AS RUÍNAS DE FELISBERTO HERNÁNDEZ



Silviana Deluchi
(Mestranda - UFSC)

Resumo: Este trabalho propõe verificar como se dá a problematização da ruína encontrada nos textos  de Felisberto Hernández. Baseando-se nas reflexões de Walter Benjamin, aqui a ruína é entendida como fragmentos de tempo e espaço, que se utiliza desses fragmentos para a construção uma nova história, onde a ruína é a matéria-prima para o desenvolvimento da escritura, e também entendida, por Walter Benjamin, como método de trabalho. Partindo do pressuposto de que existe uma poética da ruína nos textos de Hernández, a qual desencadeia a leitura das “imagens dialéticas”, que constrói uma história não historicista, mas que se pauta na transitoriedade do tempo, se pretende tecer uma nova leitura da sua literatura que, para além de rever seu lugar na tradição, busca também extrapolar as classificações postulando a negatividade e o limiar de seus textos.
Palavras-chave: Felisberto Hernández; ruína; fragmento.

Resumen: Este trabajo propone verificar como se da la problematización de la ruina encontrada en los textos de Felisberto Hernández. Basándose en las reflexiones de Walter Benjamin, aquí la ruina es entendida como fragmentos de tiempo y espacio, que se utiliza de estos fragmentos para la construcción de una nueva historia, donde la ruina es la materia prima para el desarrollo de la escritura, también entendida por Walter Benjamin, como método de trabajo. Presuponiendo que existe una poética de la ruina en los textos de Hernández, que desencadena la lectura de las “imágenes dialécticas”, que construye una historia no historicista, pero que se ordena en la transitoriedad del tiempo, se pretende elaborar una nueva lectura de su literatura que, además de rever su lugar en la tradición, busca también extrapolar las clasificaciones postulando la negatividad y el umbral de sus textos.
Palabras-clave: Felisberto Hernández; ruina; fragmento.


Ponte (2005, p. 67) diz em seu conto “Un arte de hacer ruinas”: “Si tu casa viene abajo, te queda todavía la propiedad sobre la tierra. Te queda tu rincón y puedes empezar de nuevo.” Como dito por Ponte, tudo o que restou é ruína, fragmentos, e o verdadeiro ruinólogo apodera-se dela para desenvolver a sua escritura, cria a partir dos fragmentos no mesmo “meio” onde outrora existiu algo concreto. Tal qual o arqueólogo, ele escava o terreno e apropria-se dos fragmentos em prol da construção da  nova história. Para Freud, o trabalho do analista e do arqueólogo são parecidos. O analista deve  escavar as mais profundas e recalcadas memórias do seu paciente para construir o diagnóstico e, assim, conseguir realizar o tratamento do paciente; e o arqueólogo deve escavar a terra, ou os escombros,  em busca de fragmentos, resíduos, que lhe sirvam para a reconstrução do objeto e do contexto histórico desejado. Semelhante e análogo a todos, a figura do ruinólogo é adequada às condições tanto do analista, como do arqueólogo, pois ele também se apodera de fragmentos para a construção da nova história.
É aos modos de um ruinólogo, que retoma o passado, que Felisberto Hernández constrói a história dos seus textos. Ou seja, a partir de fragmentos, da ruína, lidos aqui ao modo da dialética benjaminiana, onde “la historia no era una unidad sistemática, si no un discontinuo total” (BUCK-MORSS, 1981, p. 127). Buscamos um “fora do todo” um sentido descontinuado do pensamento, sob “um limiar inapreensível entre um ‘ainda não’ e um ‘não mais’” (AGAMBEN, 2009, p. 67), entendido como a procura pela forma. A fragmentação dos textos de Hernández se dá como uma sobreposição de textos, abrindo espaço ao anacronismo ou à total ausência de tempo. Onde o passado está mais presente que o próprio presente, há um entrelaçar de passado e presente, pois “a contemporaneidade tem o seu fundamento nessa proximidade com a origem que em nenhum ponto pulsa com mais força do que no presente” (AGAMBEN, 2009, p. 69). Os textos de Hernández se inserem justamente nessa ruína onde o escritor joga com os acontecimentos passados e presentes, construindo uma história não historicista, porque é transitória e não definitiva, extrapolando classificações, postulando a negatividade e o limiar de textos. Em breve, “[el] fragmentarismo y la unión de fragmentos, desde el punto de vista del lector [...] provocan el efecto principal que el texto busca para construir el ansiado misterio: la esfumatura del significado.” (PANESI, 1993, p. 105).
A problemática apresentada neste trabalho é que existe uma fragmentação nos textos de Felisberto Hernández, que constrói uma leitura a partir desses fragmentos, não caracterizada pelo continuum, mas sim no limiar dos fatos que desencadeiam a leitura das “imagens dialéticas”, extrapolando as barreiras do pensar. Os textos de Hernández se inserem justamente nessa ruína onde o escritor joga com os acontecimentos passados e presentes, construindo uma história não historicista, mas que se pauta na transitoriedade do tempo.

O materialista histórico não pode renunciar ao conceito de um presente que não é transição, mas pára no tempo e se imobiliza. Porque esse conceito define exatamente aquele presente em que ele mesmo escreve a história. O historicista apresenta a imagem “eterna” do passado, o materialista histórico faz desse passado uma experiência única. Ele deixa a outros a tarefa de se esgotar no bordel do historicismo, com a meretriz “era uma vez”. Ele fica senhor das suas forças, suficientemente viril para fazer saltar pelos ares o continuum da história. (BENJAMIN, 1987, 230-1)

No texto “El caballo perdido”, o narrador, um escritor, tenta reconstruir, através da escritura, a história da sua infância, da época que fazia aulas de piano com sua professora, Celina, pela qual matinha uma paixão secreta, além do relacionamento, também secreto, que matinha com os objetos da casa da professora. Porém o que nos importa, neste momento, não é o modo como ele se relaciona com a professora ou com os objetos, mas sim a temporalidade e as memórias do narrador. No fragmento que segue, vê-se claramente a idéia da ruína decorrente da catástrofe que o faz interromper a sua narração, e o jogo entre passado e presente.

Ha ocurrido algo imprevisto y he tenido que interrumpir esta narración. Ya hace días que estoy detenido. No sólo no puedo escribir, sino que tengo que hacer gran esfuerzo para poder vivir en este tiempo de ahora, para poder vivir hacia adelante. Sin querer había empezado a vivir hacia atrás y llegó el momento en que ni siquiera podía vivir muchos acontecimientos de aquel tiempo, sino que me detuve en unos pocos, tal vez en uno solo; y prefería pasar el día y la noche sentado o acostado. Al final había perdido hasta el deseo de escribir. Y ésta era precisamente, la última amarra con el presente. (HERNÁNDEZ, 1983, p. 28-9)

Ele constrói a partir da sua ruína – dos fragmentos dos seus pensamentos e da justaposição entre passado e presente – a sua história. O que poderia vir a confundir o leitor, onde o narrador fala sobre a escritura dos seus textos literários. O fato é que esse narrador precisa romper com as amarras do tempo para não sucumbir aos acontecimentos passados e de lá não mais conseguir sair, evitando “la autocomplaciente inmersión subjetiva en la contemplación del pasado, con su concomitante y laberíntico desfile de recuerdos que se cruzan y recombinan ante el abúlico recordador ensimismado que se paraliza” (PANESI, 2010, p. 96). Ele  demonstra ter consciência de que não pode ficar paralisado somente rememorando o seu passado, quando nos diz: “Si me quedo mucho tiempo recordando esos instantes del pasado, nunca más podre salir de ellos y me volveré loco [...] Tengo que remar con todas mis fuerzas hacia el presente.” (HERNÁNDEZ, 2010, p. 29). No entanto, para que haja este estranhamento na escritura, ele precisa fazer com que o passado e o presente se cruzem, escavando o passado, e dando vida à narração. Mais adiante diz: “Hasta hace poco yo escribía y por eso estaba en el presente. Ahora haré lo mismo.” (HERNÁNDEZ, 2010, p. 29). Esse momento presente da escritura em breve será o passado – passado, este, necessário para que se configure um fragmento, que por consequência, construirá a história.
Esta forma fragmentada de escrever de Hernández o torna o que Agamben denominaria contemporâneo, porque “através desse deslocamento e desse anacronismo, ele é capaz, mais do que os outros, de perceber e apreender o seu tempo.” (AGAMBEN, 2009, p. 58-9). O que alguns veriam como um problema de escritura, para Hernández se torna uma potencialidade de sua escrita. Hernández é um ruinólogo que “constrói engenhosamente aos modos do cupim como num trompe-l’oeil: ao descrever meticulosamente seu trabalho, atua contra si mesmo, penetrando em sua matéria poética, subvertendo-a, tornando-a oca.” (ANDRADE, 2011, p.16) [1]. Esta subversão da escrita corrobora com o conceito de “caráter destrutivo” desenvolvido por Benjamin, segundo o qual o autor se apodera de tudo que encontra, não idealiza imagens e não busca ser compreendido, e sim o oposto, desafia a compreensão. Para ele, nada é duradouro, e se preciso for, o encontrado será arruinado para o sucesso da sua escritura.

O caráter destrutivo não vê nada de duradouro. Mas eis precisamente por que vê caminhos por toda parte. Onde outros esbarram em muros ou montanhas, também aí ele vê um caminho. Já que o vê por toda parte, tem de desobstruí-lo também por toda parte. Nem sempre a brutalidade, às vezes com refinamento. Já que vê caminhos por toda parte, está sempre na encruzilhada. Nenhum momento é capaz de saber o que o próximo traz. O que existe ele converte em ruínas, não por causa da ruína, mas por causa do caminho que passa através delas. (BENJAMIN, 1987, p. 237)

No presente o passado se apresenta como sombra do que foi: é impossível esquecê-lo, ou modificá-lo; mas é através das ruínas, dos resíduos desse passado que se constrói uma nova história, que talvez não fosse possível, ou mesmo, bem sucedida, se ela não existisse. E que para Benjamin, essas ruínas e os fragmentos provindos delas, são, além de responsáveis pela história que se reorganizará, um método de trabalho. É na compilação de todos esses fragmentos que ele se utiliza para dar vida ao seu método de trabalho: a montagem literária, da mesma maneira que Hernández cria a sua escritura.

Método de trabalho: montagem literária. Não tenho nada a dizer. Somente a mostrar. Não surrupiei coisas valiosas, nem me apropriei de formulações espirituosas. Porém, os farrapos, os resíduos: não quero inventariá-los, e sim fazer-lhes justiça da única maneira possível: utilizando-os. (BENJAMIN, 2006, p. 502).

Seguindo este mesmo método benjaminiano de trabalho – a montagem literária – Hernández cria sua escritura através de fragmentos vivenciados por seus personagens. Esses fragmentos podem ser de pensamentos, tempo, cenas, objetos, personagens, matérias, formas, desencadeando uma consciência fragmentada e ambígua. Esta ambiguidade fragmentária dos personagens de Hernández não segue uma história linear, e sim a contrapelo (Benjamin), ela se envereda pelos caminhos do limiar, o qual não se fecha para somente uma única interpretação, mas infinitas.

La antilinealidad del relato, sus interpolaciones y “mordiscos” erosionados de la totalidad indican que el memorialista sigue el principio estético menospreciado: su arte será fragmentária, unión aparentemente capichosa, infantil, alógica, de fragmentos recolectados. (PANESI, 1993, p. 72)

Acredito ser interessante citar um conto de Hernández que segue esse método de trabalho de Benjamin: “Elsa”. É um conto escrito em pequenos capítulos, dando a impressão de que são pensamentos que vão e vem. Estes pensamentos são desordenados, fragmentados, deixando o leitor, de certa forma, confuso, e sem conseguir entender exatamente o que acontece com o personagem. A história é aberta, possibilitando ao leitor navegar por suas entrelinhas, tentando compreender esses fragmentos de pensamentos do personagem. No fragmento que segue, que em verdade é o capítulo II completo, do conto “Elsa”, o personagem nos fala que lhe ocorre algo “muy malo”, no entanto, ele inicia o relato nos dizendo que algo ruim lhe ocorre e finaliza sem dizer o que seria, dando ao leitor infinitas possibilidades de interpretações, e causando certa estranheza na narrativa. 

Yo quiero decir lo que me pasa a mí. ¿Y saben para qué?, pues, para ver si diciendo lo que me pasa, deja de pasarme. Pero entiéndase bien; me pasa una cosa mal, horrible: ya lo verán. Sé que por más bien que yo llegara a decirla, ocurrirá como con la peinilla y lo demás; no se imaginarán exactamente, cómo es lo malo que me pasa; pero el interés que yo tengo es ver si deja de pasarme tanto lo malo que se imaginarán, lo malo que en verdad me pasa. (HERNÁNDEZ, 1983, 88)

Essa escritura baseada no limiar da historia me remete ao conto “El libro de arena”, publicado no livro homônimo de 1975, de Jorge Luis Borges, onde o personagem-narrador compra um livro que não tem fim, a história nele encontrada é infinita. Borges cria uma alegoria para esse modo limiar de escrever, mostrando que a história é infinita como as páginas desse livro, o compara à areia ao dizer que “(el) libro se llamaba El libro de arena, porque ni el libro ni la arena tienen ni principio ni fin.”  (BORGES, 2007, p. 88). Já em outra passagem, ele “explica”, alegoricamente, que, além de a história ser infinita, ela nunca poderá ser interpretada de uma só maneira, e admitirá as mais variadas impressões, ou seja, cada leitor cria as suas próprias impressões do texto.

—No puede ser (infinito), pero es. El número de páginas de este libro es exactamente infinito. Ninguna es la primera; ninguna, la última. No sé por qué están numeradas de ese modo arbitrario. Acaso para dar a entender que los términos de una serie infinita admiten cualquier número. (BORGES, 2007, p. 89)

Ainda seguindo essa mesma alegoria do conto de Borges, em outra passagem do texto ele se remete à “imagem dialética”: “—Si el espacio es infinito estamos en cualquier punto del espacio. Si el tiempo es infinito estamos en cualquier punto del tiempo.” (BORGES, 2007, p. 89).  A história é construída por esses fragmentos que encontram seu lugar em todos os lugares, em todos os tempos. Também é importante recordar que a numeração das páginas do livro desse conto não é sequencial, ela não segue uma sequência numérica. Desta mesma maneira os fragmentos não seguem uma sequência: eles se encontram, se desencontram e se entrelaçam, e que para serem interpretados não devem ser organizados sequencialmente, mas sim decompostos.
Porém, muito tempo antes que Borges publicasse as linhas que dão início a este conto, são elas: “La línea consta de un número infinito de puntos; el plano, de un número infinito de líneas; el volumen, de un número infinito de planos; el hipervolumen, de un número infinito de volúmenes” (BORGES, 2007, p. 87), Hernández publicava em La cruz del sur no ano de 1926, um relato literalmente fragmentado intitulado “Genealogías”, cujo primeiro fragmento transcrevo abaixo:

Hubo una vez en el espacio una línea horizontal infinita. Por ella se paseaba una circunferencia de derecha a izquierda. Parecía como que cada punto de la circunferencia fuera coincidiendo con cada punto de la línea horizontal. La circunferencia caminaba tranquila, lentamente e indiferentemente. Pero no siempre caminaba. De pronto se paraba: pasaban unos instantes. Después giraba lentamente sobre uno de sus puntos. Tan pronto la veía de frente como de perfil. Pero todo esto no era brusco, sus movimientos eran reposados. Cuando quedaba de perfil se detenía otros instantes y yo no veía más que una perpendicular. Después comenzaba a ver dos líneas curvas convexas juntas en los extremos y cada vez las líneas eran más curvas hasta que llegaban a ser la circunferencia de frente. Y así, en este ritmo, se paseaba la joven circunferencia. (HERNÁNDEZ, 1983, p. 34)

A circunferência passeava solitária pela linha infinita, quando, de repente, é surpreendida com a aparição de outra forma, um triângulo. Agora, uma circunferência e um triângulo passeiam por uma linha horizontal, eles se transformam no decorrer da narrativa, ela em uma elipse e ele primeiramente em um pentágono e posteriormente em um quadrilátero, até que a elipse entra no quadrilátero, assim permanecendo por toda sua juventude, já em sua velhice, a elipse volta a sua forma inicial, uma circunferência, e o quadrilátero volta a ser triângulo, ela permanece encerrada nele, e por fim:

Cuando murieron, el triángulo desunió sus lados tendiendo a formar una línea horizontal. La circunferencia se abrió, quedó hecha una línea curva y después una recta. Los dos unidos fueron otra línea superpuesta a la que les sirvió de camino. Y así, lentamente, se llenó el espacio de muchas líneas horizontales infinitas. (HERNÁNDEZ, 1983, p. 36)

 A condição fragmentária e infinita, o jogo de decomposição e recomposição presente no conto de Borges já foi proposto décadas antes por Hernández. Estes personagens, que não são personagens, mas fragmentos – formas primordiais das artes e das ciências – ao mesmo tempo em que contam a história da existência, um rápido movimento que separa vida e morte, reflete também o próprio ato de narrar. Segundo Verani, é característica de Hernández:

Escribir sobre lo que no sabe, las advertencias al lector sobre el carácter fragmentario de su obra, invitándolo a completarla, y la autoconciencia reflexiva y la voluntad de subrayar los mecanismos productores de sentido. Su narrativa se caracteriza, además, por la espontaneidad conversacional y antiliteraria, común a todos los vanguardistas: “lo que amamos en Felisberto es la llaneza, la falta total de empaque que tanto almidonó la literatura de su tiempo”, declara Julio Cortazar. En Felisberto el desajuste juguetón de lo concreto y la naturaleza dislocada y fragmentada de las situaciones arrancan las cosas de la normalidad, preservando una zona de misterio irreductible a explicaciones lógicas. (VERANI, 1998, p. 119)

A linguagem científica de Borges encontra em Hernández outra forma: composições geométricas possuem vida, movimentos e morte. Se em Borges o infinito, ainda que infinito, está aprisionado em um livro; em Hernández ele está nas formas que compõem a existência. Não seria involuntário, portanto, recordar aqui o movimento Círculo e Quadrado que surgiu na França ao redor da revista homônima e que teve como fundadores o pintor uruguaio Joaquín Torres García e o pintor e crítico francês Michel Seuphor.
O início do movimento se dá quando Seuphor se encontra com o pintor uruguaio em janeiro de 1929. O objetivo do grupo que se juntou a Seuphor e a Torres García era contrapor-se ao predomínio das ideias surrealistas, para isso propuseram um reagrupamento internacional dos artistas “construtores”.
            No texto “O círculo e o quadrado”, um dos catorze ensaios de “O Estilo e o Grito”, Seuphor narra seu encontro com Torres García e a decisão de iniciarem o grupo[2]:

Torres García le había expresado a van Doesburg su deseo de fundar un grupo para combatir al surrealismo invasor, idea que encontró en el holandés un terreno absolutamente favorable. Pero cuando Torres García habló de van Doesburg a sus amigos, éstos se opusieron en todas partes. Van Doesburg se había hecho en París una reputación de jacobino intratable. Además, sus antiguos colaboradores Mondrian y Vantongerloo se habían separado de él. Torres-García se dirigió entonces a mí, y las cosas tomaron un nuevo giro. Con los individuos que llevé y con aquellos que se situaron tras Torres-García, se constituyó rápidamente un grupo de unas veinte personas. Pero el programa de base era vago. El antisurrealismo, o antisur, como le decíamos, no era suficiente como estandarte. Era necesario encontrar algo positivo. Entonces las discusiones se agilizaron en torno a las nociones de neo-plasticismo, elementarismo, constructivismo, abstracción, geometría, escritura directa... Cada uno daba su enfoque personal y Torres-García nos aplastaba con sus demostraciones, nos desconcertaba con sus cambios de opinión intempestivos.
Después de un tiempo de reflexión, propuse el círculo y cuadrado como enseña del grupo. Para mí era el emblema más simple de la totalidad de las cosas. El mundo racional y el mundo sensorial, la tierra y el cielo del antiguo simbolismo chino, la geometría rectilínea y la geometría curvilínea, el hombre y la mujer, Mondrian y Arp. Tuve inconvenientes para que mi idea fuera aceptada; a muchos les parecía demasiado plegada a la geometría pura, sobre todo al mismo Torres-García. Pero tuve la sorpresa de encontrar a un ardiente defensor en el pintor Daura, quien hizo un proyecto de viñeta cuya presentación se encontró tan afortunada que escucharon la causa. Se admitía que ese título impresionaba, lo que se pondría tras él se discutiría más tarde.

No entanto, ainda que talvez pudéssemos ler os textos de Hernández a partir de uma ótica neo-concretista, e isto mereceria um trabalho à parte, as semelhanças entre Seuphor e o escritor uruguaio terminam na elementaridade destas formas – o círculo e o quadrado. Ao conceber a arte como uma dicotomia entre estilo e grito, Seuphor luta contra a ideia do inacabado, dizendo que a vida pode ser inacabada, mas isso é contra a nossa vontade, querer o inacabado é algo contra nossas opiniões elevadas e nosso instinto, que sempre encerra a vontade de concluir[3]. Ao contrário de Hernández, cujos personagens oscilam entre apropriarem-se de um fragmento para com ele gozar privadamente ou incorporá-lo ao seu próprio eu. Nesse sentido se orientam a maioria de seus contos, entre eles “El acomodador” e “Menos Julia”, ambos publicados no livro Nadie encendía las lámparas.
“El acomodador” narra a história de um acomodador de teatro que possui a capacidade de enxergar na escuridão através de uma luz gerado pelos seus próprios olhos Em sua obsessão por ver objetos termina por invadir todas as noites a casa de um senhor rico que oferecia comida aos pobres. Interessava-lhe determinado cômodo com vitrines carregadas de objetos. “Cuando me quedé solo y empecé a mirar creí estar en el centro de una constelación.” (HERNÁNDEZ, 2010, p.83). Lendo Hernández, como ruinólogo, ele dialoga com o conceito benjaminiano de imagem dialética.

Não é que o passado lança sua luz sobre o presente ou que o presente lança sua luz sobre o passado; mas a imagem é aquilo em que o ocorrido encontra o agora num lampejo, formando uma constelação. Em outras palavras: a imagem dialética na imobilidade. Pois, enquanto a relação do presente com o passado é puramente temporal e contínua, a relação do ocorrido com o agora é dialética – não é uma progressão, e sim uma imagem, que salta. – Somente as imagens dialéticas são imagens autênticas (isto é: não-arcaicas), e o lugar onde as encontramos é a linguagem. (BENJAMIN, 2006, p. 504)

 “Menos Julia” narra a história do proprietário de um bazar que tem como distração ir ao seu sítio nos finais de semana, se encerrar em um túnel, onde se encontram vários objetos, os quais, ele tateia até descobrir o que são. Além de tatear os rostos das moças que o servem. Posterior a esse tatear, a personagem tem por costume recostar-se em seu divã onde permanece por longo tempo sem ver ou falar com ninguém, como se estivesse meditando, analisando, sobre tudo o que acontece no túnel. Para ele, estar no túnel não é algo puramente distrativo, mas essencial, quase obsessivo. É nos momentos em que está no túnel que ele revive os fragmentos das suas, e também das que não são suas, recordações.  “Cuando estoy allí siento que me rozan ideas que van a otra parte... Yo he vivido cerca de otras personas y me he guardado en la memoria recuerdos que no me pertenecen” (HERNÁNDEZ, 2010, p. 102). E assim, a partir da sua memória, ou da memória de outros de dentro do túnel, o personagem revive os seus fragmentos e os fragmentos alheios, criando agora a sua história baseada nesses fragmentos.
      
En enfecto, para él (Benjamin), el sítio de la verdad, no es ya el saber, y para el sujeto, la memoria voluntaria y la conciencia, sino el pensamiento o, más bien, la memoria involuntaria que ofrece una chance a la meditación. Ahora, las colecciones de fragmentos, por lo tanto una cierta escritura poética - la escritura alegórica- constituyen por excelencia el lugar de la verdad. El medio de contemplación, ya no es el saber, es la memoria. Pero es una memoria desmovilizada, desprendida, desconectada de las finalidades de la voluntad y por lo tanto de toda Figura. (DEOTTE, 1994, p.183)

Contudo em “La casa inundada” se pode ver claramente o conceito de ruína. Porém, não é a partir de uma ruína já existente que se desenvolve a história, mas sim, através de um arruinamento proposital. Margarita, uma senhora viúva e solitária, resolve inundar – arruinar – uma casa por querer conviver com a água, que segundo ela, seria um agente transformador das suas recordações e pensamentos. A mesma matéria que arruína a casa, agora transforma os pensamentos, os fragmenta, dessa maneira construindo uma nova história a partir dos fragmentos que a ruína desencadeou.

[…] hay que cultivar los recuerdos en el agua, que el agua elabora lo que en ella se refleja y que recibe el pensamiento. En caso de desesperación no hay que entregar el cuerpo al agua; hay que entregar a ella el pensamiento; ella lo penetra y él nos cambia el sentido de la vida. (HERNÁNDEZ, 2010, p. 249-250)

Se a personagem de Hernández,  Margarita, resolve inundar a sua casa para assim conviver com a água, os personagens de Ponte, no já citado conto, “Un arte de hacer ruínas”, os tugures, efetuam “derrumbes” para apropriarem-se da matéria deles provinda a fim de construir uma cidade subterrânea à Havana, Tugúria. Os personagens de Ponte se consideram nômades, e a única maneira de praticar o nomadismo em uma ilha, onde não se encontra mais que água às suas bordas, é escavar, caminhar na vertical. Nesse caso a matéria provinda da ruína proposital é utilizada para construir a cidade subterrânea, igual à cidade de cima, os tugures constroem “la ciudad hundida, donde todo se conserva en la memória” (2005, p. 73).
Em  “Explicación falsa de mis cuentos”, Hernández comenta essa forma fragmentada, e sem estruturas lógicas, de sua escrita, onde a consciência dá lugar à memória, e a maneira “misteriosa” como seus textos ganham vida. Hernández cria uma “planta” como alegoria para os seus textos, a qual desde a sua germinação tem vida própria, ele somente tem por dever cuidar desta planta, deixando-o crescer a sua maneira.

Obligado o traicionado por mí mismo a decir cómo hago mis cuentos, recurriré a explicaciones exteriores a ellos. No son completamente naturales, en el sentido de no intervenir la conciencia. Eso me sería antipático. No son dominados por una teoría de conciencia. Esto me sería extremadamente antipático. Preferiría decir que esa intervención es misteriosa. Mis cuentos no tienen estructuras lógicas. A pesar de la vigilancia constante y rigurosa de la conciencia, ésta también me es desconocida. En un momento dado pienso que en un rincón de mí nacerá una planta…Si es una planta dueña de sí misma tendrá una poesía natural, desconocida por ella misma. Ella debe ser como una persona que vivirá no sabe cuánto, con necesidades propias, con un orgullo discreto, un poco torpe y que parezca improvisado. Ella misma no conocerá sus leyes, aunque profundamente las tenga y la conciencia no las alcance. No sabrá el grado y la manera en que la conciencia intervendrá, pero en última instancia impondrá su voluntad. Y enseñará a la conciencia a ser desinteresada.
Lo más seguro de todo es que yo no sé cómo hago mis cuentos, porque cada uno de ellos tiene su vida extraña y propia. Pero también sé que viven peleando con la conciencia para evitar los extranjeros que ella les recomienda. (HERNÁNDEZ, 2010, 175-6)

O que se pretendeu analisar com este texto é essa maneira de escrever, já realizada por Benjamin, a partir da ruína, a entendendo como fragmentos de tempo e espaço, que se apodera desses fragmentos, de pequenos “significantes”, que podem se encontrar em qualquer espaço e tempo, estar no “todo”, ou no “nada”, e construir uma nova história, onde a ruína é a matéria prima para a construção dessa nova história.

Las historias previa y posterior de un hecho histórico aparecen, en virtud de su exposición dialéctica, en él mismo. Más aún: toda circunstancia histórica que se expone dialécticamente, se polariza convirtiéndose en un campo de fuerzas en el que tiene lugar el conflicto entre su historia previa y su historia posterior. Se convierte en ese campo de fuerzas en la medida en que la actualidad actúa en ella. Y así es como el hecho histórico se polariza, siempre de nuevo y nunca de la misma manera, en historia previa e historia posterior. Y lo hace fuera de sí, en la actualidad misma, al igual que una línea, dividida según la proporción apolínea, experimenta su división fuera de ella misma. (BENJAMIN, 2005, p. 472)

O "arruinamento" e a fragmentação de sua escrita impedem qualquer sistematização, seja no sentido de entender a literatura como sistema, ou de captar o leitor com algum conceito de verdade, completude ou anestética, impedindo o funcionamento do dispositivo, que é tudo aquilo que tenha capacidade de capturar, orientar, determinar, interceptar, modelar, controlar e assegurar os gestos, as condutas, as opiniões e os discursos dos seres viventes (AGAMBEN, 2009, p. 40). E que para Agamben, o desenfreado desenvolvimento capitalista teria sido o causador de uma acumulação e uma proliferação desmedida desses dispositivos, que dentre outros, seriam a escritura, a literatura e a linguagem, gerando processos de subjetivação que causaram a “disseminação que leva ao extremo o aspecto de mascaramento que sempre acompanhou toda a identidade pessoal” (AGAMBEN, 2009, p. 42).
É assim que Hernández constrói sua escritura, a partir dos fragmentos dos seus personagens, onde o passado e o presente se encontram, onde o passado, no presente, deixa de ser aquele passado, para agora se transformar em um novo presente, um espaço a mais onde a história possa se desenrolar. Nenhuma das histórias tem um tempo e um significado exatos. É a representação, sem estruturas lógicas, da ruína dos seus personagens descrita pelos seus fragmentos de experiências, onde a consciência dá lugar à memória ora voluntária, ora involuntária, de que o escritor se utiliza para criar o novo sobre a ruína.

Referências Bibliográficas
AGAMBEN, Giorgio. O que é o contemporâneo? E outros ensaios. 1 ed. 2 reimpressão. Chapecó: Argos, 2010. Tradução ao português: Vinícius Nicastro Honesko.
ANDRADE, Ana Luiza de. Ruinas do  Nordesterro: arrecifes e Recife. 2011.
BENJAMIN, Walter. Libro de los Pasajes. 1 ed. Edición de Rolf Tiedemann. Traducción de Luis Fernández Castañeda et alii. Madrid: Akal, 2005.
______. Obras escolhidas. Magia e técnica, arte e política. Volume I. 3 ed. São Paulo: Brasiliense, 1987. Tradução: Sérgio Paulo Rouanet
______. Obras escolhidas. Rua de mão única. Volume II. 1 ed. São Paulo: Brasiliense, 1987. Tradução: Rubens Rodrigues Torres Filho e José Carlos Martins Barbosa
______. Passagens. 1 ed. 2 reimpressão. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009. Trad. do alemão: Irene Aron. Tradução do francês: Cleonice Paes
BORGES, Jorge Luis. Obras completas. Volume III. 15 ed. Buenos Aires: Emecé, 2007.
BUCK-MORS, Susan. Origen de la Dialética Negativa. 1 ed. México: Siglo Veintiuno Editores., 1981. Tradução de Nora Rabotnikof Maskivker
DÉOTTE, Jean-Louis. Catástrofe y Olvido. Las ruinas, Europa, el Museo. 1 ed. Santiago: Editorial Cuarto Propio. 1998. Tradução: Justo Pastor Mellado
HERNÁNDEZ, Felisberto. Obras completas. Volume I. 1 ed. México: Siglo Veintiuno Editores, 1983.
______. Obras completas. Volume II. 1 ed. 8 reimpressão. México: Siglo Veintiuno Editores, 2010.
PANESI, Jorge. Felisberto Hernández. 1 ed. Rosario: Beatriz Viterbo Editora, 1993.
PONTE, Antonio José. Un arte de hacer ruinas y otros cuentos. 1 ed. México: Fondo de Cultura Económica, 2005.
SEUPHOR, Michel. El estilo y el grito. Caracas: Monte Ávila C.A, 1970
VERANI, Hugo. Narrativa vanguardista hispanoamericana. Revista de Crítica Literaria Latinoamericana,  Lima-Berkeley, ano XXIV, n. 48. pp. 117-127, 2do. semestre de 1998.



[1] Texto gentilmente cedido pelo autor.
[2] A princípio o movimento começou tímido, mas já em outubro de 1929 ocorriam reuniões quinzenais no Café Voltaire, depois na Brosserie Lipp. Nessas reuniões compareciam inúmeros artistas.  O grupo contava com cerca de 80 membros, cujas mensalidades permitiram a publicação da revista Círculo e quadrado, além de permitir uma exposição de arte abstrata de tendência construtiva, realizada em abril de 1930 com a participação de Jean Arp, Willi Baumeister, Cesar Domela, Alexandra Exter, Wassily Kandinsky, Le Corbusier, Fernand Leger, Piet Mondrian, Amedee Ozenfant, Sophie Taeuber-Arp, Joaquin Torres-Garcia e Georges Vantongerloo, entre outros nomes da arte abstrata, reunindo artistas não apenas da França, mas da Rússia, da Polônia, da América do Norte e do Sul.
[3] “De hecho nuestra vida siempre es una obra inacabada. Pero contra nuestra voluntad. Quererla inconclusa me parece incompatible con nuestras opiniones más elevadas, con nuestro mismo instinto, que encierra una voluntad de concluir” (SEUPHOR, 1970, p. 262)