TRABALHO COM GÊNEROS TEXTUAIS NO CURSO DE LETRAMENTO DO PROJETO “SEMPRE É TEMPO DE SABER”

Carlos Eduardo Krebs Anzolin
Orientadora Prof.ª Ms. Márcia Marlene Stenzler de Lima


RESUMO
O presente artigo tem o objetivo de dar uma visão geral do trabalho com gêneros textuais no curso de Letramento do projeto de extensão “Sempre é Tempo de Saber” (alfabetização, letramento, inclusão digital) da FAFIUV, veiculado ao Programa Universidade Sem Fronteiras da SETI, Estado do Paraná, no Subprograma Incubadora dos Direitos Sociais. Será discutido o caráter social de uma prática de ensino baseada em gêneros textuais possibilitando a aquisição e aperfeiçoamento da leitura e escrita a partir das abordagens contemporâneas do letramento. Na primeira parte do artigo é feita uma descrição detalhada sobre o projeto “Sempre é Tempo de Saber”, bem como das atividades do curso de Letramento desenvolvidas. Na segunda parte, os conceitos de alfabetização e letramento são problematizados. Na terceira, uma discussão sobre os gêneros textuais e suas implicações ao ensino de língua materna é colocada em questão. Por fim, é feito um relato de como tem sido trabalho trabalhado com gêneros textuais no curso de Letramento.

Palavras chave: Letramento, gêneros textuais, Língua Portuguesa.


ABSTRACT
This article aims to give an overview of the work with textual genres in the course of Literacy of the project "Sempre é Tempo de Saber" (literacy, literacy, digital inclusion) at FAFIUV, that is part of the Program of the “Universidade Sem Fronteiras” of SETI, State of Paraná, Brazil, in the Incubator Programme of Social Rights.. It will be discussed the social character of a teaching practice based in textual genres allowing the improvement of reading and writing from contemporary approaches of literacy. In the first part of this article is a detailed description about the project "Sempre é Tempo de Saber" as well as the activities of the course of Literacy developed. In the second part, the concepts of literacy and literacy are discussed. In the third part, a discussion of the textual genres and their implications for the teaching of mother tongue is placed in question. Finally, we made a report on how work has been working with textual genres in the course of Literacy.

Key words: Literacy, textual genres, the Portuguese language.


1 INTRODUÇÃO

A idéia do trabalho com letramento na Terceira Idade surgiu a partir da atuação no projeto “Sempre é Tempo de Saber” que oferece atividades de alfabetização, inclusão digital e letramento. O projeto está vinculado a FAFIUV e ao Programa Universidade Sem Fronteiras da SETI. À medida que as atividades de ensino de língua portuguesa foram sendo desenvolvidas com adultos, compreendeu-se a necessidade do letramento, pois até então, não havíamos constatado a amplitude do trabalho desenvolvido.

Em agosto de 2007 o projeto “Sempre é Tempo de Saber” que já vinha sendo desenvolvido desde 2005 foi aprovado como um dos projetos institucionais da FAFIUV no Programa Universidade Sem Fronteiras, Subprograma Incubadora dos Direitos Sociais da SETI, Estado do Paraná. Houve então, uma reorganização dos membros do projeto e a busca contínua por novos alunos preferencialmente da Terceira Idade e residentes na cidade de União da Vitória – Pr, a participarem de um dos cursos oferecidos: alfabetização, inclusão digital e letramento.

Tem-se como objetivo geral para este curso de Letramento, contribuir para um avanço significativo dos níveis de leitura e de escrita dos oito alunos adultos participantes (8 mulheres e 1 homem), que com faixa etária acima de cinqüenta anos, possam continuar a aprender, tendo suas vidas melhoradas, acesso aos bens culturais, conhecimento ampliado entre outros.

Como metodologia, primeiramente fez-se uma revisão bibliográfica acerca dos temas letramento e gêneros textuais, que segundo Lakatos (2006, p.185) “[...] Sua finalidade é colocar o pesquisador em contato direto com tudo o que foi escrito, dito ou filmado sobre determinado assunto.” E posteriormente, aplicada em sala de aula que podemos chamar de pesquisa de campo:

[...] é aquela utilizada com o objetivo de conseguir informações e/ou conhecimentos acerca de um problema, para o qual se procura uma resposta, ou de uma hipótese, que se queira comprovar, ou ainda, descobrir novos fenômenos ou as relações entre eles. (LAKATOS, 2006, p.188)


Este artigo é conseqüência do interesse despertado quanto a uma questão ligada ao ensino de língua materna, focada nos gêneros textuais presentes na realidade social dos alunos em questão, e implicando deste modo em práticas de letramento. Considera-se a condição de sujeitos com baixo nível de escolaridade, pois, são pessoas da Terceira Idade, e com fluxo escolar interrompido em alguma série da Educação Básica por repetência, abandono ou outras necessidades, mas que nas aulas adquirem habilidades de percepção e produção de determinados gêneros.

Elaborar e delimitar os conteúdos programáticos de Língua Portuguesa para esse curso de Letramento foi uma tarefa desafiadora, pois os alunos participantes têm um perfil diversificado quanto às necessidades de aprendizagem. Por essa razão, foram consultados autores como Durante (1998) e Geherke; Zanetti; Schwndler (2003) que pesquisam sobre educação de jovens e adultos para que pudéssemos ter uma noção mais abrangente do que poderia ser trabalhado, ou seja, quais conteúdos seriam mais importantes para apreciação do público alvo do projeto.

Na obra de Durante (1998) são enfocados a alfabetização e letramento no contexto de operários emigrantes provenientes do Nordeste, Minas Gerais e do litoral paulista da construção civil, com faixa etária entre 19 e 47 anos. A organização dos conteúdos foi direcionada ao contexto histórico-social desse público alvo. Já a obra organizada por Geherke; Zanetti e Schwndler (2003) fundamentou-se essencialmente nos princípios teórico-metodológicos de Paulo Freire sendo o público alvo composto por jovens e adultos dos assentamentos de reforma agrária da Região Sul do Paraná. Este trabalho foi veiculado ao Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – PRONERA e a organização dos conteúdos curriculares baseada em temas geradores como, por exemplo: Assentamento, Produção, História de Vida. Vemos, então, nessas obras que o ensino foi calcado no contexto histórico-social do público alvo. É claro que cada obra consultada trouxe valiosas informações, que contribuíram significativamente. No entanto, os participantes deste projeto são de distintos contextos histórico-sociais e de escolaridade diferente, ficando então um desafio para o trabalho.

Então, o material didático desenvolvido foi baseado nos moldes de livros do Programa Alfabetização Solidária (2000), dos programas de Língua Portuguesa do EJA (Educação e Jovens e Adultos) do Estado do Paraná (1999) bem como outras obras diversas que enfatiza certos conteúdos, como gramática básica e gêneros textuais. Este é um trabalho diferenciado, pois não enfoca conteúdos de turmas regulares do Ensino Básico e Fundamental, uma vez que busca um aprendizado visando necessidades atuais dos alunos.

2 O QUE É LETRAMENTO

Considera-se letramento um neologismo surgido na metade dos anos 80 no cenário da Educação e da Lingüística no Brasil. Desde então, esse termo-técnico tornou-se cada vez mais freqüente nos estudos e pesquisas de especialistas das Ciências Lingüísticas e Educação bem como das Ciências Sociais, História e outras.

Trata-se da versão para a Língua Portuguesa da palavra literacy e seu antônimo illiterate do Inglês, segundo o dicionário Oxford Advanced Learner´s, (2005) “habilidade de ler e escrever” e respectivamente “(de uma pessoa) que não sabe ler ou escrever”. Em dicionários nacionais o termo é quase inexistente ou quando dicionarizado recebe acepções diferentes do campo semântico hoje utilizado. O termo dicionarizado que se confunde com letramento é alfabetismo, ou seja, “A idéia de alfabetismo ao longo do tempo gerou o conceito atual de letramento que vai além da alfabetização” (DURANTE, 1998, p.25).

No entanto, o que realmente significa letramento? Quais os impactos e controvérsias que trouxe? Que teóricos e teorias o fundamentam? Esses são questionamentos que ainda muitos estão buscando melhor compreendê-lo, assim define Soares (2000, p.65), trata-se de “[...] um fenômeno multifacetado e extremamente complexo; argumenta-se que o consenso em torno de uma única definição é impossível.”

Comecemos, então, do processo de aprendizagem antecedente ao letramento: a alfabetização. Esta constitui-se na base da aprendizagem do código escrito, possibilitando ao indivíduo, condições básicas para a inserção num mundo grafocêntrico, trazendo conseqüências sociais, culturais, políticas, econômicas, cognitivas e lingüísticas na vivência em um grupo de indivíduos de uma sociedade letrada. Ainda, com ênfase nessa reflexão, citamos Tfouni (2000, p.9-10):

A alfabetização refere-se à aquisição da escrita enquanto aprendizagem para leitura, escrita e as chamadas práticas de linguagem. [...] A alfabetização pertence, assim, ao âmbito do indivíduo. O letramento, por sua vez, focaliza os aspectos sócio-históricos da aquisição da escrita [...] desliga-se de verificar o individual e centraliza-se no social.


A autora distingue os dois termos, pois, os processos de alfabetização centralizam-se no indivíduo em processo de aprendizagem da palavra escrita, uma vez que este domina a língua oral e não a língua escrita ainda, deste modo, vemos nesta afirmação um aspecto propriamente estruturalista da aquisição de uma habilidade lingüística. O letramento, por sua vez, destaca o ser histórico-social numa perspectiva sociointeracionista do indivíduo com o seu meio e com seu grupo, desta forma abrangendo aspectos sociais e outras finalidades semânticas.

O indivíduo no processo de alfabetização é aquele que aprende a ler e a escrever, primeiramente pela decodificação da palavra escrita, mas, ainda não é aquele que se apropriou da leitura e da escrita, que incorporou as práticas sociais para o uso efetivo dessas habilidades em diferentes contextos. Entretanto, é interessante comentar que apesar de haver intensas discussões sobre o acesso à cultura, existem muitos não-alfabetizados que não se apropriaram do sistema da escrita e nas palavras de Soares conseqüentemente (2000, p.20): “[...] o analfabeto não pode exercer em toda a sua plenitude os seus direitos de cidadão, é aquele que não tem acesso aos bens culturais das sociedades letradas”.

A partir destes apontamentos podemos mais uma vez esclarecer a especificidade da alfabetização e letramento. No primeiro, encontram-se pessoas em processo de alfabetização, que não atingiram ainda as condições do letramento que vai além desse processo inicial. É importante enfatizar que a evolução da aprendizagem permite ao indivíduo o aperfeiçoamento constante, constituindo-se na dimensão de um ser social letrado.

A alfabetização (domínio do sistema alfabético) constitui apenas um tipo de prática de letramento. Seria o mesmo que a aquisição de habilidades necessárias para leitura e escrita enquanto que alfabetismo seria um domínio das práticas sociais de leitura e escrita. (DURANTE, 1998, p.25)


Nas palavras de Kleiman (2007, p.3) “a concepção da escrita dos estudos de letramento pressupõe que as pessoas e os grupos sociais são heterogêneos e que as diversas atividades entre as pessoas acontecem de modos muito variados.” Podemos aqui encontrar de maneira mais clara, a distinção entre alfabetização e letramento, pois, Kleiman nos deixa uma pista de que o letramento envolve globalmente a interação social humana, com o meio, através da escrita.

Finalmente, após as devidas considerações de vários autores podemos de forma sintética significar e diferenciar alfabetização e letramento através da fala de Soares (2000, p.39-40):

[...] um indivíduo alfabetizado não é necessariamente um indivíduo letrado; alfabetizado é aquele indivíduo que sabe ler e escrever, já o indivíduo letrado, o indivíduo que vive em estado de letramento, é não só aquele que sabe ler e escrever, mas aquele que usa socialmente a leitura e a escrita, pratica a leitura e a escrita, responde adequadamente às demandas sociais de leitura e escrita.


Agora, entramos no âmbito do indivíduo já alfabetizado, mas com dificuldades de leitura e escrita, onde não domina a gama do conhecimento de determinados gêneros discursivos. A esse indivíduo há o conceito chamado analfabeto funcional, mas pouco usado, por muitos o considerarem pejorativo. E é para esse indivíduo que nos questionamos se as práticas de letramento acontecem. Será que nesta condição este indivíduo está plenamente alfabetizado, mas no processo inicial de letramento? Quais as razões para que este esteja nesse neste estágio e permaneça nele? Será por motivos de má formação escolar, desinteresse pela aprendizagem, de demanda socioeconômica ou força maior?

Não basta saber ler e escrever, é preciso também saber fazer o uso do ler e do escrever, saber responder às exigências de leitura e escrita que a sociedade faz continuamente – daí o recente termo letramento [...] (SOARES, 2000, p.20).


Nesse contexto pensa-se no indivíduo que sabe ler e escrever, mas quando o faz não tem condições de ir além, ou seja, pode estar na fase da decodificação da palavra escrita, não realizando inferências e nem atribuindo sentidos necessários para compreender certos textos de nível mais complexo.

Há pessoas que são alfabetizadas, aprenderam a ler e a escrever, mas não incorporam práticas de leitura e escrita, ou seja, essas pessoas têm a competência, mas não desenvolvem o desempenho. Isto se reflete em pessoas que não lêem nem gêneros dos mais corriqueiros como jornais, revistas, folhetos, romances e têm dificuldades ao redigir uma declaração, uma procuração, carta, telegrama ou também não conseguem encontrar informações em listas telefônicas, contas de água, bulas de remédio etc. (SOARES, 2000).

Entretanto, não podemos separar e distinguir duas habilidades – alfabetização e letramento – simplesmente. O ideal seria alfabetizar letrando, ou seja, unir as práticas de modo que o indivíduo se torne, ao mesmo tempo, alfabetizado e letrado.

Se analisarmos melhor, a população analfabeta brasileira pode até empenhar-se em alfabetizar-se, havendo deste modo uma conseqüente diminuição das estatísticas de analfabetismo, porém o que é feito depois disso? Uma hipótese como exemplo é que a população pode estar alfabetizada, mas não letrada.

Durante (1998) apresenta algumas das teorias de Vygotsky que intrigam ainda mais a problemática do letramento. A partir dessa leitura relacionamos o trabalho desenvolvido no projeto “Sempre é Tempo de Saber” com reflexões sobre pessoas adultas que freqüentaram regularmente escolas e concluíram seus estudos em detrimento de pessoas que de alguma forma interromperam seus estudos, mas conseguiram apesar disso, viver no mundo letrado. É através dessa passagem que referimos à indagação anterior:

O desenvolvimento não é um processo inato universal determinado pela maturação, e pelo acesso à escolarização, mas decorrente da aprendizagem mediada pela interação do indivíduo com seu contexto social (outros indivíduos e sistemas simbólicos construídos socialmente) O conhecimento resulta de processos de interação em diferentes contextos e não de diferentes potenciais cognitivos. (DURANTE, 1998, p.19)


Evidencia-se que um adulto pode ser analfabeto, mas letrado. Isso quer dizer que mesmo se essa pessoa não domine o sistema de escrita e leitura, tem práticas sociais atreladas a esse sistema. Por exemplo, há aqueles que pedem para alguém escrever uma carta, ditam esta carta, “[...] usa as convenções e estruturas lingüísticas próprias da língua escrita, evidenciando que conhece a língua escrita.” (SOARES, 2000, p.47), onde podemos remontar ao conhecido filme Central do Brasil , .

O indivíduo não sabe escrever, mas utiliza-se de uma pessoa “alfabetizada” para que faça isso, ou pede para que leia textos para ouvi-los, ou ainda pede indicações das mais simples como informes do letreiro de ônibus. A essa pessoa analfabeta é necessário dizer que possui certo grau de letramento, pois são “[...] pessoas que, mesmo não sendo alfabetizadas, são, no entanto, “letradas”, mas não têm acesso ao conhecimento sistematizado nos livros, compêndios e manuais.” (TFOUNI, 2000, p.28).


3 GÊNEROS TEXTUAIS


Para conceituar gêneros textuais, partimos do pressuposto de Bakhtin (2003, p.279) de que “cada esfera da utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, sendo isso denominado, gêneros do discurso.” Os gêneros, portanto, tem sua estrutura e estilo próprios e circulam em contextos distintos determinados por convenções sociais de uso. Assim, conceituando gêneros de maneira mais abrangente, Marcuschi (2005, p.25) afirma:

Em suma, os gêneros não são superestruturas canônicas e determinadas, mas também não são amorfos e simplesmente determinados por pressões externas São formações interativas, multimodalizadas e flexíveis de organização social e de produção de sentidos.


No contexto escolar, por muito tempo o ensino de língua materna não trazia como conteúdos curriculares os gêneros textuais, mas apenas as tipologias textuais básicas - descrição, narração, dissertação - trabalhadas como prática de redação para os concursos vestibulares, juntamente com outros domínios de língua materna como a gramática normativa e literatura, como relata Bagno (2002, p.56):

No tocante à produção textual escrita, as escolas brasileiras, em sua maioria, até hoje se restringem à prática da “redação”, gênero textual que só existe na escola, não tendo portanto nenhuma função sociocomunicativa relevante para a vida presente e futura do aprendiz.


Os gêneros textuais, então, estavam relativamente inexistentes do cenário escolar, talvez pelo sistema curricular de cada escola ou por resistência dos docentes de Língua Portuguesa. Entretanto, com a evolução dos estudos lingüísticos, novas tendências aos poucos foram sendo incorporadas ao ensino de língua materna, em que o estudo e a transposição didática de gêneros textuais passaram a ter papel fundamental nessas mudanças.

Documentos oficiais como as Diretrizes Curriculares de Língua Portuguesa do Estado do Paraná - DCE e os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs enfocam o ensino e aprendizagem também com base nos gêneros textuais desmistificando assim o ensino tradicional direcionado somente na análise da oração da gramática normativa, sendo que “[...] as aulas pautadas somente na gramática tradicional desconsideram a constituição interativa da linguagem. A gramática, assim ensinada, admite apenas duas alternativas: certo ou errado.” (PARANÁ, 2007, p.17). Através da citação abaixo, entendemos melhor:

O gênero, antes de constituir um conceito, é uma prática social e deve orientar a ação pedagógica com a língua, privilegiando o contato real do estudante com a multiplicidade de textos produzidos e que circulam socialmente. Esse contato com os gêneros, portanto, tem como ponto de partida a experiência e não o conceito. (PARANÁ, 2007, p.13)


Os PCNs, outro documento muito importante de circulação nacional chegou no meio educacional anos antes das DCE e ainda serve como ponto de apoio para a prática pedagógica direcionando questões norteadoras relativas ao ensino de língua materna:

[...] Fora da escola escrevem-se textos dirigidos a interlocutores de fato. Todo texto pertence a um determinado gênero, com uma forma própria, que se pode aprender. Quando entram na escola, os textos que circulam socialmente cumprem um papel modelizador, servindo como fonte de referência, repertório textual, suporte de atividade intertextual. A diversidade textual que existe fora da escola pode e deve estar a serviço da expansão do conhecimento letrado do aluno. (BRASIL, 2000, p.34)


O letramento também está atrelado ao reconhecimento de gêneros textuais do contexto social, ou seja, saber que estes existem e são produzidos diariamente constitui-se em práticas de linguagem necessárias para a vivência no mundo letrado e que o ensino de língua materna deveria focar mais nos currículos escolares.


4 RESULTADOS


É por se tratar do aspecto social que no curso de Letramento do projeto “Sempre é Tempo de Saber” estamos trabalhando com alguns gêneros textuais do contexto dos alunos. Por isso, nos perguntamos quais práticas de leitura e escrita essas pessoas usam?

Com base nestas reflexões iniciais que uma apostila foi elaborada com a escolha de alguns gêneros textuais mais recorrentes na esfera social dos alunos contemplados neste projeto, como também tópicos básicos de gramática e textos para interpretação. De maneira geral Bagno (2002, p.52) analisa como deveria ser levado o ensino-aprendizagem de língua materna.

[...] deveríamos propor então um ensino de língua que tenha o objetivo de levar o aluno a adquirir um grau de letramento cada vez mais elevado, isto é, desenvolver nele um conjunto de habilidades e comportamentos de leitura e escrita que lhe permitam fazer maior e mais eficiente uso possível das capacidades técnicas de ler e escrever.

Durante as aulas já realizadas até o momento, uma por semana, com uma hora e meia de duração, já foram trabalhados com vários gêneros textuais. De forma que é explicada a estrutura, a organização textual, a função social e importância do gênero textual proposto para uma posterior produção escrita dos alunos. Os gêneros textuais já trabalhados são: carta, bilhete, receitas, textos instrucionais; gêneros do jornal, anúncios, propagandas; informativo científico, dicionário, relato de história de vida.

Uma das primeiras atividades do curso foi a escrita de bilhetes e de uma carta pelos alunos, esta enviada por correio. Percebeu-se que os alunos não realizavam mais essa prática de linguagem, pela facilidade do uso das tecnologias de comunicação. Porém, foi uma atividade enriquecedora, pois os alunos começaram daí a praticar novamente a escrita e a leitura, e tendo noção do conceito de gênero textual, mesmo que cometendo erros normativos de português na escrita.

Foram levados para sala de aula receitas culinárias e textos instrucionais, onde verificamos que esses textos eram dos mais recorrentes no cotidiano dos alunos, como também mais fáceis de produzir textualmente, utilizando verbos no imperativo e linguagem simples.

Quando levamos o jornal para sala de aula, os alunos perceberam que se tratava de um suporte textual que continha inúmeros gêneros jornalísticos distintos entre si, como por exemplo: notícia, reportagem, artigo, classificados, crônica, charges, tirinhas, entrevista etc. E, na leitura do jornal o leitor escolhe quais textos quer ler, não necessitando ler o jornal inteiro. Nas aulas em que o jornal foi trabalhado, pela quantidade de gêneros encontrados, os alunos perceberam que são rodeados por textos diferentes, com linguagem também diferente, e que podem produzir alguns destes textos, como a procuração para realização de uma prática de linguagem. Em geral, o jornal é um recurso motivador para leitura.

Textos publicitários estão cada vez mais presentes nas vias de comunicação. Deste modo trabalhamos também, especificamente com a propaganda. Nesta parte, analisamos alguns textos publicitários e seus elementos textuais (slogan, ilustração, textos...) para que fosse despertada uma visão crítica acerca destes gêneros. Ou seja, foram levantadas questões como, a linguagem destes textos pode ser apelativa ou informativa? Como a propaganda pode convencer o consumidor a adquirir determinado produto?

O dicionário de língua portuguesa foi explorado em sala de aula. Alguns alunos do curso ainda não sabiam como utilizá-lo, então aprenderam a fazer consultas e procurar o significado de palavras. Então, foi proposto que escrevessem as suas histórias de vida em pequenos livrinhos montados pelos próprios alunos, dividida em infância, adolescência, vida adulta e velhice. Nessa parte, percebeu-se que a habilidade da escrita já estava mais organizada. E, a partir daí percebeu-se que o curso de letramento estava colhendo resultados satisfatórios, pois através da prática de leitura e escrita constantes os alunos aperfeiçoaram suas próprias habilidades.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo objetivou-se em relatar as experiências obtidas em sala de aula no que concerne ao ensino de língua portuguesa veiculado a alguns gêneros textuais do cotidiano dos alunos de Terceira Idade participantes do curso de Letramento, do projeto “Sempre é Tempo de Saber”. Discutiram-se assim as implicações do conceito de letramento, pois o próprio nome do curso é Letramento. Portanto, uniram-se as teorias das práticas de letramento no ensino e aprendizagem de gêneros textuais da língua materna com enfoque social.

Podemos aqui especificar que a produção e o reconhecimento desses gêneros textuais constituem em práticas de letramento, ou seja, foram trabalhados em sala de aula justamente pelo papel social que têm na vida dos sujeitos.

Letrar adultos da Terceira Idade constitui-se um desafio, de modo que essas pessoas têm escolaridade diferente um do outro. Porém percebeu-se no decorrer do ano letivo neste curso que os alunos têm adquirido conhecimentos significativos e vem demonstrando interesse e satisfação na aprendizagem e no aperfeiçoamento das suas habilidades lingüísticas, pois as aulas foram planejadas e aplicadas de maneira diferenciada, ou seja, o ensino da língua teve foco no contexto social dos alunos, deixando de lado um ensino somente normativo baseado na gramática.

O convívio com os alunos tem demonstrado vivências significativas, pois mais do que ensinar, aprendemos com eles. Há uma troca de experiências e conhecimentos, que é enriquecedor.

REFERÊNCIAS

BAGNO. M.; STUBBS, M.; GAGNE, G. Língua materna: letramento, variação e ensino. São Paulo: Parábola, 2002.

BAKHTIN, M. M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

BRASIL. Ministério de Educação e Cultura. Parâmetros Curriculares Nacionais: Língua portuguesa. 2. ed. Secretaria de Educação Fundamental. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.

BRASIL. Programa Educação a Qualidade do Trabalho. Alfabetização de Jovens e Adultos – diagnosticando necessidades de aprendizagem. Brasília: MEC, 2002.

DULZ, E. M.; KARWOSKI, A. M. A percepção dos gêneros textuais por alunos do Ensino Fundamental. Ensino & Pesquisa, União da Vitória-PR, v.3, n.3, p.210-224, out. 2006.

DURANTE, M. Alfabetização de adultos: leitura e produção de textos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.

FERREIRO, E. Alfabetização e cultura escrita. (entrevista) Nova Escola, São Paulo, ano 18, n.162, p.27-30, maio de 2003.

GEHERKE, M.; ZANETTI, M. A.; SCHWNDLER, S.F (org.) Formação de educadoras e educadores: o planejamento na alfabetização de jovens e adultos. Curitiba: Gráfica Popular, 2003.

KLEIMAN, A. O conceito de letramento e suas implicações para a alfabetização. Disponível em: . Acesso em 04 nov. 2007.

LAKATOS, E. M.; MARCONI, M. A. Fundamentos de metodologia científica. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2006.

MARCUSCHI, L. A. Gêneros textuais: configuração, dinamicidade e circulação. In: KARWOSKI, A. M.; GAYDECZKA, B.; BRITO, K. S. (Orgs.) Gêneros textuais: reflexões e ensino. União da Vitória: Kaygangue, 2005.

PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Diretrizes Curriculares de Língua Portuguesa para a Educação Básica (Em revisão). Curitiba, 2007.

PARANÁ. Dept. de Ensino de Jovens e Adultos. Português – Ensino Fundamental – Fase II. Londrina: SEED/DEJA, [1999]. (Cadernos I, II, III, IV, V, VII, VIII)

SOARES M. Letramento: um tema em três gêneros. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.

TFOUNI, L. V. Letramento e alfabetização. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2000.

VÓVIO, C. L. (coord.) et. al. Viver, aprender: educação de jovens e adultos. Brasília: MEC, 2000. (Módulo I a Módulo VI)

WEHMEIER, S. (editor) Oxford Advanced Learner’s Dictionary. 7. ed. Oxford: Oxford University Press, 2005.