O
SUJEITO, A LINGUAGEM E A REPRESENTAÇÃO SIGNIFICATIVA DO MUNDO: O
ESTABELECIMENTO DE UM DIÁLOGO LINGUÍSTICO-FILOSÓFICO ACERCA DA CONSTRUÇÃO
SOCIAL DE SENTIDOS
Atílio Augustinho
Matozzo
Professor da Rede
Pública de Ensino do Paraná
Mestre em Estudos
Linguísticos
RESUMO:
O objetivo de nosso trabalho está centralizado no estabelecimento de um
diálogo entre alguns campos do conhecimento humano, os quais têm a linguagem como
seu principal objeto de estudo/pesquisa. Desta forma, fazemos uma transposição epistemológico-filosófica-linguística
da construção do sentido, levando em consideração a constituição representativa
dos sujeitos postados no mundo, considerando a sua produção de linguagem e os seus
efeitos de sentido. Para isso, recorremos, principalmente, às referências
filosóficas que galgaram os primeiros (e principais) esboços de uma explicação
sobre o estabelecimento do sentido. Para isso, desenvolvemos um processo
filosófico-linguístico, revisitando dialogicamente as teorias semânticas, sociocomunicativas
e da Análise do Discurso. Para isso, dividimos nosso trabalho em três partes
interligadas dialogicamente entre si. A primeira problematiza os processos de
construção de contextos comunicativos, levando em conta a origem e a (re)produção
da linguagem, estabelecendo um diálogo proveitoso com as teorias filosóficas e
linguísticas. A segunda parte é composta por uma discussão semântica a cerca da
construção de sentidos a partir da representação lexical, envolvemos, então, uma
análise acerca do poder conferido ao sujeito na (re)produção de metáforas através
de processos discursivos. E, por fim, na terceira parte, apresentamos uma
posição referente à constituição do sujeito e a proliferação social da
linguagem realizada por este. Nossa discussão é conduzida pelo viés da
Filosofia da Linguagem e da Linguística (estruturalista e pós-estruturalista).
Esperamos, com essa nossa discussão, não cartesiana, apresentar novas contribuições
para o estudo do sentido, incorporada a uma nova visão de estudos da linguagem,
realizando diálogos entre campos, antes considerados distintos, numa mesma
proposta, visando a produção e análise significativa da linguagem nas mais variadas
comunidades discursivas.
PALAVRAS-CHAVE:
Sentido; Linguagem; Sujeito.
1
Introdução
Falar sobre linguagem
nos remete a inúmeros campos do conhecimento humano, um deles é a Filosofia. Os
gregos propuseram profundas discussões em torno da origem da linguagem,
calcando seus estudos na Filosofia, acompanhada, também, da Etimologia, da
Semântica e da Retórica, abrangendo, assim, áreas diferentes do conhecimento. A
base primordial desses estudos concentrou-se em dois pontos: na Lógica com os
analogistas, que fundamentaram a gramática grega; e no uso corrente com os
anomalistas, surgindo, assim, a gramática da práxis (do uso). Apesar de
tomarmos como base a Filosofia da Linguagem para desenvolver nossas
problematizações, não deixaremos de lado as reflexões apresentadas pela Linguística
(estruturalista e pós-estruturalista). Esclarecemos, em termos de discussão, que
além da diferença de tempo de existência entre os dois campos, linguístico e
filosófico, a Filosofia, segundo Nef (1995), é mais crítica que a Linguística.
Dentro dos estudos linguísticos
encontramos a teoria saussuriana acerca do signo linguístico, constituindo uma
doutrina que conduz os estudos em torno da linguagem desde o lançamento do Curso de Linguística Geral. Saussure (1979) considerou a língua como um
sistema de signos formados pela união do sentido e da imagem acústica, formando
a palavra. Não podemos esquecer que o que Saussure chama de sentindo é a mesma
coisa que conceito, idéia, ou seja, é
a representação mental de um objeto ou da realidade social na qual estamos
situados, esta representação é realizada, e condicionada, pela formação
sociocultural que nos envolve desde o nascimento.
A filosofia da
linguagem e os estudos linguísticos formularão a nossa base de discussão neste
trabalho. Buscaremos potencializar, de forma analítica, como se constitui a
formação do sentido e sua representação, com base no conhecimento social e no processo
interacional que constitui todos os sujeitos. Levaremos em consideração os
estudos de Franchi (2002), o qual considera a linguagem uma atividade
constitutiva. As nossas discussões semânticas terão como base a Semântica
Enunciativa, já que pretendemos caracterizar a base de constituição do sentido
e das representações feitas pelo sujeito no mundo. Assim, não podemos deixar de
lado as discussões acerca das metáforas, pois segundo Lakoff e Johnson (2002),
vivemos num mundo extremamente metafórico.
Dividimos nosso
trabalho em três partes. A primeira centraliza-se numa discussão
filosófica/linguística em torno da aquisição da linguagem e da criação
significativa proporcionada por ela; a segunda parte apresentará uma visão
geral da (re)construção dos sentidos na formulação social do léxico; e, por
fim, a representação mundana apresentada pela linguagem de forma constitutiva.
Entre as inúmeras
questões já debatidas em todos os tempos está a origem da linguagem, porém,
ainda hoje, não temos certeza da verdadeira origem, mas uma coisa é certa, tudo
começou pela imitação. Rosenstock-Huessy (2002, p. 37) sugere um questionamento
interessante, mostrando que: “é preciso saber o que queremos dizer por
‘origem’, o que queremos dizer por origem da linguagem”. Para encararmos esse
processo de origem devemos observar que a linguagem pode significar inúmeras
coisas, desde a indicação de um lugar até um tratado formal de paz. Então, qual
é a origem dessas duas “formas” de linguagem? De um lado temos uma forma menos
padronizada de linguagem, na qual o sujeito usa o seu conhecimento de mundo
(adquirido desde o berço) para indicar a direção exata, ou aproximada, e, do
outro lado, temos a forma mais padronizada da linguagem, carregada de inúmeros
recortes da voz do outro. Grice (1989) aponta que muitas vezes o que um falante
quer dizer vai além daquilo que ele diz, ou seja, aparece uma sugestão, uma
indicação e, até mesmo, uma insinuação, dependendo do contexto enunciativo. Então,
percebemos que a questão não é somente saber qual é a origem da linguagem, mas
compreender e conhecer a origem dos outros elementos que a compõe, entre eles o
sujeito que faz da linguagem uma atividade diária que representa o mundo em sua
volta.
Borges Neto (2003) afirma que as expressões linguísticas são vazias
(indeterminadas) até adquirirem seu significado na relação com um modelo de
mundo, na qual constituirá o seu verdadeiro sentido. Assim, podemos dizer que a
constituição significativa da linguagem passa por representações
sócio-culturais, já que para que uma palavra possa constituir a sua existência real
(passando a existir no léxico) passa pela representação cultural de um povo.
Franchi (2002) mostra que o processo história-mente-língua reconstrói situações
comunicativas, estabelecendo relações entre a estrutura (sintaxe) e a cultura
(léxico), representando uma visão antropológica de linguagem.
Na língua há a presença do processo sintático, mas será que ele é o
responsável pela constituição do léxico? Observemos os seguintes exemplos:
1) Idéias verdes incolores dormem furiosamente.
2) Furiosamente dormir idéias verdes incolores.
No exemplo 1 temos uma representação sintática perfeita, representando
uma sentença gramaticalmente correta, mas em compensação encontrar um sentido
para o enunciado é um tanto complexo. Talvez se estivesse contextualizada num
poema o sentido realmente poderia surgir. O exemplo 2 representa uma sintaxe
desconcertante, representando uma sentença agramatical, mesmo sendo
contextualizada não constituirá um sentido. Assim, podemos afirmar que a
sintaxe não é a responsável pela constituição total do léxico. Como afirma
Marcuschi (2007), o conceito de boa-formação sintática é definido à margem das
noções semânticas, ou seja, das noções de sentido, que são responsáveis pela
constituição do léxico.
Bakhtin (1997) aponta que a constituição do sujeito passa pela relação
heterogênea, desta forma, ao recebermos palavras, sentenças e discursos fazemos
a assimilação e consequentemente o uso. Assim, neste processo dialógico vamos
constituindo um léxico que está pronto para ser usado de forma estrutural na
(re)produção de textos e discursos[1].
O poder de (re)criação do homem passa pela definição das palavras que
constitui o seu léxico, desta forma, para Franchi (2002), o que é primordial é
estabelecer uma relação linguística que passe da estrutura para o uso
contextual, fazendo, desta forma, com que a linguagem se torne uma prática que
englobe dois conhecimentos básicos: o conhecimento de mundo e o conhecimento
semântico. A união destes dois conhecimentos origina a comunicação, promovendo,
também, o processo metalinguístico (típico dos dicionários, que para muitos
representam todo o léxico de uma língua). Marcuschi (2007, p. 27) aponta que:
“para que seja possível uma definição explicita do conceito de verdade é
necessário que o contexto semântico seja esgotado pela definição. Do contrário
temos uma convenção e não uma definição”. Não podemos viver de convenções, mas
sim de definições, que nem sempre são exatas. Cabe aqui o processo de
denotação, o qual faz a referenciação do mundo.
A produtividade da língua(gem) passa pela criação do homem. Por exemplo,
um poeta, que com suas palavras consegue expressar dor, sem mesmo nunca tê-la
sentido; expressar amor, sem mesmo senti-lo, ódio, sem, talvez, jamais saber o
que é tê-lo. Mas como se dá este processo? A partir da fixação de um conceito,
pois é o conceito que representa o amor, a dor e o ódio, assim, temos uma
grande facilidade de manipular conceitos, marcamos, desta maneira, uma
importante noção: o conceito não é um dado pronto, mas sim o desenvolvimento
complexo do significado das palavras.
Portanto, vivemos (re)formulando
conceitos, (re)criando modos de significar, o que nos permite fazer uso da
linguagem, mesmo sem sabermos de onde exatamente ela vem. Mas uma coisa é
certa, a vivência social unida aos processos heterogêneos constitui o nosso
arcabouço linguístico, deixando-o pronto para ser usado em qualquer situação
comunicativa, nos mais variados contextos, dependendo do uso e do conhecimento
adquirido pelo sujeito, seja ele, em uso, perfeitamente estrutural ou não.
Quando falamos de
sentido sempre fazemos referência à significação, que é o processo que faz a
associação entre um objeto, um ser, uma noção ou um acontecimento a um signo.
Por exemplo, uma nuvem pode ser sinal de chuva, um latido o sinal de cólera,
fumaça sinal de fogo. De certa forma, realizamos um processo de implicatura,
segundo Grice (1989), que parte da constatação intuitiva do sujeito, propondo o
termo implicatura para o que é sugerido, indicado, insinuado, etc., a
implicatura é contrastada com o que é dito, sendo inferido os significados
totais de uma enunciação, ou seja, o que é dito unido às implicaturas
constituem o que é comunicado.
Entra em jogo, aqui, a
intenção do comunicador (enunciador) que propõe o sentido a partir das palavras
que são proferidas. Vejamos o exemplo abaixo:
3) A: O senhor aceita uma xícara de café?
B: Bem, o café não me deixa dormir.
Analisando este
exemplo, percebemos que o interlocutor B, ao dar a sua resposta, não define
diretamente se quer ou não café. Neste caso ocorre um processo de implicatura
com base na resposta dada por B, pois este insinua que o café não lhe deixa
dormir, logo por isso não quer tomá-lo. Esses processos implicaturais ocorrem
diarimente. Mas como compreendemos o sentido exato dessas relações insinuadas?
Com certeza é a partir do nosso conhecimento de mundo, bem como dos processos
interacionais que estabelecemos socialmente, provocando um verdadeiro jogo de
estímulos e respostas.
Os sujeitos usam
diarimente formas estilizadas na comunicação, isso marca a metáfora, por
exemplo, como um grande recurso usado na (re)criação da linguagem diária.
Lakoff e Johnson (2002) deram um tratamento explícito à metáfora ao descobrirem
as metáforas conceptuais subjacentes às expressões linguísticas metafóricas.
Por exemplo: A MENTE É
UM RECIPIENTE
4) Não consigo tirar essa teoria
da minha cabeça.
5) Sua cabeça está cheia de
abobrinhas.
Não nos damos conta que diariamente proferimos metáforas assim,
desenvolvendo novos sentidos e novos processos lexicais. Além das metáforas,
usamos outras figuras de linguagem, as mais comuns são: sinédoque, catacrese e
metonímia.
6) Os automóveis estão entupindo nossas estradas (sinédoque).
7) Fiz uma ponte aérea ontem no Recife (catacrese).
8) Ela é só mais uma cara bonita na televisão (metonímia).
Todos esses processos apontados por Lakoff e Johnson (2002), estão
ligados a modelos de mundo que nós construímos a partir da constituição de
símbolos (aliado ao mundo semiótico), pois construímos esses modelos com base
no nosso conhecimento mundano. Esses símbolos constituem objetos
significativos, por exemplo:
9)
Pomba = Espírito Santo ou paz.
A pomba, no exemplo 9, marca uma
representação simbólica, assim, como a balança pode representar a justiça, por
exemplo. Compreendemos tudo isso sem fazer muito esforço, pois convivemos com o
sentido das expressões ou símbolos, bem como (re)criamos novos.
Possenti (2001, p. 78) aponta que:
[...]
linguagem é um processo constitutivo, em vez de decorrer de regras previamente
dadas. Assim como se propõe aqui que os discursos são constituídos, que os
recursos são escolhidos e postos a produzir efeitos, pois se considera, então
que “se pode olhar a língua como uma modalidade particular de estruturar a
realidade”.
A linguagem constitui o mundo, de
maneira simples e rápida, pois somos capazes de realizar processos como os
apresentados em todos os exemplos até agora de forma rápida e eficaz que não
nos damos conta disso. Isso representa o conhecimento linguístico-social dos
falantes. Encontramos uma confirmação desse processo, quase que natural (ou
imanente do ser humano), nas palavras de Sapir (1921, p. 3):
Na
verdade, o ser humano normal é predestinado a andar; não porque os seus
antecessores irão assisti-lo na aprendizagem dessa arte, mas porque seu
organismo é preparado desde o nascimento, ou mesmo desde o momento da
concepção, para empregar todo o consumo da energia do sistema nervoso e todas
aquelas adaptações musculares que resultam no andar. Em resumo, andar é uma
função inerente do homem.
O léxico passa por
processos de associações, envolvendo movimentos contextuais e de significação,
num processo paradigmático, assim, quando vemos o signo mar, logo processamos a
associação praia, verão, etc. Desta maneira vamos construindo nosso conhecimento
em torno das palavras. Guiraud (1975) afirma que uma vez criada a palavra seu
sentido poderá evoluir, isso comprova que não existe um sentido fixo, exato,
mas representações significativas.
Ainda Guiraud (1975, p.
26) diz que: “o sentido tal como nos é comunicado no discurso, depende das
relações da palavra com as outras palavras do contexto, e tais relações são
determinadas pela estrutura do sistema linguístico”. Com isso, Guiraud remodela
as teorias do signo, traçando um paralelo entre a referência (ou conceito =
significado) e o referente (ou coisa denominada), neste processo temos a
palavra não como a transmissão da coisa (nome), mas como a imagem da coisa
(nome).
O mais interessante
nisso tudo é que não precisamos de um conhecimento profundo das estruturas
(sintaxe) para realizar processos de (re)construção linguística, basta a convivência
social. Portanto, podemos chegar a uma conclusão em especial: a
produção/construção de sentidos passa pela formação e caracterização do léxico,
o qual é adquirido durante toda a existência do sujeito, num processo
evolutivo.
Pela sua formação
heterogênea o sujeito é o grande responsável pela constituição de um mundo
totalmente organizado pela linguagem. Foucault (1971) apresenta um sujeito que
faz do discurso (o qual é transmitido pela linguagem) um mecanismo de poder,
que não deixa de ser um mecanismo retórico. Desta forma, Perelman e Olbrechts-Tyteca
(1996) afirmam que o grande orador, aquele que tem ascendência sobre outrem de
forma retórica, parece animado pelo próprio espírito de seu ouvinte, ou seja, o
sujeito é embalado pela recepção/percepção que os outros fazem dele. Porém, não
podemos esquecer que cada ouvinte é diferente, por isso o processo de adaptação
da linguagem/discurso deve ser uma constante. Isso mostra que a projeção da
linguagem dependerá do contexto comunicativo, bem como dos sujeitos envolvidos
neste contexto, construindo, desta forma, relações significativas.
A significação, campo
de longínquas discussões, é o epicentro da produção de linguagem. A linguagem é
o lugar ordinário da significação, essa concepção aparece nas teorias de
Wittgenstein (1976), e desenvolvida por Austin (1962), na teoria dos atos linguísticos
(de fala), na qual ele afirma que as palavras significam aquilo que os homens
fazem com elas. Austin (1962, p. 148) mostra que: “sendo a linguagem nossa
forma de ver o mundo, as palavras contêm todas as distinções que os homens
acharam por bem estabelecer para sua comunicação”.
Podemos, neste momento,
afirmar que o sujeito, enquanto dominador da linguagem, (re)produz o mundo a
partir de um movimento, aliás típico (ou inconsciente), de representações linguísticas,
carregadas de movimentos metafóricos, porém, sempre adaptando o processo
discursivo dependendo do seu campo de abrangência.
Franchi (2002, p. 65)
diz que:
A
linguagem, pois, não é um dado ou um resultado; mas um trabalho que “dá forma”
ao conteúdo variável de nossas experiências, trabalhos de construção, de
retificação do “vivido”, que ao mesmo tempo constitui o sistema simbólico
mediante ao qual se opera sobre a realidade como um sistema de referências em
que aquele se torna significativo. Um trabalho coletivo em que cada um se
identifica com os outros e a eles se contrapõe, seja assumindo a história e a
presença, seja exercendo suas opções solitárias.
Encarar a linguagem
como um processo constitutivo é perceber que as relações formais são uma consequência
de atos reflexivos sobre a própria linguagem, processo comum a todos os
falantes. O significado passa por esse processo constituidor, caracterizando-se
como um processo sociocultural que nos segue desde o berço, formulando, assim,
o signo.
Para exemplificar,
utilizaremos aqui o signo mesa. Numa
visão metalinguística, comum no dia-a-dia, encontramos no Dicionário Aurélio da
Língua Portuguesa (2001, p. 491) uma definição de mesa:
Sf. 1. Móvel, em geral de madeira, sobre o
qual se come, escreve, trabalha, etc. 2. Conjunto formado pelo presidente e
secretários duma assembléia. 3. Numa seção eleitoral, o conjunto dos indivíduos
que se ocupam dos trabalhos relativos à votação. 4. Quantia fixa ou cumulativa
de apostas, em certos jogos de azar.
Seguindo a teoria de
Saussure (1979), vemos que é a impressão psíquica transmitida pela imagem
acústica /meza/, que expressa
foneticamente o signo mesa, esta
imagem acústica evoca psiquicamente a idéia acima representada pelo dicionário.
Mas voltando ao “significado” dicionarístico de mesa, encontramos quatro formas
significativamente diferenciadas. A primeira traz, justamente, a relação
psíquica mais conhecida dos sujeitos, ou seja, mostra a sua utilidade: mesa
como um objeto de madeira, sobre o qual se come, trabalha e se escreve.
Partindo agora para a
análise dos outros significados propostos pelo dicionário, não temos mais uma
representação concreta no mundo, pois o que leva o sujeito a compreender a mesa
pelo viés da “formação” de uma mesa de trabalhos e/ou de apostas é o processo
metafísico, ou seja, não há uma representacionalidade no mundo antes da
formação da mesa. Assim, no processo de constituição do signo mesa, teremos o
conceito agindo, de forma marcante, na produção da imagem acústica, ou vice e
versa. Pois o primeiro significado que temos é aquele co-relacionado à mesa de
madeira, com quatro pernas, que serve para apoiarmos nossos pratos sobre ela,
ou escrevermos, ou trabalharmos, etc. Então, a partir do segundo sentido
proposto pelo dicionário o sujeito deve fazer um processo metafórico para
compreender o que é uma mesa. Por esse motivo questionamos: quando uma mesa,
num processo de constituição de significados, é uma mesa?
Resweber (1982, p.14) praticamente elucida essa
charada linguística dizendo que:
Ao
mesmo tempo em que se abre o domínio de uma práxis, anuncia-se a significação
fundamental de um corpo que se apresenta como o instrumento primeiro que
permite confeccionar os outros instrumentos. Ora, o enunciado reativa a memória
do gesto inaugural pelo qual esse instrumento se transforma dando forma ao
mundo.
Além dos significados
encontrados no dicionário, temos outras formas significativas para mesa, por
exemplo, quando alguém usa uma maleta (aquelas de executivo) sobre o colo para escrever
alguma coisa, será uma mesa, ou apenas está usando algo para que sirva como tal?
E então, como fica a representação desta mesa no mundo lexical constituído
pelos sujeitos? Como afirma Resweber, sempre iremos puxar a significação
primeira, a qual nos dá toda a representação. No mesmo caminho Saussure (1979,
p. 80) diz que: “o caráter psíquico de nossas imagens acústicas aparece
claramente quando observamos nossa própria linguagem.” Ou seja, quando vemos
alguém usando uma maleta como mesa, logo fazemos o jogo significante + significado = signo mesa. Mas o que mais influencia
para que chamemos isso de mesa? Neste caso é a imagem acústica que realiza uma
acrobacia relacional, dando-nos uma conclusão: é uma maleta que está servindo
de mesa, isto é, naquele momento é uma mesa.
Podemos perceber,
então, que a representação do mundo através dos processos de construção de
significado, abre um arcabouço de dúvidas a serem refletidas na mente dos
sujeitos, o que nos leva a mais uma densa reflexão nos fazendo perceber que os
significados constituídos pela metalinguagem dicionarística, não servem para
tudo que existe no mundo, o que explicará, ou pelo menos amenizará a busca pelo
sentido será todo o trabalho desenvolvido pela linguagem que cerca o sujeito e,
consequentemente, constrói o mundo. E será somente assim que podemos dizer que
uma mesa é uma mesa e não uma cadeira, embora utilizemos, em alguns casos, a
cadeira como mesa, a significação estará centrada no objetivo do sujeito, isto
é, a significação estará centrada na ação que o sujeito irá realizar com, e nas
coisas do mundo. Assim, até uma escada poderá virar uma mesa, pois naquele
momento ela deixa de ser escada para virar mesa, isso somente é possível no
mundo representacional apresentado pela linguagem, a qual constitui o sujeito. Sobre
isso Saussure (1979) apresenta uma excelente visão dizendo que é o ponto de
vista que cria o objeto.
5 Considerações finais
A nossa proposta inicial em produzir este artigo era problematizar o
quadro epistemológico que dá conta de explicar e caracterizar a significação e
o uso da linguagem nos processos de (re)construção do mundo. Percebemos que as
caracterizações que fazemos passam por relação de linguagem, sentido e
psíquicas, as quais todos os sujeitos realizam.
Ao levarmos em consideração a linguagem como uma atividade constitutiva,
Franchi (2002), como um trabalho. Um trabalho de sujeitos que são histórica,
social e culturalmente situados e que, através, desse trabalho, dessa
atividade, organizam, interpretam e dão forma a suas experiências e à realidade
em que vivem.
Encarar os processos de construção de significado a partir de contextos
comunicativos é dar importância ao uso, ao ato linguístico que o sujeito
realiza, colocando nesse uso toda a sua carga semântica de mundo, buscando
compreender e ser compreendido através de uma relação dialógica com o outro.
Nestas (re)construções entram em cena as figuras de estilo (ou linguagem),
assim como a manipulação de conceitos. Tudo isso acontece inconscientemente,
como dirigir, por exemplo, nunca nos concentramos totalmente no ato de dirigir,
estamos, geralmente, pensando em outras coisas, ouvindo música, conversando,
etc.
Os conceitos mudam, são
intercambiáveis, como o conceito de mesa que fora apresentado neste texto. O que
temos fixado, se podemos assim dizer, é uma base para a conceituação do
signo. Se não fosse assim o signo não
seria arbitrário, mas sim linear.
Esperamos ter movido, pelo menos em parte, uma pequena pedra nos estudos
da linguagem com este texto. Um de nossos objetivos era, justamente, provocar
um incomodo com nossas reflexões e não apresentar respostas fechadas e antigas,
até porque a linguagem, assim como o sujeito, evolui.
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[1] Tomamos como base de diferenciação
entre texto e discurso a teoria de Van Dijk (1978), para o qual o discurso
é a unidade possível de observação, aquela que se interpreta quando se vê ou
quando se ouve uma enunciação, ao passo que o texto é a unidade
teoricamente reconstruída, subjacente ao discurso. Assim sendo, a
gramática só pode descrever textos, de maneira que possibilita apenas uma
aproximação com relação às estruturas discursivas atualizadas, empíricas e
efetivamente produzidas. Porém, as distinções entre texto e discurso,
tal como é feita por Van Dijk, está longe de ser pacífica.