Karine Bueno Costa
(FAFIUV)
“Quanto mais o homem fala de si, mais deixa de ser ele mesmo. Mas deixe que se esconda por trás de uma máscara e então ele contará uma verdade.”
Oscar Wilde
RESUMO: A partir da
escrita diarística de Alejandra Pizarnik e de Ana Cristina Cesar propor-se-á
uma análise sobre a reflexão do eu que se constrói sob o crivo da
subjetividade, ou seja, sobre a imagem do eu - outro que se constrói na poesia.
Perscrutar-se-á sobre o desejo das escritoras de se retratarem em seus textos poético
a partir de uma escrita diarística, autobiográfica, pactuadas ao pronome eu e,
sobre a tensão que se estabelece assim entre a arte e a vida.
palavras
chave:Alejandra
Pizarnik, Ana Cristina César, Diários, Vida e Arte.
RESUMEN:
A aprtir de la escrita diarística de Alejandra Pizarnik y
de Ana Cristina Cesar se propondrá una analice sobre la reflexión del yo que
formase a cerca de la criba que es la subjetividad, o sea, sobre la imagen del yo-
otro que se construye en la poesía. Analisaremos
el deseo de las escritoras retrataren su personalidaden sus textos poéticos a
partir de una escrita diarística, autobiográfica, pactadas al pronombre yo, y
sobre la tensión que establece así entre la arte y la vida.
palabras llave:Alejandra Pizarnik, Ana Cristina César, Diarios,
Vida y Arte.
Diário.
Prática de escrita pessoal que abarca relatos do dia-a-dia de um indivíduo,
extremamente subjetiva e oculta. Mas poderá esta escrita estar ligada à
literatura e ultrapassar os limites entre vida e arte? É essa questão que se
buscará responder no decorrer do presente artigo, pelo viés das escritas
diarística de Alejandra Pizarnik e Ana Cristina Cesar.
Jovem,
inteligente. Poeta de literatura forte, erótica e sanguínea, com alusões à
morte, com questionamentos sobre o eu, com escrita autobiográfica, suicídio aos
trinta e poucos anos. Descrição esta que não se distingue entre Alejandra
Pizarnik e Ana Cristina Cesar.
A
primeira, escritora argentina, inserida na poesia dos anos 60, possui uma
escrita forte e influente. Nasceu em Buenos Aires, formada em Filosofia e
Letras pela Universidade de Buenos Aires. Em Paris estudou literatura francesa
e colaborou com traduções como de Artaud. Publicou várias obras e como muitos
de sua geração levou a relação entre arte e vida ao extremo, o que ocasionou
sua morte, envolvida pelas “garras” da depressão.
A
segunda Ana Cristina Cesar, poeta carioca, que se enquadra na geração
mimeógrafo dos anos 70, cujos poetas estavam à margem das grandes editoras e
por isso cunhavam seus livros artesanalmente. Formada em Letras, pela PUC do
Rio de Janeiro.Mestre em Comunicação pela UFRJ e mestre em Teoria e Prática de
Tradução Literária, na Universidade de Essex, na Inglaterra. Depois da segunda
edição de A teus pés a poeta
suicida-se, saltando da janela do apartamento de seus pais no Rio de Janeiro.
As
duas estão ligadas pelo elo de refletirem a tensão existente entre arte e vida
e por terem os gêneros íntimos como a base de seu projeto poético. O diário,
por exemplo, faz parte de suas construções literárias.
A
prática de escrever diários é muito antiga e sempre esteve ligada à tentativa
de auxiliar a memória a reter nos signos o que eventualmente esquecer-se-ia. Também,
ao desejo insaciável, de pura condição humana, de relatar a subjetividade, de expressar
sentimentos e confessar segredos íntimos que só revelam-se aos melhores amigos
em pacto de morte. Na escrita das poetas que nos
deteremos, essa
prática textual é desenvolvida como âmago de um projeto poético, calcada no
campo ilusório que é o da literatura. As duas adotam a escrita diarística como
forma de expressão do conflito interno e dilemático que se constrói quando a
própria identidade é posta em xeque.
Um
dos textos basilares sobre a questão do diário é de Maurice Blanchot, “O diário
íntimo e a narrativa”, inserido na
obra O livro por vir. Nesse ensaio, o
francês (2005) diz que o diário íntimo que parece tão livre de formas, tão
dócil aos movimentos da vida e capaz de todas as liberdades, é submetido a uma
cláusula, leve, porém perigosa: o pacto que se assina é o de “respeitar o
calendário”, este é o que controla os dias da existência, e é definido pelo
teórico como o demônio dessa prática: “O calendário é o seu demônio, o
inspirador, o compositor, o provocador e o vigilante” (2005, p. 270). Estabelece-se
assim, um pacto diabólico com os dias, selado com a verdade. A verdade é a
exigência a ser atingida sem ser ultrapassada, para conseguir tal proeza, é
preciso a sinceridade na escrita. Para atingi-la convém ser superficial, para
Blanchot, essa é uma grande virtude, porém, que exige coragem (2005). Sem
dúvidas, escrever na tentativa de não faltar com a verdade não apenas exige
coragem, como entra no campo de uma impossibilidade até.
A
partir dessas reflexões questionamo-nos se não seria esse tentar atingir o
relato verdadeiro, de narrar o mundo, de conseguir prendê-lo na escrita tal
qual faz uma narrativa ficcional, uma espécie de escrita ilusória também? Pois
por ser tal qual uma narrativa, não seria também uma construção imaginária já
que todo imaginário está, de alguma forma, ligado ao mundo real?
Esse
é um dos pontos cruciais para os questionamentos a cerca da escrita diarística
de Alejandra Pizarnik e Ana Cristina. Escrever sobre um fato ocorrido é uma
forma de tentar eternizá-lo, algo possível apenas no texto imaginário, ou seja,
na literatura. Apenas o literário perpassa o tempo, vendo-se aqui o texto
histórico também como uma representação literária, pois por mais que parta de
um fato real é narrado por um historiador que parte de seu ponto de vista, ou
seja, criando ilusões também por se tratar de uma subjetivação, tema abordado
por Hayden White, em Metahistória,
mas que não interessa de todo ao nosso estudo, apenas como apontamento para
notarmos a concepção que o real pode adquirir ao tornar-se linguagem.
Voltando-se
para a questão do diário, Blanchot explora a ideia de que tentar eternizar um
fato é um dos vários motivos que faz com que o diário seja uma espécie de
salvação: “(...) a ambição de eternizar os belos momentos e mesmo de fazer da
vida toda um bloco sólido que se pode abraçar com firmeza, (...) elevar a vida
nula à bela surpresa da arte, e a arte informe à verdade única da vida, o entrelaçamento de todos
esses motivos faz do diário empresa de salvação” (BLANCHOT, 2005, p. 274). Mas
o que realmente deseja-se salvar? O que se viveu ou o que resta na imaginação
desse vivido? Para o teórico:
Escreve-se para
salvar a escrita, para salvar sua vida pela escrita, para salvar seu pequeno eu
(as deformações que se tiram contra os outros, as maldades que se destilam) ou
para salvar seu grande eu, dando-lhe um pouco de ar, e então se escreve para
não se perder na pobreza dos dias ou, como Virginia Woolf, como Delacroix, para
não se perder naquela prova que é a arte, que é a exigência sem limite da arte
(BLANCHOT, 2005, p. 274).
Por
esse último motivo apontado entra também a escrita da escritora argentina,
Alejandra Pizarnik e da carioca, Ana Cristina Cesar, escreve-se sobre o eu para
não se perder na arte, para tornar-se arte. Escrevem para não se perderem nessa
pobreza dos dias, para aliviar a solidão:
He pensado
en mi soledad absoluta, (…) He pensando que estoy sola y que me sustento solo
en mi para sobrellevar mi vida y mi muerte. Pensar que ningún ser me necesita,
que ningún me requiere para completar su vida (PIZARNIK, 2005, p. 107)[1].
O diário desempenha o papel de companheiro. E por fim, escrevem para não se perderem na exigência
sem limite da arte da qual nos fala Blanchot. O diário para as poetas é o
recipiente que abarca a vida e a escrita. E por isso é capaz de eternizá-las na
linguagem, porém, por ser literatura não passa de uma armadilha, uma tentativa,
uma construção.
A
escrita de diários para o teórico francês é vista sob a ótica de que realmente não
passa de uma armadilha, portanto, por mais que a vida seja relatada no intuito
de captar e salvar os dias, no futuro, o próprio escritor do diário terá em sua
leitura do passado fatos ilusórios, sua escrita o trai, sua linguagem o
apunha-la. Existe apenas a ilusão de dias vividos: “Escrevemos para salvar os
dias, mas confiamos sua salvação à escrita, que altera o dia” (BLANCHOT, 2005,
p. 275). Ao tornar-se linguagem o que era a vida real torna-se uma vida imaginária.
O visível torna-se invisível ao ser dado como literatura.
Em
depoimento à Beatriz Rezende no curso “Literatura de mulheres no Brasil”,
ministrado em 06 de abril de 1983, incluso posteriormente em Critica e Tradução, Ana Cristina aborda
a questão do diário em sua escrita, pois além de Antigos e soltos conter escritos que remetem ao diário, muitos de
seus poemas são escritos na forma de diário ou que colocam em xeque essa
escrita. Diz ela: “Eu acho que exatamente é esse tipo... essa armadilha que
estou propondo. (...) Aqui não é diário mesmo, de verdade, não é meu diário.
Aqui é fingido, inventado, certo? Não são realmente fatos da minha vida. É uma
construção” (1999b,p.259). Portanto, ao
fazer poesia Ana Cristina constrói uma realidade, pois sabe da impossibilidade
de expressá-la: “Se você contar a tua história pessoal e virar literatura, não
é mais a tua história pessoal, já mudou” (1999b, p.262). Então, ao se tratar de
literatura: “escribir
undiario como un relato de ‘vida’ está prácticamente ausente”
(PIZARNIK, 2005, p. 10)[2].
O
que se obtém, finalmente, do processo da escrita de si para seu “querido
amigo”, de acordo ainda com o autor de O
livro por vir, em síntese, é que, não se viveu o que está escrito, e é
nesse ponto que o diário encontra sua maior “tensão e gravidade” (BLANCHOT,
2005, p. 275). No diário estão presentes os traços de alguém que escreve sobre
si para si mesmo, mas o escritor não consegue retratar sua subjetividade nas
palavras, não é o escritor que está sendo construído e sim a imagem de outro. Je
est un autre, já nos dizia Rimbaud,
portanto, o eu torna-se um outro na escrita do diário.Porém está
submetido a um paradoxo, o qual é desafiado por Pizarnik e Ana C., pois esse outro só existe se for antes um eu e
partir de sua existência. Algo desse alguém que escreve permanecerá na escrita,
e é dentro desta possibilidade que entra a escrita diarística das duas poetas.
Por
se tratar de literatura, a escrita das poetas possuem o desejo de um
interlocutor, mesmo que oculto, pois é praticamente inaceitável que alguém faça
arte apenas para ser apreciada por si mesmo. Doravante, mesmo que não possua um
leitor virtual, ou que não se deseje um leitor, o autor de um diário vê o
próprio objeto de escrita como um outro, como um confidente a quem relata sua
vida. Contudo, nada impede ainda, que o diário possa ter um leitor real. Este
ao deparar-se com a escrita diarística acabará nas malhas de um texto
autobiográfico, consequentemente, lerá na busca de segredos íntimos, de tentar
descobrir o eu do escritor. E nesse desejo do outro é que estão os questionamentos
realizados pelas poetas, a partir do jogo biográfico, ou melhor, da
autobiografia.
Para fomentar essa ideia de autobiografia um estudo
notório é o de Phillipe
Lejeune, O pacto autobiográfico,
publicado em 1975. Nesse livro, o
francês diz que a autobiografia e os escritos de um eu têm como tema comum
contar a vida de alguém. (2008). Para o teórico, a autobiografia é definida
como: “narrativa retrospectiva em prosa que uma pessoa real faz de sua própria
existência, quando focaliza sua história individual, em particular a história
de sua personalidade” (2008, p. 14). Nas
poesias de Alejandra Pizarnik e Ana Cristina Cesar o eu é conclamado a todo o
momento. Não pensar, portanto, essa questão autobiográfica na leitura da
escrita de ambas é impossível, pois se encontra subjacente à pergunta:
Quem sou eu?
A
escrita desenvolve-se na tentativa de registrar a vivencia de quem escreve, de
torná-la literatura, mas esse eu que escreve torna-se, por assim dizer, um “eu
de papel”, para nos utilizarmos das palavras de Barthes em seu artigo Da obra ao texto (2004). Esse eu não é
mais o eu real, porém sim, um eu que se constrói a partir deste. Por isso o
questionamento de quem afinal sou eu: O eu que escreve ou o que a literatura
constrói? Ou ainda: Ambos não seriam um só?
Lejeune
propõe o que ele chama de pacto autobiográfico, para dar conta dessa questão,
que seria: “a afirmação, no texto, dessa identidade, remetendo, em última
instância, ao nome do autor, escrito na capa do livro” (2008, p. 26). O pacto é
estabelecido no momento em que o nome do escritor é inserido na obra, como ser
real. Tanto Ana C. como Pizarnik colocam em suas poesias seus nomes de fato, ou
às vezes criam personagens, que acabam referindo-se à própria imagem autoral. O
estudioso distingue dois casos para essa questão, o primeiro é do pacto, que se
refere ao nome do próprio escritor no texto literário, e o segundo é o pacto
autobiográfico, que subjaz em torno dos dados biográficos do leitor, às suas
confissões (2008). Em síntese, o que define a autobiografia é que: “para quem a
lê é, antes de tudo, um contrato de identidade que é selado pelo nome próprio”
(2008, p. 33). No entanto, a construção de uma identidade do ser que se define
na escrita vai muito mais além e é muito mais problemática do que parece ser, o
próprio Lejeune assume o conflito que existe nesse campo em que se arriscou a
teorizar. Analisando tudo o que escreveu em Pacto
autobiográfico chega a uma “conclusão modesta”: “Errei- mas como tive razão
de errar! Talvez a autocrítica, tal como a autobiografia, seja um
empreendimento impossível...” (2008, p. 69).
A
autobiografia é tida como uma impossibilidade, embora afirmada num talvez. O
problema torna-se, assim, maior ainda. Contudo, é fato que por mais que se
trate de um eu factual ao torna-se escrita ou literatura será um outro na visão
de outro, uma imagem construída a partir da visão de mundo de seu leitor. No
caso do diário, o leitor percorre as páginas na busca de desvendar segredos do
escritor, e sempre acaba construindo um mito para a imagem autoral.
Uma
excelente observação feita por Blanchot é que: “o diário está ligado à estranha
convicção de que podemos nos observar e que devemos nos conhecer” (2005,
p.275). Talvez por isso, existam tantos escritos voltados para o eu do
escritor, voltados para a vida em sua essência real, como por exemplo, os
textos confessionais de Santo Agostinho, as incríveis cartas de Kafka, alguns
textos de Borges, como “Borges e eu”, bem como o autor que assinalou a própria
morte e depois a ressuscitou em Roland
Barthes por Roland Barthes. Enfim, são muitos escritos a partir do eu
escritural. E essa é uma questão cada vez mais levantada no século XXI, pois no
mundo midiático, nas redes sociais da internet,
o ponto crucial está literalmente nessa
construção do eu e de relatos autobiográficos. Quem sou eu é cada vez mais
disseminado nas redes, o que acaba sendo uma tentativa de construir uma imagem
de si para o outro. Uma construção, por sua vez, “mundana”, mas que serve de
bom exemplo para analisar a tentativa de construir-se a partir das palavras. Na
visão de Kingler (2007), dentro da história de si no contexto latino-americano
a produção mais recente afasta-se da tradição do depoimento: “aparece como
indagação de um eu, que, a princípio, parece ligado ao narcisismo midiático
contemporâneo. (...), portanto todo relato autobiográfico remete a um ‘para
além de si mesmo’” (2007, p. 25). Por esse prisma enquadra-se a arte poética
das autoras Alejandra Pizarnik e Ana Cristina Cesar. A escrita do eu tange o
espaço literário, o diário na escrita de ambas tem um forte cunho enigmático,
pois não é tido como um mero campo de desabafo sentimental e de relatos de
experiências cotidianas, pelo contrário, os escritos estão calcados em suas
funções quanto escritoras e sobre o que são a partir da literatura, com reflexões
e indagações sobre este eu e sobre a identidade construída a partir das
palavras. Em síntese, a escrita é questionamento do ser que vive pela
literatura, e morre também por esta arte.
O
escritor de um diário sempre acaba construindo a imagem de um eu e torna-se
observador dessa imagem. Metaforicamente, um ato simplesmente narcísico: o
escritor observa-se e deseja-se conhecer, atitudes que fogem eternamente de seu
alcance, como a imagem refletida sobre a água. No caso de Narciso, ele morre
para atingir sua imagem fictícia, no caso de Alejandra Pizarnik e Ana Cristina
Cesar, a morte também não é diferente.
O
que fica depois da morte de um escritor é sua obra, tudo o que não foi
publicado vem à tona, ainda mais quando se trata de suicidas. De alguma forma é
vedado o direito de morte ao que não era destinado à publicação. Temos então, Diário de Alejandra Pizarnik, publicado
em 2005, por Ana Becciu e Antigos
e soltos de Ana Cristina Cesar, pelo Instituto Moreira Sales e organizado
por Viviana Bosi.
A
obra Diários contém relatos,
reflexões e anotações sobre a literatura, sobre a identidade autoral. Os
escritos são sobre o que Pizarnik lê da outra que é ela mesma, nele ela faz
analises sobre esse eu-outro que se constrói nas palavras: “Hablar de si en un libro es transformarse en palabras, en lenguaje.
Decir yo es anonadarse, volverse un pronombre, algo
que esta fuera de mi” (PIZARNIK,
2005, p.344)[3]. Com esse relato evidencia-se que a
poeta percebe a existência de uma fronteira entre vida e literatura, o eu
torna-se outro. Por mais que se retrate, que se produza na base da
autobiografia, será, por ser linguagem, uma impossibilidade estar nas palavras.
O desejo de estar nas palavras fracassa, é impossível fazer de si um personagem
literário:“[…] por querer hacer de mi un personaje
literario en la vida real fracaso en mi deseo de hacer literatura con mi vida
real pues esta no existe: es literatura” (PIZARNIK, 2005, p. 200)[4]. Mas ao afirmar que sua vida real não
existe pois é literatura, fica evidente
que a poeta vive e se afirma apenas na literatura, o que revela que querendo ou
não a vida da poeta está nas palavras, é vida literária.
Questionamentos
semelhantes encontramos em Antigos e
Soltos de Ana Cristina Cesar, neste caso não se trata de diário
propriamente. Este livro contém escritos dos mais variados, que foram
encontrados dentro de uma pasta rosa, são muitos manuscritos, primeiras, ou
várias, versões de um mesmo poema, poemas inacabados, falas subjetivas, diários
de viagem tanto em português como em inglês e muitas anotações. Como Alejandra
Pizarnik, as reflexões subjetivas permeiam o arquivo, um textos mais
impressionantes e que resume praticamente todos os nossos apontamentos, até
então, é uma prosa poética intitulada “Pequeno raciocínio fantástico ou delírio
teórico da baronesa”, no livro há três versões para o texto, a primeira que se
apresenta é a que não possui nenhuma rasura, o que nos leva crer ser esta a
última versão, segue o início: “Mas é verdade, eu vivo e escuto do que vivo ao
mesmo tempo. (...) Tudo me leva a crer que se trata do Texto Perfeito da minha
própria vida, da biografia ideal, que se produz como texto simultaneamente à
vida” (2008, p. 171).O eu - outro torna-se apenas um ser: o que grafa e o que é
grafado.Tudo leva a crer nisso, pois percebe que seu segredo é :
(...) ter
encontrado a perfeita harmonia entre as palavras que se pensam (a grafia da
vida) e a realidade sem palavras (a própria vida que me vive). Percebo que sou
eu que sou grafada, sou eu também que escuto em surdina o velho discurso que me
grafa. E finalmente vislumbro maravilhada que sou eu que escrevo, agora, aqui
neste cais (...). Percebo que o segredo é que, ao dizer ‘eu’, este texto
realiza a conjunção entre o real (esta minha vida ou quem a viva), o simbólico
(este discurso ou pronome que aqui deliro) e o enigmático (este ouvir constante
da minha própria biografia) (CESAR, 2008, p.271- 273).
Essa glosa de reflexões está
diretamente ligada às relações entre texto e vida e tanto Ana C. como Pizarnik
possuem uma escrita com base nesse desejo de conjunção entre real (vida do
escritor), simbólico (pronome eu) e o enigmático (a biografia inserida na
escrita), pois a partir disso é possível tornarem-se uma personalidade literária.
Jorge Luiz Borges em seu texto “Borges e eu” reflete justamente sobre essa
questão: “Ao outro, a Borges, é que sucedem as coisas. (...) seria exagerado
afirmar que nossa relação é hostil; eu vivo, eu me deixo viver, para que Borges
possa tramar sua literatura, e essa literatura me justifica” (1999, p.206). Se
é e não é ao mesmo tempo, a arte justifica a vida e vice versa: “eu estou
destinado a perder-me, definitivamente, e só um instante de mim poderá
sobreviver no outro. Pouco a pouco vou cedendo-lhe tudo, embora conheça seu
perverso costume de falsear e magnificar” (1999, p. 206). O escritor se doa
para a literatura.
Ana
C. e Pizarnik levam ao extremo essa relação, até confundirem-se totalmente com
a arte. Porém, na arte a vida não pode ser expressa realmente, é a construção
de um paradoxo, uma “irreal realidade”: “!Cuantas cosas pierdo! !Cuantas
sensaciones […] Todo por vivir menos, en esta, mi dolorosa e irreal realidad! ”(PIZARNIK, 2005, p. 18)[5]. Não há
como colocar a subjetividade na escrita, viver a realidade no texto literário.
Agamben nos diz em Profanações que: “O autor marca o ponto em que uma
vida foi jogada na obra. Jogada, não expressa, não realizada. Por isso, o autor
nada pode fazer além de continuar, na obra, não realizado e não dito.” (AGAMBEN,
2007, p. 61). A imagem que se projeta na obra não sente as emoções vivenciadas
pelo eu real, mas, no entanto, é esta imagem que perpetuará a imagem do
escritor que escreve sobre si. Borges diz que ele (Borges real) permanecerá no
Borges e não em si, ou seja, o que o faz ser eteno é a literatura, porém,
reconhece-se menos no Borges do que em “um laborioso rasqueado de guitarra”
(1999). O mesmo acontece com as poetas que analisamos, é Alejandra e Ana C. que
estão sendo construídas, no entanto, não passam de representações: máscara
sobre o rosto.
Borges
conclui seu texto dizendo: “Assim minha vida é uma fuga e tudo eu perco e tudo
é do esquecimento, ou do outro. Não sei qual dos dois escreve esta página”
(1999, p. 206). Para não se perderem e não serem do esquecimento as poetas,
carioca e argentina, registram seu eu, entra então a questão do diário, objeto
para o registro do vivido, do real. Contudo, ao adentrar na literatura tudo
passa a ser do outro e construído pelo outro da mesma maneira, mesmo sendo
confidentes, subjetivas, a escrita do eu ao torna-se literatura desconstrói o
eu real, se é que este existiu.
Beatriz Ferrús Antón em sua tese de
doutorado Sujeto, cuerpo y lenguaje: los diários
de Alejandra Pizarnik,
defendida em 2007, pela Universidade Autónoma de Barcelona, diz que havia na
escrita de Alejandra:“una voluntad
clara de descubrimiento del yo, de desnudarlo y mostrar en carne viva
suesencia. Fragmentos como el que sigue, de 1955,
funcionarán a este nivel, al representar un enfrentamiento de la escritora
consigo misma a través del cual dejar caer la máscara que la aprisiona” (ANTÓN, 2007, p.
44)[6]. A citação que a estudiosa refere-se é
a seguinte:
Alejandra: tienes cuarenta días de angustia
inconfesable. Cuarenta días de soledad ahogada, sin probabilidades de
confesarla. Sin un rostro amado a quien quejarse de la desgracia que se prende
a tu destino. Alejandra: ese rostro amado es uno solo y se ha ido. Es como si
te hubiesen arrancado todo. Es como si te hundiesen en la fría suma de los días
para que en ellos te aturdas tratando de olvidar su ausencia. Alejandra: has de
luchar terriblemente. Has de luchar tú y este cuadernillo. Han de luchar ambos,
pues los ojos del amado rostro dicen que quizás no esté todo perdido. ¡Quizás haya
aún algo por salvar! ¿Qué? ¡Preguntas! ¡Tu alma, Alejandra, tu alma! (1955,
p. 32, apud ANTÓN,
2007, p. 44) [7] .
A escritora volta-se para
sua imagem, à estranha convicção de observar-se que nos diz Blanchot. Alejandra
fala para si, questionando sobre esta outra que é ela mesma, paradoxo
impossível de ser desfeito, mas nem tudo está perdido, pois há a luta de
Alejandra e de seu caderninho: seu diário, para permanecer eternamente nas
palavras, ou pelo menos sua alma perpetuar, literariamente é claro. Chama por
ela mesma, expondo sua angustia, deseja exprimi-la, quer colocar no papel seus
quarenta dias de angústia inconfessável, mas por mais que tente exprimi-los,
foge-se eternamente a realidade. Porém, a frustração dessa impossibilidade é
visível, pois este rosto (amado) que se constrói é um só, e deve lutar para
comprovar isso, e conforta-se com a ideia de que talvez haja algo ainda por
salvar: a alma. Ou seja, o intocável e inatingível. Um rosto sem imagem por
baixo da máscara.
Ana Cristina também faz
semelhantes interrogações a sua outra, num rascunho da pasta rosa, uma espécie
de carta, destinada a ela mesma, que como epígrafe leva: “O juízo final/ começa
em mim/ nos lindes da minha vida”. Poema de Murilo Mendes. Abaixo do poema
segue uma anotação dizendo: “texto de consulta”, “Convergência em Sintaxe”. E inicia
a poética com o vocativo:
Ana,
Ana? Sei teu nome. Sei teu
nome? Se não sei, soube um dia, personalizei os fonemas comigo confundidos,
fiz-te persona. Como o velho palhaço face às suas tintas: tão dele que mesmo
sobre a mesa são carne e rosto: o nome. (...) nunca te conheço, eu sou o teu
nome: um dia soube. Eu existo pelo nome que te dei. E reinvento-me reexisto-me
te esquecendo. Me (te) chamam, eu finjo, esqueço, lembro: é o julgamento
acontecendo todos os dias, abstraindo o concreto e concretizando o abstrato, o
nome contra o pro-nome, pelo pronome. Antes te ensinavam aos meus sentidos:
hoje meus sentidos te incorporam. Anônima, não sou duas, apenas perco os sons
que me definem. Carta: morte.
Assino. Assino: nome (2008, p.156).
O desejo de
conhecer-se, de revelar-se nesta outra é evidente na escrita das duas poetas, a
subjetividade acaba perdendo-se e sendo impossível concretizá-la nas palavras:
“não estou conseguindo expressar a minha ternura, minha ternura entende?” (CESAR, 1999a, p.120).Ou como diz Alejandra:“Cuento
con una carencia casi absoluta de recursos internos, a pesar de tener dentro de
mi un mundo tan vasto, pero es un mundo dependiente de mi, divorciado de mi yo
(…)” (PIZARNIK,
2005, p. 106)[8] . O que deseja expressar, o que ambas sentem realmente não se
separa do ser que o viveu, mas ao tornar-se palavras o sentimento revelado é
outro.
Ao ler a “escrita
de si”, reconhece-se e não ao mesmo tempo, pois o sentimento real do poeta não
cabe na literatura. Na carta-poema de Ana C. encontra-se uma excelente
afirmação de que se está “abstraindo o concreto e concretizando o abstrato”.
Por esse prisma, não há duas, trata-se de apenas uma, mas que se torna duas, a que
escreveu e outra que é escrita desta mesma, impossível achar o som que a defina
como una.
O autobiográfico
no texto poético é então um pacto, uma tentativa de aproximação com o leitor,
tema já abordado na visão de Lejeune. Heloisa Buarque de Hollanda, em
depoimento para Ana Cláudia Viegas, anexo em seu livro, Bliss e Blue: segredos de Ana C., comenta a respeito desse pacto
desejado na obra de Ana Cristina:
Esse segredo em
termos de pacto, um pacto que ela fazia com o leitor, um pacto que ela fazia
com o autor, um pacto que ela fazia com o tradutor, ela vivia de pactos. Um
“pacto” que eu estou falando, no sentido de ser... um segredo. Quando você faz
um pacto, o pacto é um segredo seu, é uma coisa irracional, um pacto de morte.
Você faz um pacto, é um compromisso cego; não é um acordo, é diferente. Isso é
o que ela faz com o leitor. Se você está a fim de fazer acordo, vai ler outra
pessoa. Se você não fizer um pacto com ela, não serve. Acordo ela não faz
(HOLLANDA, apud VIEGAS, 1998,
p.131-132).
Em
muitos poemas de A teus pés, livro de
poesia de Ana C. está claro que a
poeta não tem a intenção de construir um diário íntimo. Porém, o efeito que o
diário provoca no leitor desperta desejo, e assim, quem lê em busca de
desvendar segredos do escritor cai na armadilha literária. Ana utiliza-se do gênero
narrativo do diário íntimo para tentar atingir na linguagem a corporalidade do
poeta, o mesmo faz Pizarnik. O diário não é propriamente um diário, pois não é fiel
ao gênero. E sendo assim, ao ser escrito no campo da linguagem literária deseja-se
secretamente que o leiam. A sinceridade é teatralização. Ana Cristina aborda
perfeitamente essa questão num pequeno poema de Inéditos e dispersos, publicado postumamente, organizado por
Armando Freitas Filho. Segue o poema:
DO DIÁRIO não
diário:
Forma sem norma
Defesa cotidiana
Conteúdo tudo
Abranges uma ana
(CESAR,1985, p.
36).
Nota-se
que é diário, mas logo a afirmação de que não o é. O qual é uma defesa
cotidiana, a proteção dos dias, a salvação do vivido que nos diz Blanchot. E em
“conteúdo tudo”, o que sonoricamente tem-se é “contendo tudo”. Tudo abrange uma
ana, com letra minúscula, portanto, ana é apenas um objeto da poesia, porém, há
um jogo implícito na linguagem, em “uma ana”, sonoricamente novamente ouve-se
“humana”, agora portanto, foge da ideia de objeto. Humano só pode ser de carne
e osso. Literalmente o que lemos na citação acima: “abstraindo o concreto e
concretizando o abstrato”. Assim, o diário é a forma de fazer um convite ao
leitor para invadir a intimidade do eu – lírico. Algo que não acontece, pois o
diário não passa de uma tática sedutora. No entanto, o desejo pela intimidade
autoral é latente, deseja-se apoderar-se da vida daquele que escreve. Sendo
assim, Ana C. joga com seu leitor. Pode-se constatar essa afirmação no
fragmento abaixo, retirado do final do poema-prosa “dia 16 de outubro de 1983”, do livro Inédito e Disperso:
(...) Lembra que
diário era alimento cotidiano? Que importa a má fama depois que estamos Mortos?
Importa tanto que abri a lata de lixo: quero outro testemunho. Diário não tem
graça, mas esquenta, pega-se de novo a caneta abandonada, e o interlocutor é fundamental.
Escrevo para você sim. Da cama do
hospital. A lesma quando passa deixa um rastro prateado. Leiam se forem capazes
(1985, p.198). (Grifos da autora).
Poema datado,
como se fosse um diário, contudo, trata-se de uma reflexão a cerca sobre o
mesmo. Aliás, vários poemas de Ana C. são datados,mas não seguem uma ordem
cronológica, nota-se então, que o diário tem função meramente poética e não de
relatar sentimentos e frustrações vividas. O diário serve para reflexão da
identidade, deste nome que se constrói na escrita provindo do real. A escrita do diário torna-se,
portanto,uma espécie de garantia à própria identidade, à existência.
Esse eu do
diário é um eu que partiu do real. Mas pergunta-se: Sendo linguagem, esse eu
não seria autoficcional, uma construção, um fingimento? Ainda mais quando o
diário é de escritores de literatura? Pensar, por este viés, chega-se
a ideia de Fernando pessoa, do poeta como um fingidor, que cria dores, finge
que sente. Ou seja, a folha de diário das poetas pode apenas tratar-se de um
palco, onde o poeta encena, arma e engana por trás de uma máscara.
Portanto, o
diário é um artifício sobreposto diante da face escritural: uma máscara. Máscara
que pretende revelar o que está por trás, através da persuasão, ou melhor, da
sedução. Guiando o leitor como Ariadne com seu fio, porém, num processo mais
lento e quase imperceptível: o rastro prateado da lesma. Interlocutor é
fundamental mesmo a escrita diarística estar ligada ao segredo, não desejar um
escritor. No caso da escrita de Ana Cristina e de Alejandra o pessoal não é
secreto, no poema “Jornal íntimo” de na C. relata-se: “Binder diz que o diário
é um artifício, que não sou sincera porque desejo secretamente que o leiam” (CESAR,
1998: 109). É artifício, arte (fício), não é real e sim, um jogo literário. Por
isso o desafio: “leiam se forem capazes”, pois a máscara muitas vezes confunde-se
com a face da poeta, que por sua vez torna-se nula por ser inserida na literatura.Alejandra Pizarnik também centraliza
nesta tensão, na reflexão das relações que
se estabelecem entre arte e vida em Diarios:
“Quítatela máscara. Y detrás o debajo hubo una
ausencia de cara”. (PIZARNIK, 2005, p. 297)[9]. Dessa forma, o autobiográfico permeia todo o projeto poético,
inseparável da escrita para ultrapassar os limites entre arte e vida
centralizando no pronome eu.
Constata-se assim, que o
poeta, construtor de mentiras, expulso da republica platônica, sempre insistirá
em permanecer. Este fabricador de simulacros deixa de ser inútil ao imitar a
vida, portanto insiste em marcar presença. Em suma, se lermos a escrita
diarística de Alejandra Pizarnik e Ana Cristina Cesar em busca de descobrir
segredos autobiográficos, de descobrir a intimidade das escritoras
encontrar-se-á apenas literatura, porém, se formos ler apenas como obra
literária encontrar-se-á a vida também. Sendo assim, vida e arte são
inseparáveis no projeto poético de ambas. Trata-se de uma fusão enigmática. Uma
depende da outra. Já não se sabe qual das duas escreve.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
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G. Profanações. Trad. Selvino José
Assmann. São Paulo: Boitempo, 2007.
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de Alejandra Pizarnik. 2007. Dissertaçãode Doutorado– Programa de estudosPós-graduados emTeoría de la
Literatura y Literatura Comparada, Universidad Autónoma de Barcelona.
BARTHES, R. Da obra ao
texto. In. ______. O rumor da língua. Trad. Mário
Laranjeira. 2ª Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
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M. O Livro por vir. Trad. Leila
Perrone- Moisés. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
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J. L. O Fazedor. In ______. Obras
Completas de Jorge Luiz Borges, vol. 2. São Paulo: Globo, 1999.
CESAR,
A. C. Antigos e soltos: poemas e
prosas da pasta rosa. São Paulo: Instituto Moreira Sales, 2008.
______.
A teus pés. São Paulo: Ática, 1999a.
______.
Critica e tradução. São Paulo: 1999b.
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Inéditos e dispersos. São Paulo:
Brasiliense S. A., 1985.
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o retorno do autor e a virada etnográfica. Rio de Janeiro: 7Letras, 2007.
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P. O pacto autobiográfico: de Rousseau
à internet. Trad. Jovita Maria Gerhein Noronha, Maria Inês Coimbra Guedes. Belo
Horizonte: UFMG, 2008.
PIZARNIK,
A. Diarios.
Ana Becciu
(ed.). Barcelona: Lumen, 2005.
VIEGAS,
A. C. Bliss e Blue:segredos de Ana C. São Paulo: Annablume, 1998.
____________________________
[1]
Pensei em minha solidão absoluta, (…)
Pensei que estou só e que me sustento somente em mim para sobre-elevar minha
vida e minha morte. Pensar que nenhum ser me necessita, que ninguém me quer
para completar sua vida (PIZARNIK, 2005, p. 107).
[2] “Escrever um diário como relato de ‘vida’ está
praticamente ausente” (PIZARNIK, 2005, p.10).
[3] “Falar de si em
um livro é transformar-se em palavras, em linguagem. Dizer eu é aniquilar-se, restituir-se em um
pronome, algo que está fora de mim” (PIZARNIK, 2005, p.344).
[4]
“[…] por querer fazer de mim uma personagem literária na vida real fracasso e
em meu desejo de fazer literatura com minha vida real, pois esta não existe: é
literatura” (PIZARNIK, 2005, p.200).
[5]“Quantas coisas
perco! Quantas sensações […] Tudo por viver menos, nesta, minha dolorosa e
irreal realidade!” (PIZARNIK, 2005, p. 18).
[6]
“Havia uma vontade de descobrimento do eu, de desnudá-lo e mostrar em carne
viva sua essência. Fragmentos como o que segue, de 1955, funcionaram a este
nível, ao representar um enfrentamento da escritora consigo mesma através do
qual deixa cair a máscara que a aprisiona” (ANTÓN, 2007, p. 44.).
[7] Alejandra: tem quarenta dias de angústia
inconfessável. Quarenta dias de saudade sufocada, sem probabilidades de confessá-la.
Sem um rosto amado a quem queixar-se da desgraça que se prende teu destino.
Alejandra: esse rosto amado é um só e se há ido. É como se houvessem te
arrancado tudo. É como se te afundassem na fria soma dos dias para que neles
atordoe-te tratando de esquecer sua ausência. Alejandra: há de lutar
terrivelmente. Há de lutar tu e este caderninho. Hão de lutar ambos, pois os
olhos do amado rosto dizem que quiçá no esteja tudo perdido. Quiçá haja ainda
algo por salvar! O Que? Perguntas! Tua alma, Alejandra, tua alma! (PIZARNIK,
1955, p. 32apud ANTÓN,
2007, p. 44).
[8] “Conto com
uma carência quase absoluta de recursos internos, apesar de ter dentro de mim
um mundo tão vasto, porém é um mundo dependente de mim, divorciado de meu eu
(...)” (PIZARNIK, 2005, p. 106).
[9] “Tiraste a máscara. E detrás ou debaixo
houve uma ausência de rosto” (PIZARNIK, 2005, p. 297).