lexicais encontrados na localidade escolar, notou-se que muitas palavras sofreram modificações na fonética influenciada pelo contato linguístico entre as línguas presentes na região estudada. Nesse cenário, algumas palavras que normalmente têm o som aberto na sílaba tônica, são realizadas com o som fechado aproximando-se do sistema vocálico da língua espanhola. Como se pode observar nas seguintes palavras: ‘‘agôra’’, ‘‘bônîto’’ e ‘‘bonêca’’.
Percebe-se nitidamente a preservação das vogais médias [e] e [o] tão comum na língua espanhola. Em outras regiões do país a tendência é que essas palavras sejam pronunciadas com o timbre aberto. Daí a necessidade de conhecer os vários falares brasileiros para realmente estudar a língua portuguesa e suas variedades linguísticas.
Na listagem a seguir é possível observar a presença do espanhol no português falado na escola Perpetuo Socorro.
1.      (AG-M-11) eu nun vi tinha um montón de aluno lá rondeando lá.
2.      (BAC-M-12)já fui dos vezes alla:: é bônito tem todo dia tem carro passando
3.      (LMS-F-12) celular aqui tatrecento i pocola você compra por noventa

Na linguagem oral, os alunos utilizam algumas palavras do espanhol durante a comunicação verbal, isso ocorre pela proximidade entre as duas línguas seja evidente é na fala que se percebe essa interferência provocada pela mudança de entoação.
Na escola, os alunos preferem utilizar palavras como ‘‘redear’’ para se ‘‘dar volta’’ p. ex.: ‘‘ele ficou rodeando’’ ou invés de ele ‘‘ficou dando voltas’’. No segundo exemplo da listagem, observa-se a presença dos léxicos da língua espanhola ‘‘dos’’ que significa ‘‘dois’’ e ‘‘alla’’ que significa ‘‘lá’’ em português. No exemplo 3 tem-se o numeral ‘‘trecento’’ em espanhol e o substantivo ‘‘poco’’da língua espanhola.
Considerações finais
Utilizando a metodologia da Teoria da Mudança e Variação linguística foram analisada dez entrevistas realizadas na Escola Municipal Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, no município de Bela Vista-MS. Por meio da abordagem sociointeracionista foram abordados temas sobre o cotidiano local, assim pode-se colher dados linguísticos que revelaram o comportamento das vogais pretônicas [e] e [o] nas posições pretônica, tônica e postônicas, bem como algumas características do falar local.
Em relação às vogais médias da língua portuguesa foram trabalhadas as hipóteses de que se nas zonas fronteiriças entre Brasil e Paraguai, especialmente, no espaço entre as cidades de Bela Vista-MS e Bella vista-PY acorre os mesmos fenômenos linguísticos referentes às vogais médias da língua portuguesa ou se há fatores que desfavoreça tais fenômenos de se manifestarem na língua oral.
Aproveitou-se o corpus coletado na cidade para verificar a presença de outras línguas em contato com o português falado pelos estudantes da escola ‘‘Perpétuo Socorro’’ e se os resquícios de outras línguas exercem algum tipo de influência nos processos linguísticos que normalmente ocorrem com as vogais.
Em relação às vogais pretônicas, a amostra coletada na escola revelou que há uma tendência de preservação das vogais médias [e] e [o] com porcentagens bastante expressivas, 76,64% da amostra referente à posição pretônica sofreu alteração contra 23,36% que apresentou o processo de harmonização ou de redução vocálica. Com isso, conclui-se que tais processos ainda estão em estágio inicial na localidade.
Na posição de tônica da palavra, foi possível perceber que as vogais médias [e] e [o] tendem a ser realizadas com o timbre fechado, na localidade pesquisada é mais comum ouvir a variante mandi[ô]ca ao invés de mandi[ó]ca o mesmo passa com m[ô]to e m[ó]to. Os índices ficaram assim: 69,23% para o fechamento do timbre e de 30,77% para abertura da vogal tônica.
Apesar de ser um estudo inicial sobre as vogais nessa localidade, os resultados mostrou que o alçamento tende a ocorrer quando o informante pronuncia a vogal tônica de forma aberta. Foram poucas as situações em que os informantes utilizaram as formas [bunîto] com a vogal fechada. É mais propensa a harmonização ou a redução quando a vogal média tônica é pronunciada com a abertura do timbre.
Já nas postônica os resultados revelaram uma diferença menos acentuada em relação às pretônicas e as tônicas. No entanto, houve um favorecimento da conversação das vogais finais [e] e [o], com isso é possível concluir que afirmação feita Câmara Jr (1996) de que ocorre uma neutralização nas variantes das vogais médias realizando se somente vogais altas [i] e [u] ainda não atingiu a região pesquisada. A mesma conclusão chegaram Bisol (2009) e Silva (2009) no português falado no Sul do país.
Notou-se também que as vogais postônicas são propensas ao alçamento quando a consoante que acompanha a vogal média final for uma palatal /n/, quando for uma bilabial /m/ a probabilidade de alçamento diminui.
Por estar num espaço fronteiriço, apareceram algumas influências do guarani e do espanhol na fala local, o que não é novidade, seria anormal se isso não ocorresse, já que há um forte intercambio cultural nesse espaço as vogais da língua espanhola manifestam-se no português através da modificação da entoação das palavras, assim as terminações em /ando/ como falando e cantando e /endo/ como em fazendo e correndo, sofrem um processo de desnasalização na penúltima vogal sendo realizadas como; falándo, cantándo, fazéndo e corréndo o que diminui as chances de alçamento já que na fonética espanhola tal processo não se realiza.
A interferência do espanhol e do guarani não se restringe apenas à fonética, mas também à semântica, estrutura e ao léxico, nessa localidade as pessoas usam termos como ‘‘y-rá’’ para vamos embora e ‘‘karú’’para comer, ou palavras do espanhol ‘‘eu pregunté’’ para ‘‘eu perguntei’’ ou com estrutura do espanhol como ‘‘ moro em Paraguai’’ ao invés de moro no Paraguai’’ e com outros léxicos mais típicos do país vizinho como os verbos rodear, bailar mais comumente usados na fala hispânica.
Enfim, ainda que os dados precisem ser trabalhados com mais detalhes, o texto contribui para a descrição linguística das regiões de fronteiras do Estado do mato Grosso do Sul e de outras fronteiras que queiram entender melhor o falar fronteiriço.
Referências
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[1]. A palavra da língua espanhola ‘‘corto’’ foi utilizada pelo entrevistado para se referir a ‘‘curto’’ em português.