Atilio A. Matozzo
Lingüista e professor da FAFIUV
Lingüista e professor da FAFIUV
Certa vez na padaria, tomando um cafezinho, ouvia a conversa de dois senhores, sem intenção real de ouvi-la, mas como falavam muito alto não tive muitas opções. Um tentava convencer o outro de que o time X era melhor do que o time Y. Um dizia: “seu time só tem pernas-de-pau”, o outro retrucava: “pelo menos meu time ainda está na primeira divisão e não precisa de jogadas milagrosas para ganhar os jogos”. Apesar de parecer uma leve discussão corriqueira do dia-a-dia, pude perceber que os dois senhores estão muito bem servidos de metáforas (pernas-de-pau, jogadas milagrosas), aliás, não só eles, mas todos nós temos um grande plantel metafórico apenas esperando para ser usado.
A posição de cada um dos senhores, cada qual com sua ideologia futebolística, pode ser remetida a uma categorização. Vejamos, sempre quando estamos em meio a uma discussão tomamos uma posição, colocando o outro, com quem discutimos, na posição de “inimigo”, já que, creio eu, ninguém gosta de perder uma boa discussão, os advogados de plantão sabem muito bem o que eu quero dizer. Assim, a metáfora conceptual discussão é guerra, cabe como uma luva nesta situação cotidiana, entre discussões corriqueiras, como: religião, futebol e política, já que estes são os temas que mais mexem com a ideologia de cada um.
“Seus argumentos são indefensáveis, pois não condizem com o que seu time representa”, “ora, as estratégias usadas pelo técnico de seu time o estão levando à morte”. Estes dois enunciados comprovam o que eu quero dizer, indefensáveis e estratégias são palavras usadas, geralmente, na luta, na guerra, porém, na saudável discussão que presenciei, foram usadas na guerra retórica, no campo de batalha da linguagem, o que confirma que todos temos uma ótima capacidade metafórica. Percebe-se, desta forma, que a metáfora não é um recurso somente da imaginação poética e/ou um ornamento retórico, é muito mais do que isso, a metáfora é uma característica restrita à linguagem, uma questão mais de palavras do que de pensamentos e/ou ação.
Todo processo comunicativo tem suas metáforas, já que a sua essência é compreender e experimentar uma coisa em termos de outra. Vele lembrar que discussões e guerras são coisas completamente diferentes (de um lado o discurso verbal, de outro o conflito armado), porém, a discussão é parcialmente estruturada, compreendida, realizada e tratada em termos de guerra. A metáfora não está simplesmente nas palavras que usamos, mas no próprio conceito de discussão.
A discussão dos dois senhores acabou depois que um deles disse: “mas ora, estou desperdiçando o meu tempo com você”. Neste caso o uso, muitas vezes inconsciente, da metáfora conceptual tempo é dinheiro, desperdiçando o tempo, coloca um dado valor ao tempo, já que este, em nossa cultura, é um bem valioso, devido à forma pela qual o conceito de trabalho se desenvolveu na cultura ocidental moderna, na qual tudo é relativo às horas, pagamos estacionamento por hora, aulas de idiomas por hora, trabalhamos quarenta horas semanais (recebemos por isso), pagamos a empregada por hora, o pedreiro por hora, logo não poderia ser diferente, tempo realmente é dinheiro.
Após o encerramento da discussão, percebi que o senhor que ainda estava sentado ao meu lado, já que o outro já tinha ido embora, estava com ar de tristeza, sentindo-se para baixo, pois, com certeza queria continuar a discussão. Cima Vs. baixo representa outro processo conceptual metafórico, pois, sempre quando alguém está feliz dizemos que está para cima, ou quando está triste está para baixo, logo, a relação cima é bom, e baixo é ruim. Mais uma vez comprava-se que não conseguimos nos desvincular das metáforas que nos cercam, pois precisamos delas para nossa interação diária. E o mais importante, não precisamos ser poetas ou grandes escritores, pois as metáforas estão em nós, assim como as nuvens estão para o céu.