A LINGUAGEM E AS COISAS DO MUNDO: OU QUANDO UMA MESA É UMA MESA

Atílio A. Matozzo[1]

1 Introdução

Falar sobre a linguagem nos remete a inúmeros campos do conhecimento humano, um deles é a filosofia, aliás, não há como explicarmos uma provável origem da linguagem sem que nos desdobremos pelos cominhos da infindável filosofia da linguagem, campo este constituído por bases lingüísticas e filosóficas. Porém, não trataremos aqui apenas de uma questão filosófica, mas, também, colocaremos em cena a vida semântica das coisas do mundo, bem como as representações possíveis que o signo é capaz de nos apresentar. Não podemos esquecer, é claro, que a filosofia tem uma visão diferenciada da lingüística quando o assunto é a linguagem, segundo Nef (1995), a filosofia é mais crítica que a lingüística.

Num quadro epistemológico traçaremos aqui uma linha condutiva numa visão não cartesiana de representação da linguagem, buscaremos interpelar com os autores citados algumas respostas para dúvidas comuns, principalmente no que se refere ao uso da linguagem no processo de referenciação das coisas do mundo. Antes de iniciarmos essa proposta interpelativa em busca de (prováveis) repostas, devemos saber, primeiramente, que não existe nada no mundo que não tenha passado pelo processo (re)construtor da linguagem, isso comprova que não existe mundo sem linguagem.

Ao nos apoiarmos na certeza de que o mundo é construído a partir dos processos lingüísticos realizados pelos sujeitos que aqui habitam, partimos do pressuposto que toda a construção mundana é realizada por e pela linguagem. Caímos aqui nas discussões de Aristóteles, o qual questionava o poder de criação do homem, dizendo que este vivia em um mundo puramente mimético. Hoje, não é diferente, vivemos também num mundo altamente mimético, porém, sabemos que é impossível estar aqui sem fazer das palavras dos outros as minhas palavras, para Bakhtin (1997), isso tem um nome: alteridade, ou seja, a relação entre eu e o outro.

Temos aqui, já, reflexões o suficiente para começarmos nossas discussões: i) quando nos referimos que a linguagem constitui as coisas do mundo e ela própria, marcamos que todo o sujeito é constituído de linguagem (não podemos esquecer dos processos ideológicos que o cerca); ii) é através da linguagem que temos o processo interativo com o outro e iii) mas, afinal, o que a linguagem te a ver como o mundo?

Propomo-nos neste breve ensaio a responder, ou pelo menos problematizar, as questões acima levantadas, tomaremos como base de reflexão as teorias da filosofia da linguagem e da lingüística. Dividimos este trabalho em três partes interligadas entre si: na primeira parte faremos alguns questionamentos a respeito da origem da linguagem e das coisas do mundo. Na segunda, faremos uma relação entre os processos semânticos e a construção do mundo pelo sujeito. E, por fim, fecharemos nossa reflexão abrandando uma discussão sobre o poder da linguagem e sua inserção no mundo.

2 A origem da linguagem: da imitação à criação

Sabemos que uma das questões mais debatidas de todos os tempos é a origem da linguagem, porém, até hoje, ainda não temos certeza da sua origem, mas uma coisa é certa, tudo começou pela imitação. Um questionamento interessante surge com Rosenstock-Huessy (2002, p. 37) que diz o seguinte: “é preciso saber o que queremos dizer por ‘origem’, o que queremos dizer por ‘origem’ da linguagem.” Para encararmos este processo de origem devemos observar que a linguagem pode significar inúmeras coisas, desde uma indicação da direção de algum lugar até um tratado formal de paz. Então, qual é a origem dessas duas formas de linguagem? Sabemos que de um lado temos uma forma menos padronizada de linguagem, na qual o sujeito vai utilizar seu conhecimento de mundo para indicar a direção e, de outro lado, temos a forma mais padronizada da linguagem, até mesmo com inúmeros recortes da voz do outro. Seguindo, então, a visão de Rosenstock-Huessy (2002), percebemos que a questão não é saber somente qual é origem da linguagem, mas, também, saber qual é origem dos outros elementos que a compõe, como no caso do sujeito que vai utilizar os seus conhecimentos de mundo para indicar a direção certa a um outro sujeito, a questão é: como esse sujeito adquiriu esse conhecimento de mundo? E o que isso representa para ele? Uma resposta é certa, tudo isso teve uma origem, pois nada vem do nada.

Quando um bebê chora, com certeza a mãe consegue identificar esse choro, que pode ser de fome, de dor, etc. Esse choro é uma linguagem? Podemos encarar como uma forma de linguagem, ou seja, não é uma linguagem formalizada, isto nos remete ao trabalho realizado pelo zoólogo Karl Von Frisch (1965), em seu estudo sobre a linguagem das abelhas, o qual mostrava uma forma de comunicação das abelhas através da dança (dança em círculos e dança do oito). O mesmo acontece com os bebês e seus choros, não passa de uma forma de comunicação pré-lingual, pois estes ainda não adquiriram a capacidade da fala. O que não podemos esquecer que o que não existe não poderá ser negligenciado, assim, podemos considerar que as formas de comunicação que não são consideradas linguagem enquadram-se nas relações pré-formais.[2]

A imitação é um dos processos mais utilizados na aquisição da linguagem, por exemplo, quando as crianças estão aprendendo a sua língua materna (isso na convivência social com a família e o mundo) ela passa a repetir/imitar o que os outros falam, é assim que a criança começa a formar o seu léxico, ou seu mundo representacional, pois é a partir daí que ela sabe que a cadeira é aquele “objeto” no mundo que tem quatro “pernas”, um “encosto” e serve para “sentar”, vemos que na constituição deste conhecimento temos, pelo menos, mais quatro coisas novas para ela aprender: o que são: pernas, encosto, objeto e sentar. Isso tudo passa por um processo de imitação, o que na verdade podermos considerar, num campo discursivo, como a constituição heterogênea do sujeito. Chomsky (1957) tem uma visão um pouco diferenciada de como o sujeito adquire a sua linguagem, dizendo que tudo que o sujeito desenvolve vem de um processo puramente inato. Porém, como é que esse sujeito inato vai desenvolver a sua linguagem? Através de um processo de troca de conhecimentos, o que culmina num processo behaviorista, que é totalmente o oposto do inatismo chomskyano, logo, culmina num processo contraditório.

O homem usa a linguagem para criar, pois o mundo está em constante (re)criação, por exemplo, um poeta, que com suas palavras consegue expressar dor, sem mesmo estar sentido dor, expressar amor, sem mesmo sentir amor, ódio, sem, talvez, jamais saber o que é tê-lo. Um outro exemplo são os romancistas modernistas, entre eles Graciliano Ramos, numa das mais importantes obras literárias da segunda geração modernista, Vidas Secas, a sua linguagem alcança uma grande profundidade, quando este apresenta os seus personagens principais, entre eles a cadela Baleia, que través da linguagem seca do velho mestre Graça[3], a cadela tem mais importância e vida do que os meninos, mais novo e mais velho, que sequer tinham nome. Essa linguagem de Graciliano marcou a voz dos regionalistas, com suas denúncias sobre o sofrimento de um povo. Assim, temos a (re)construção de mundo a partir da linguagem literária ( o que não deixa de ser semi-real).

Esses exemplos nos mostram que apesar de não sabermos a verdadeira origem da linguagem, sabemos muito bem o que fazemos com ela, pois conseguimos fazer de um processo mimético[4] um processo (re)criador, ou melhor, nas palavras de Bakhtin (1997), um processo heterogêneo, pois o discurso que proferimos não é nosso é do outro, isso marca uma característica profunda do sujeito e sua linguagem.

3 A (re)construção dos sentidos: o sujeito, a linguagem e a construção do mundo


Baleia respirava depressa, a boca aberta, os queixos desgovernados, a língua pendente e insensível. Não sabia o que tinha sucedido. O estrondo, a pancada que recebera no quarto e a viagem difícil do barreiro ao fim do pátio desvaneciam-se no seu espírito.

A tremura subia, deixava a barriga e chegava ao peito de Baleia. Do peito para trás era tudo insensibilidade e esquecimento. Mas o resto do corpo se arrepiava, espinhos de mandacaru penetravam na carne meio comida pela doença.

Baleia encostava a cabecinha fatigada na pedra. A pedra estava fria, certamente sinhá Vitória tinha deixado o fogo apagar-se muito cedo.

Baleia queria dormir. Acordaria feliz, num mundo cheio de preás. E lamberia as mãos de Fabiano, um Fabiano enorme. As crianças se espojariam com ela, rolariam com ela num pátio enorme, num chiqueiro enorme. O mundo ficaria todo cheio de preás, gordos, enormes
.[5]

Temos aqui um pequeno trecho do capítulo intitulado Baleia, da obra Vidas Secas, exatamente o trecho final do capítulo, no qual a cadela Baleia, após levar um tiro mal dado por Fabiano, começa a ter seus últimos momentos antes de sua morte. A construção deste texto mostra-nos uma construção do mundo já conhecida por nós, a morte. Porém não temos aqui apenas um relato da morte, temos uma linguagem que seduz o leitor, comovendo-lhe, justamente porque o autor propõe, a nós leitores, uma condição verossímil do mundo, embora estejamos frente ao mundo fantasioso da literatura, tudo isso porque o a criação lingüística do autor, o que costumeiramente é chamado de estilo[6], mostra-nos uma cadela que, para muitos não passa de animal, tem vida, espírito, sonhos, desejos, amor, ódio, essa estilística é que transforma as simples coisas do mundo em processos criadores fantásticos.

Um detalhe importantíssimo, isso não acontece apenas em grandes obras, ou com grandes escritores, sujeitos “normais” também fazem o mesmo processo estilístico, quando dizem que: “fulano de tal bateu as botas”, um processo metafórico, a partir de um velho ditado popular, ilustra uma passagem “literária”, isso comprova que a nossa (re)criação das coisas do mundo é muito mais cotidiana do que nós pensamos, nas palavras de Lakoff e Johnson (2002), vivemos num mundo inteiramente metafórico.

Nunca podemos esquecer que o processo criativo, transformacional, não é limitado, a todo o momento estamos em contato com “novas” caracterizações da linguagem, segundo as palavras de Possenti (2001, p. 78):

[...] a aquisição de linguagem é um processo constitutivo, em vez de decorrer de regras previamente dadas. Assim como se propõe aqui que os discursos são constituídos, que os recursos são escolhidos e postos a produzir efeitos, pode-se pensar a aquisição da linguagem pelo mesmo processo, pois se considera, então que “se pode olhar a língua como uma modalidade particular de estruturar a realidade”.

Nesta visão sociointeracionista de ver a linguagem e sua aquisição, deixa-nos claro que não há como (re)caracterizarmos as coisas do mundo sem um contato com o outro, sem uma interação com o mundo. É assim que o literato, que o lingüista, que o filósofo, entre outros vêem o mundo da linguagem, de forma (re)criativa, caso contrário, teríamos, com certeza, na obra de Graciliano Ramos, que aqui citamos, apenas mais um “animal”, mas, como sabemos, pois somos leitores do mundo, o único não animal em Vidas Secas é a cadela Baleia, justamente porque temos uma animalização dos outros personagens (zoomorfismo).

Essa é uma forma de representação do mundo, através do imaginário, muitas vezes popular. Por exemplo[7], numa roda de amigos um determinado sujeito comenta que está sofrendo de insônia a meses, um dos amigos da roda comenta que se ele colocar uma tesoura aberta debaixo da cama seus problemas acabarão. Temos aqui uma crendice popular que, como uma corrente, passa de sujeito a sujeito, de época para época, e o mais intrigante nisso tudo é que, mesmo não acreditando em crendices, o sujeito que sofre de insônias fará a dada simpatia (a qual poderá funcionar ou não).

Um outro exemplo de (re)construção das coisas do mundo é quando ouvimos uma lenda[8], sempre recontamos da nossa maneira, como a do lobisomem, em cada canto do país poderemos encontrar inúmeras lendas sobre o mesmo ser. Este ser passa a existir na mente das pessoas, mesmo que realmente não exista, isso comprova a força da linguagem[9] em modelar o mundo, pois é através dela que adquirimos todos os nossos saberes.

Todos esses exemplos comprovam que não há como deixarmos de lado uma abordagem filosófica da linguagem, pois, provavelmente, é somente através desta abordagem é que conseguiremos explicar a existência de nomes no mundo, bem como a influência ideológica que a linguagem exerce nos sujeitos.

Bakhtin (2003) diz que nada é absolutamente morto, o sentido de cada coisa terá a sua festa no renascimento. O renascimento ao qual Bakhtin se refere é o da linguagem exercendo um processo dialógico com mundo e com os sujeitos, assim, teremos o legítimo renascimento. Um exemplo que ilustra esse nosso pensamento está, novamente, na literatura, principalmente na obra “Madame Bovary”[10] de Gustave Flaubert, obra esta que influência Machado de Assis, marcando o espírito realista do autor brasileiro. Mas não é o lançamento da obra que influencia Machado, mas a linguagem que o Flaubert utiliza, bem como o seu estilo[11]. Tudo isso acarreta uma mudança na literatura brasileira que marca uma fase de grande produção literária, o que leva a muitos críticos a dizerem que a literatura brasileira enfim começa com o realismo.

Acabamos de abordar uma marca altamente ideológica, não poderia ser diferente, pois a ideologia está marcada em cada discurso que proferimos, como afirma Bakhtin (1997), não existe discurso neutro, todos são marcados pela força da ideologia, que, aliás, é uma marca de todo processo realizado pela linguagem, servindo, também, para ajudar a explicar a existência de certas coisas no mundo. Mas afinal, quando uma mesa é uma mesa? Essa discussão será tratada no tópico seguinte.

4 O mundo da linguagem e a linguagem do mundo: uma mesa é uma mesa?

A linguagem sempre esteve co-relacionada com o domínio do mundo pelo homem, Foucault[12] quem o diga. Um belo exemplo é encontrado nos discursos dos grandes ditadores, entre eles Adolf Hitler, Stalin, Fidel Castro, e porque não Bush. Os discursos políticos dão-se através de uma linguagem[13] persuasiva e altamente ideológica, eis então a relação de poder, marcando o que chamaremos aqui de mundo da linguagem. Agora quando temos a representação de alguma coisa em ralação ao mundo, por exemplo, quando denominamos algo novo, podemos chamar isso de linguagem do mundo, serve para explicar os seres em nossa volta. Surge, assim, um método que tem por objeto a linguagem representacional do mundo, nas palavras de Barthes (1978, p. 42): “o método não pode ter por objeto senão a própria linguagem, na medida que ele luta para baldar todo discurso que pega: e por isso é justo dizer que esse método é também ele uma Ficção.” Nesta citação podemos encontrar uma resposta aos exemplos dados anteriormente (os que percorrem o campo da literatura), vemos que o mundo também é ficcional, tanto é que uma representação ficcional exposta através da linguagem aparece quando cumprimentamos alguém que não gostamos, vestimos a máscara da ficção, da mentira, a mesma usada numa peça teatral em plena representação, isso marca uma das inúmeras facetas da linguagem.

Voltando, agora, ao questionamento lançado anteriormente: quando uma mesa é uma mesa? Para respondermos a esta questão faremos uso do dicionário (o qual é muito conhecido como o pai dos burros, eis, aqui, uma outra representação no mundo para o dicionário): segundo o dicionário Aurélio da língua Portuguesa (2001, p. 491) mesa é:

Sf. 1. Móvel, em geral de madeira, sobre o qual se come, escreve, trabalha, etc. 2. Conjunto formado pelo presidente e secretários duma assembléia. 3. Numa seção eleitoral, o conjunto dos indivíduos que se ocupam dos trabalhos relativos à votação. 4. Quantia fixa ou cumulativa de apostas, em certos jogos de azar.

Ao buscarmos no dicionário a significação da palavra mesa estamos fazendo um movimento metalingüístico muito característico, pois diariamente usamos a linguagem para falar da linguagem, ou explicá-la. Mas voltando ao “significado” de mesa, podemos perceber que temos quatro formas significativamente diferenciadas, a primeira traz, justamente, o que nós mais conhecemos como mesa, uma informação simples, mostrando, principalmente, a utilidade da mesa, que em geral é o sentido mais usado pelos sujeitos. A questão é a seguinte: no primeiro sentido dado pelo dicionário nós temos um objeto concreto no mundo, no qual nós poderemos constituir o signo facilmente, pois estaremos em contato com a mesa (de madeira ou não), assim, seguindo a teoria saussuriana teríamos o seguinte esquema:

-------- significado (mesa – conceito)
MESA ---------------------- SIGNO
---------- significante (mesa – imagem acústica)

O que queremos dizer com este esquema é que o primeiro significado dado refere-se a algo concretizado no mundo, o que transforma a atividade lexical em algo de fácil cognição.

Partindo agora para a análise dos outros significados propostos pelo dicionário não temos mais uma representação concreta no mundo, pois o que leva o sujeito a compreender a mesa pelo viés da “formação” de uma mesa de trabalhos e/ou de apostas é o processo metafísico, ou seja, não há uma representacionalidade no mundo antes da formação da mesa. Assim, no processo de constituição do signo mesa, teremos o conceito agindo, de forma marcante, na produção da imagem acústica, ou vice e versa, pois o primeiro significado de mesa que temos é aquele co-relacionado à mesa de madeira, com quatro pernas, que serve para apoiarmos nossos pratos sobre ela, ou escrevermos, ou trabalharmos, etc. Então, a partir do segundo sentido proposto pelo dicionário o sujeito[14] deve fazer uma grande força metafórica para compreender o que é uma mesa. Por esse motivo questionamos: quando uma mesa é uma mesa?

Resweber (1982, p.14) praticamente elucida esta charada lingüística dizendo que:

Ao mesmo tempo que se abre o domínio de uma práxis, anuncia-se a significação fundamental de um corpo que se apresenta como o instrumento primeiro que permite confeccionar os outros instrumentos. Ora, o enunciado reativa a memória do gesto inaugural pelo qual esse instrumento se transforma dando forma ao mundo.


Além dos significados encontrados no dicionário teremos outras formas significativas para mesa, por exemplo, quando alguém usa uma maleta (aquelas de executivo) sobre o colo para escrever alguma coisa, será uma mesa, ou apenas está usando algo para que sirva como mesa? E então, como fica a representação desta mesa no mundo? Como afirma Resweber, sempre iremos puxar a significação primeira, a qual nos dá toda a representação. No mesmo caminho Saussure (1979, p. 80) diz que: “o caráter psíquico de nossas imagens acústicas aparece claramente quando observamos nossa própria linguagem.” Ou seja, quando vemos alguém usando uma maleta como mesa, logo fazemos o jogo signficante + significado = signo mesa. Mas o que mais influencia para que chamemos isso de mesa? Neste caso é a imagem acústica que realiza uma acrobacia relacional, dando-nos a conclusão que também podemos chamar esse ato representativo no mundo de mesa[15].

Podemos perceber, então, que a representação das coisas do mundo abre um arcabouço de dúvidas a serem refletidas na mente dos sujeitos, o que nos leva a mais uma densa reflexão: hoje é possível encontrarmos inúmeras “formas” de mesa, desde madeira até plástico, o que nos leva a perceber que os significados constituídos pela metalinguagem dicionarística, não serve para tudo que existe no mundo, o que explicará, ou pelo menos amenizará a busca pelo sentido será todo o trabalho desenvolvido pela linguagem que cerca o mundo e, conseqüentemente, constrói o mundo. E será somente assim que podemos dizer que uma mesa é uma mesa e não uma cadeira, embora utilizemos, em alguns casos, a cadeira como mesa, a significação estará centrada no objetivo do sujeito, isto é, a significação estará centrada na ação que o sujeito irá realizar com, e nas, coisas do mundo. Assim, até uma escada poderá virar uma mesa, pois naquele momento ela deixa de ser escada para virar mesa, isso somente é possível no mundo representacional apresentado pela linguagem, como afirma Saussure (1979) é o ponto de vista que cria o objeto.

5 Considerações finais

A nossa proposta inicial em produzir este ensaio era de apresentar possíveis respostas para o quadro epistemológico da linguagem nos processos de (re)ferenciação/(re)construção do mundo. Ao chegarmos ao final do texto percebemos que não apresentamos muitas respostas, porém, conseguimos problematizar bastante as relações mantidas entre a linguagem, os sujeitos e as coisas do mundo. Percebemos, ainda, que não há respostas prováveis, mas sim indagações renováveis, pois a apresentarmos a presença de um objeto no mundo, neste caso a mesa, e sua configuração com o dia-a-dia do sujeito, podemos concluir que o que definirá, certamente, esta mesa como uma mesa é a reflexão extralingüística que está representada no cérebro de cada sujeito que tem como conhecimento básico o primeiro significado de mesa apresentado pelo dicionário. O que vem depois não passa de acrobacias metafóricas e lingüísticas realizadas pelos sujeitos.

Apesar de não apresentarmos respostas claras e concisas, esperamos, pelo menos, ter contribuído para uma reflexão mais profunda em relação ao processos de (e com a ) linguagem que realizamos diariamente, desde uma simples leitura até uma mais complexa formação discursiva presente em documentos jurídicos. Assim, chegamos a uma conclusão: não uma explicação exata para os fenômenos da linguagem, pois cada teórico, cada sujeito habitante no mundo, terá uma maneira e uma explicação diferenciada, sem falar nas várias ideologias e visões que são apresentadas. Com isso, comprovamos, mais uma vez, que a linguagem é que modela o mundo, pois é uma instância viva na mente de cada sujeito.


Referências

BAKHTIN, M. M. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Trad. Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 1997.

________. Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Martins fontes, 2003.

BARTHES, R. A aula. São Paulo: Cultrix, 1978.

CHOMSKY, N. Syntactic Structures. Mounton: The Hague, 1957.

FERREIRA, A. B. H. Miniaurélio Século XXI. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.

LAKOFF, G.; JOHNSON, M. M. Metáforas da vida cotidiana. Trad. Mara S. Zarotto e Vera Maluf. Campinas: EDUC, 2002.

NEF, F. A linguagem: uma abordagem filosófica. Trad. Lucy Magalhães. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1995.

POSSENTI, S. Discurso, estilo e subjetividade. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

RESWEBER, J. P. A filosofia da linguagem. Trad. Yvone Toledo e José Paulo Paes. São Paulo: Cultrix, 1982.

RONSENSTOCK-HUESSY, E. A origem da linguagem. Rio de Janeiro: Record, 2002.

SAUSSURE, F. de. O curso de lingüística geral. São Paulo: Cultrix, 1979.
[1] Mestrando em Estudos Lingüísticos pela UFPR. Professor de Lingüística da Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de União da Vitória. Coordenador do Grupo GenTE – FAFIUV Grupo de Pesquisa e Estudos em Gêneros Textuais e Ensino de Língua Materna e Estrangeira). Membro do grupo de pesquisa GPELLP - UFTM (Grupo de Pesquisa em Lingüística e Língua Portuguesa).
[2] Esta relação de linguagem pré-formal pertence à filosofia da linguagem, que apresenta ainda mais dois níveis de linguagem: a formal e a informal. Para um esclarecimento mais detalhado vide ROSENSTOCK-HUESSY, E. A origem da linguagem. Rio de Janeiro: Record, 2002.
[3] Apelido dado a Graciliano Ramos por seus amigos mais íntimos, entre eles José Lins do Rego.
[4] Sobre mímese vide ARISTÓTELES. A poética. Porto Alegre: Globo, 1966.
[5] RAMOS, G. Vidas secas. Rio de Janeiro: Record, 2004.
[6] Sobre estilo vide BAKHTIN, M. M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
[7] O mais interessante deste exemplo é que ele foi retirado através de uma roda de conversas informais realizada numa reunião entre amigos, o que comprova que, mesmo sendo uma crendice, esse tipo de (re)construção do mundo poderá servir modelo/exemplos de outras representações, como neste caso, no qual temos uma outra função para essa crendice: a de representar uma “tentativa” de explicação sobre as coisas do mundo.
[8] Trataremos por lendas as histórias contatas por pessoas de inúmeras gerações, sobre maiores informações vide Lendas e Contos do Populares do Paraná. Cadernos Paraná da Gente, nº 3. Governo do Paraná. Secretaria de Estado da Cultura, 2005.
[9] Adotamos, aqui, a preferência pelo termo linguagem, mas isso não quer dizer que não consideremos a língua como um ponto crucial nos processos interacionais.
[10] FLAUBERT. G. Madame Bovary. São Paulo. Círculo do Livro, 1982.
[11] O estilo vem marcado na (e pela) linguagem.
[12] FOUCAULT, M. Arqueologia do saber. Petrópolis: Vozes, 1971.
[13] Quando nos referimos à linguagem, neste texto, não estamos levando em conta a forma padrão ou não-padrão, ou seja, não nos interessa a relação gramatical, apenas os processos sociais e transformadores que envolvem a linguagem.
[14] É claro que estamos nos referindo aos sujeitos em fase de aquisição lexical, ou seja, em processo de aquisição de linguagem.
[15] Que fique claro que neste caso quem definiu o processo significativo foi a imagem acústica, porém, isso não quer dizer que sempre será a imagem acústica que definirá o signo. Na verdade haverá uma dependência do contexto.