'LUIGI PIRANDELLO: O FILHO DO CAOS': TRANSITANDO FLUIDICAMENTE ENTRE OS GÊNEROS LITERÁRIOS


Eduardo A. Maia Dias[1]
Mestre em Literatura
Instituto de Letras - UFBA

RESUMO: Este artigo busca revisitar  parte  do processo criativo do escritor italiano Luigi Pirandello,  evidenciando sua capacidade artística ao transitar por variados gêneros literários: lírico, narrativo e dramático,  entre o final do século XIX e início do século XX. Alguns ensaios do artista, a exemplo do L’umorismo e Arte e Ciência, também foram abordados no intuito de se fazer compreender melhor a dinâmica narrativa e amalgâmica que ocorre entre as suas obras.

PALAVRAS-CHAVE: Luigi Pirandello; literatura; poesia; romance; teatro; novela; ensaio; pirandellismo.

RIASSUNTO: Questo articolo si propone di rivisitare parte del processo creativo dello scrittore italiano Luigi Pirandello, cercando la sua abilità artistica di transito attraverso i vari generi letterari: lirica, narrativa e drammatica, tra la fine dell'Ottocento e l'inizio del XX secolo. Alcuni studi dell'artista, come la umorismo L'e Arte e Scienza, sono stati affrontati in modo da rendere meglio comprendere la dinamica e narrativa amalgâmica che si verifica tra le loro opere.

PALORE CHIAVE: Luigi Pirandello; letteratura; la poesia; romanticismo; teatro; novelle; saggio; pirandellismo.


O nome Luigi Pirandello (1867 – 1936) emerge com vigor inquestionável após quase oitenta anos de sua morte, sobretudo no que diz respeito à dramaturgia seja em termos da confecção do texto dramático, seja em relação à ressignificação na montagem do espaço cênico. O artista siciliano - embora tenha encontrado no teatro campo privilegiado para desencadear sua dialética relativista, não se limita apenas a esse gênero artístico: de fato, a obra pirandelliana compreende além de mais de quarenta obras teatrais, cinco livros de poesia, sete romances, duzentas e cinquenta e uma novelas e algumas investidas no cinema.
O seu trânsito entre esses variados gêneros não só confirma a sua ampla capacidade e fecundidade intelectual como também revela, no seu engenho, o diálogo e a mobilidade constante entre as suas criações, dificultando fronteiras entre elas, independentemente de estarem no romance, no conto, no teatro ou no cinema; como afirma Geovanni Macchia, estudioso da obra pirandelliana:

O que chama a atenção nessa obra é uma espécie de intercomunicação entre gêneros distantes. Poesias, traduções, novelas, romances, comedias e dramas, em língua ou dialetos, libretos de óperas líricas, adaptações, roteiros cinematográficos, ensaios: não é possível marcar divisões certas entre uma obra e outra, e nem entre obras de fantasia e obras críticas. É como um vasto terreno sobre o qual fluem contínuos canais de irrigação: as terras da fantasia são alimentadas por falas, considerações filosóficas, pensamentos polêmicos, temas insistentes e <<conceitos>> que saltam como bolas elásticas de uma obra para outra, às vezes com as mesmas palavras e nem sempre pessoais.[2] (MACCHIA, Giovanni. 2003, p. 444-445).  Tradução: Adele Audisio.


A metáfora dos canais de irrigação utilizada por Macchia serve bem para ilustrar o interminável fluxo da criatividade do escritor que vem a público no início da juventude quando se volta para o gênero lírico através das poesias. Embora, o artista agrigentino apresente em seus textos poéticos uma aproximação identitária com o Verismo [3], percebe-se, desde já, uma inquietação intimista que traz para sua escrita uma dinâmica existencialista que vai além da temática social verista com suas abordagens empíricas e limitadas a elementos situacionais de causa e efeito.

  1. GÊNERO LÍRICO: DA POESIA AO TEXTO EM PROSA

O escritor agrigentino inicia-se no exercício poético aos dezesseis anos. Percebe-se nessa fase criativa a temática social e o seu relativismo moral, alicerçados na hipocrisia humana e nas conveniências pessoais e sociais presentes no mundo contemporâneo. Tematicamente, seus textos poéticos remetem o leitor ora ao Verismo ora ao Decadentismo[4] sem se prender em nenhuma corrente literária.
Pirandello, formalmente, não busca uma inovação estética em sua poesia, optando por seguir os modelos de versificação e metrificação recorrentes no final do século XIX.  Conforme afirma a pesquisadora Karen Kremer, em artigo publicado pela Revista do Programa de pós-graduação em Estudos da Tradução da UFSC (ISSN 2176-7904); evidencia-se a seguinte situação:

Pirandello não foi inovador na estética de sua poesia; seguiu os padrões líricos clássicos de forma e metro, embora não correspondesse a nenhuma corrente literária de seu tempo. O mais importante dessa produção poética são suas ideias, seus temas, sua visão de mundo, que continuará posteriormente nos romances e no teatro.[5] (KREMER, p. 74, 2012)

O aspecto mais extraordinário dessa produção poética é a expressão artística singular e inovadora que, de certa forma, vai permear todas suas produções, independentemente do gênero ao qual elas pertençam. Sua visão de mundo, suas ideias, seus temas; tudo corroborará a presença do que se pode chamar de marca pirandelliana. A sua temática é variada indo do macro ao micro, abordando: o universo, os conflitos existenciais, os contrastes, a relação homem e mulher, vida e morte, opulência e a escassez, a sociedade com suas máscaras e os desdobramentos da personalidade. Estes últimos são elementos recursivos em sua obra para enfatizar o relativismo moral e a multifacetação do “eu”.
Sua produção poética deu-se entre os anos de 1883 e 1912. Pertencem a esse período as seguintes coletâneas: Mal giocondo (1889); Pasqua di Gea (1890); Poemetti (1890-1922); Poesie sparse (1890-1933); Elegie Renane (1895-1896); Zampogna (1901); Scamandro (1909) e Fuori di Chiave (1912).

1.2. GÊNERO NARRATIVO: DAS NOVELAS AOS ROMANCES

A produção literária de Luigi Pirandello, como mencionado anteriormente, inclui vários gêneros: o lírico, cultivado em suas poesias juvenis; o narrativo, com suas novelas e romances e o dramático, através de sua dramaturgia que o tornou popularmente e academicamente reconhecido. O fluxo de personagens de um gênero para outro é um aspecto recorrente na obra de Pirandello. De fato, nas próprias novelas já exista todo o aparato humano que, em sua complexidade, sustentará a construção dos personagens, e suas respectivas questões existenciais retratadas em seu teatro mais tarde.

O escritor agrigentino inicia profissionalmente a sua carreira literária aos dezessete anos, publicando em 1884, a novela “Capannetta – Bozzetto Siciliano”, no jornal “La Gazzetta del Popolo della Domenica”, recebendo considerável influência do autor verista Giovanni Verga. No ano de 1894, uma década depois, são publicadas sete novelas, sendo que o livro Amori senza Amore compreende três delas. No decorrer da sua carreira de escritor surgiram algumas consideráveis mudanças, principalmente na sua forma de narrar. Pirandello, como já afirmamos, escreve inicialmente influenciado pelo Verismo italiano. Este movimento vai se refletir em obras de um grande número de artistas que, em nome da verossimilhança, irão escrever sob a égide das correntes pragmáticas de pensamento, a exemplo do determinismo, positivismo e do evolucionismo.
Os primeiros textos pirandellianos apresentam a degradação humana física e moral, resultante de um meio hostil que impossibilita qualquer tipo de mudança. É valido ressaltar que, Pirandello, mesmo influenciado pelos mestres do Naturalismo, como Zola, e do Verismo, como Verga e Capuana, estes últimos amigos pessoais do escritor, distancia-se do discurso narrativo desses autores, ao constituir personagens que fogem da resignação, constitutiva da teoria determinista. Seus personagens tentam reagir no intuito de transformar a sua realidade, mesmo fadados ao fracasso, diante do olhar impassível, porém reflexivo, do narrador. Este lança sua visão para o que está por trás das ações e subjuga as investidas do meio à força das idiossincrasias humanas representadas por personagens que, embora estejam na condição de derrotados, abarcam certa dignidade.

Estamos aqui para viver e para morrer! Se uma lei humana, iníqua, nega ao pobre, em vida,  o direito a um palmo de terra sobre a qual, colocando o pé possa dizer: ‘Isto é meu!’, não pode negar-lhe, na morte, o direito à cova! Cristãos, esta gente está  aqui em nome de outros quatrocentos infelizes, para reclamar o direito à sepultura. Querem suas covas. Para si e para seus mortos! [6](PIRADELLO, 2001, p. 50-51).

Pirandello, paulatinamente, afasta-se dos princípios veristas e volta-se para a busca da essência humana, respaldado na mutabilidade das coisas, na relatividade moral e na reflexão sobre as aparências, ou seja, na percepção e no sentimento do contrário. O autor organiza, sistematicamente, essas ideias no ensaio “L’umorismo”[7], publicado em 1908 e revisitado e republicado em 1920. Esse texto, junto ao ensaio “Arte e Ciência”, de 1901, resumem uma possível estética pirandelliana e contribuem para uma melhor compreensão da dinâmica narrativa do autor. Entretanto as inquietações de Pirandello sobre essa peculiar expressão artística, a partir de uma reflexão filosófica, já haviam aparecido anteriormente em 1896 em artigo intitulado “Un preteso poeta umorista del XIII secolo”. Nele, Pirandello considera a dificuldade de definir a poética do Humorismo, embora destaque a sua existência: “dare una definizione dell’umorismo, la quale sia a un tempo comprensiva e comprensibile, è in sommo grado difficile”[8]. Entretanto é no ensaio revisitado de 1920 que os contornos do Humorismo ficam claros: Pirandello distingue o “cômico” do humorismo. O primeiro, definido como “percepção do contrário”, nasce do contraste entre a aparência e a realidade e provoca imediatamente o riso. O humorismo, ao invés, nasce de uma ponderada reflexão que vai além de uma superficial consideração da situação. O “sentimento do contrário”, próprio do humorismo, provoca um sorriso de compreensão e de compaixão, pois não se limita às aparências, mas reflete sobre a fragilidade humana, sobre as fraquezas que habitam cada um de nós. Embora se oponham - percepção e sentimento do contrário – eles possuem uma funcionalidade essencial para compreensão dessa teoria. O escritor agrigentino reforça no ensaio “L’umorismo” (1920) que todo riso nasce a partir da percepção do contrário, por exemplo: uma pessoa procura um abrigo para proteger-se da chuva e não se molhar, de repente tropeça e cai numa poça de água, molhando-se e sujando-se da cabeça aos pés. Essa situação ilustra bem a percepção do contrário e a comicidade, já que a queda é uma condição contrária ao seu real objetivo de permanecer com a roupa, ou parte dela, seca. Há ainda o exemplo, citado pelo próprio Pirandello nesse mesmo ensaio, que se utiliza de uma personagem idosa a qual se veste ridicularmente como uma adolescente:

Vejo uma velha senhora, com o cabelo pintado, todo lambuzado sabe-se lá de qual horrível pasta, e toda desalinhadamente empetecada e vestida com roupas juvenis. Começo a rir. Sinto que aquela velha senhora é o contrário do que uma velha senhora de respeito deveria ser. Posso assim, à primeira vista e superficialmente, deter-me nesta impressão cômica. O cômico é exatamente uma percepção do contrário. Mas se agora intervém em mim a reflexão, e me insinua que aquela velha senhora talvez não tenha nenhum prazer em se enfeitar assim, como um papagaio, mas que talvez sofra com isso e o faça apenas porque se engana piedosamente que enfeitada assim, escondendo dessa forma as rugas e os cabelos brancos, consiga manter o amor do marido muito mais jovem do que ela, então não posso mais rir dela como antes, porque justamente a reflexão, trabalhando em mim, me fez ir além daquela primeira percepção, ou melhor, mais fundo: daquela primeira percepção do contrário, me fez passar a este sentimento do contrário. E está toda aqui a diferença entre o cômico e o humorístico. [9] (PIRANDELLO, 1994, p.116) Trad. Adele Audisio

Certamente, essa primeira imagem provocaria o riso pela percepção do contrário, já que seu corpo não possui mais a firmeza, a beleza e a exuberância para estar à mostra, nem tais tipos de roupas, acessórios e maquiagem são apropriados à sua idade. No entanto ela insiste em transparecer jovialidade, mesmo aparentando uma terrível caricatura do que deixou de ser há algum tempo. Observando essa idosa desarticulada, o riso viria instantaneamente, porém, se houver uma reflexão quanto à sua condição por se vestir dessa forma, conjecturar-se-ia que aquela maneira de adornar-se talvez seja uma tentativa de iludir-se quanto à sua própria imagem senil para conseguir a atenção do marido mais jovem. A reflexão inibe o riso imediato provocado por uma superficial impressão cômica, aproximando-se do humorismo, que consegue alcançar uma consciência maior da situação, revelando elementos dramáticos escondidos atrás da aparente comédia.
Em 1904, o escritor siciliano publica o romance “O Falecido Mattia Pascal” (Il Fu Mattia Pascal), considerado o marco da legitimação de sua narrativa com o rompimento definitivo com a estética verista e aproximação com o decadentismo italiano. Neste romance, o protagonista Mattia, após ser equivocadamente considerado morto, aproveita a oportunidade para se dissolver e se reconstruir como Adriano Meis, já que se considerava infeliz em sua vida conjugal e socioeconômica. Como Adriano Meis, percebe que não há solução para ele devido aos conflitos, pois estes o perseguem não importando quem seja. A anulação do eu e a sua reconstituição ou não são temáticas que denotam a constante crise existencialista que cerca a obra do autor. Entretanto é na obra “Um, Nenhum, Cem mil” (Uno, Nessuno, Centonila), romance concluído em quase dez anos, que a contravenção do “eu” manifesta-se de forma mais contundente. É no enredo desse romance que o desdobramento, a multifacetação e, por fim, a desintegração do eu ganham um viés menos trágico, porém mais incisivo, pois um ato banal como a percepção de uma deformidade nasalar vai desencadear um conflito interno profundo. O conflito existencial surge, a partir do olhar do outro sobre o personagem. O conflito do protagonista Vitangelo Moscarda é despertado ao descobrir, por meio do olhar de sua mulher, o defeito do próprio nariz. Essa revelação desencadeará a transgressão da identidade que julgava possuir, perturbando-o veementemente, a ponto de imaginar-se, não mais um único Vitangelo, mas mil, pois haveria uma diversidade de identidades, a partir das múltiplas perspectivas do outro sobre ele. Essa plural ressignificação do eu provoca no personagem a sua total fragmentação e a consequente perda de um direcionamento comportamental. Vitangelo anula-se e acaba por reduzir-se a “nenhum”. Excluído do sistema acaba sendo internado por insanidade mental.
A temática pirandelliana volta-se para o comportamento constantemente paradoxal da sociedade que julga a todo instante o indivíduo, direcionando-o conforme necessidades próprias e circunstanciais, que podem ocasionar a adaptação ou a anulação do eu. Essa nova forma do “eu”, adaptado às normas sociais, manifestar-se-á aparentemente resignado, porém o conflito interno que o cerca revela seu estado emocional caótico, que, para Pirandello, remete à presença pulsante da vida, como afirma o escritor na novela “La trappola” (1912)

No princípio era o caos, entretanto o espírito de Deus não fluía sobre ele para ordená-lo. O Caos era um enorme fluxo incandescente, em que tudo fervia sem corpo, indistinto e atemporal. Algumas partes do fluxo corrente pararam, solidificaram-se, tomando forma. Esta forma foi a armadilha que envolveu gradativamente a matéria ardente, congelando-a, solidificando-a. O fluxo era a vida primitiva do homem e das coisas, a forma foi a morte: o nascimento do homem, da terra, dos astros, portanto, foi a morte da grande vida universal. O que chamamos de vida é, portanto, a morte do fluxo original aprisionada pela forma e pelo tempo.[10] (PIRANDELLO, 2007, p.775) Trad. Adele Audisio.

Seguramente, o individuo instintivamente acaba por movimentar-se nessa lei de fluxo contínuo e por esta razão a personalidade, como algo preso a uma suposta identidade, perde-se nas incontáveis possibilidades das personas existentes no vasto repertório do ser. Todavia há uma necessidade de adequação à forma, mesmo que esta represente a “morte” do indivíduo como afirma em sua dissertação de Mestrado, o pesquisador Francisco José Saraiva Degani:

Mesmo estando convencido de que se fixar em determinada “forma” significa morrer, já que toda “forma” é a cessação da vida, o homem tende fatalmente a vestir uma “forma”, uma personalidade que o caracterize. No momento exato em que ele a assume, sente que ela é a morte, que não lhe serve mais e deseja experimentar novas “formas” perpetuamente insatisfeito, infeliz e inseguro.[11] (DEGANI, 2008, p. 26)

A forma disponível para a caracterização do indivíduo no nicho social vai gerar um ser desajustado, como o  “homem atrás dos óculos e do  bigode”   no    poema de Sete Faces
( Alguma poesia, 1930) de Carlos Drummond de Andrade  que embora transmita, por sua aparência, serenidade, força e racionalidade, possui internamente um turbilhão de pensamento muito “maior que o mundo”[12]  num  processo de fluxo de consciência na busca do sentido da própria existência.
Os romances, muito importantes pela temática filosófica, como já fora mencionado, não foram tão constantes, no que diz respeito à frequência de publicação, em relação às novelas. Estas sempre permearam a obra pirandelliana e foram por alguns momentos de suma importância para sua sobrevivência, justamente por ser um gênero de literatura facilmente comercializável nos folhetins.
Independentemente de pertencerem a romance, a novela ou ao teatro, os personagens pirandellianos possuem traços comuns que os sustentam diante da narrativa: passam por certas circunstâncias e ciladas preparadas pela própria vida e diante disso se agitam e procuram uma maneira de escapar, refugiando-se, por vezes, em recordações emocionalmente edificantes, para não sucumbir à sua derrota psíquica.
O escritor Luigi Pirandello, segundo o pesquisador  Giovanni Macchia (1969), escreveu num total de sete romances: L’esclusa (1894), Il turno (1895), Il fu Mattia Pascal (1904), Suo Marito (1911), I vecchi e i Giovanni (1913), Si Gira (1916) que depois, em 1925, recebe o título Quaderni di Serafino Gubbio operatore, e Uno, nessuno e centomila (1927).
Pirandello resolve sistematizar suas 210 novelas, publicadas desde 1894, por volta de 1922, em um projeto intitulado “Novelas por um ano” (Novelle per un anno). Este projeto visava reunir 365 novelas – uma para cada dia do ano – em aproximadamente 24 volumes, agrupadas sem um critério específico; porém, antes de concluir o seu intento, o escritor veio a falecer. Foram inúmeras as novelas publicadas em vida e postumamente. Nessa coletânea, percebe-se que a marcação dos ambientes na narrativa é intencional: Roma, a marina de Porto Empedocle, Agrigento são mais do que simples pontos de referência, tornando-se uma espécie de extensão dos personagens. Agrigento, por exemplo, terra natal pela qual o escritor guarda enorme afetividade, surge como um local onde as convenções sociais presas à tradição, às crendices e às superstições são reconstruídas, a partir das vivências do próprio autor. O clima seco da região e o atraso social são fatores que efetivamente contribuirão para definir os traços comportamentais dos personagens, ratificando a importância do ambiente na narrativa pirandelliana.
Luigi Pirandello agrega, em suas composições ficcionais, discussões de cunho filosófico universal, embora descreva os fatos a partir de interpretações particulares que evidenciam sua sensibilidade. Essa busca do compreender o sentir filosoficamente conduzirá alguns críticos literários, a exemplo de Adriano Tilgher[13] (1887-1941), a falar de “pirandellismo”; como um diferencial autoral e metodológico na construção narrativa, por seu valor artístico e filosófico. O próprio Pirandello rejeitou essa definição, pois os “ismos”, na sua concepção, são espécies de rótulos que funcionam como uma estrada de duas vias: se por um lado criam uma identidade autoral, por outro sugerem uma cristalização no processo criativo do autor, no momento em que utilizam definições para ordenar sua arte a partir de fórmulas pré-concebidas e presas a uma suposta marca. Sobre o suposto “pirandellismo” o escritor ponderou:
Se me permitem, quero dizer que nenhum dos meus trabalhos artísticos foi concebido dentro de teorias filosóficas e apriorismos, portanto, não pode se afirmar que esses sejam acometidos pelo mal do pirandellismo. Minhas obras são modestamente concebidas e compostas por um escritor cujo nome é Pirandello apenas e que quando escreveu nem remotamente imaginaria sequer a desventura que o aguardava e não poderia prever que essas obras seriam catalogadas e rotuladas como algo único, sob uma fórmula imutável, de rigidez definitiva.[14] (PIRANDELLO, 1931, p. 009)

Essa situação, portanto,  vai de encontro à sua concepção do caos na arte, citado anteriormente, pois a cristalização impede o fluxo que só existe na aparente desordem e que, segundo o autor, é “vida”.



1.3       GÊNERO DRAMÁTICO: DA PROSA AO TEATRO

Habituamos a falar e a ouvir falar do relativismo pirandelliano, tomamos a expressão por verdade global e identificamos toda obra de Luigi Pirandello com a mais brilhante de suas fórmulas: Cosi è ( se vi pare), assim é (se vos parece).  O próprio Pirandello cedeu à tentação de enredar-se nesse esquema: passando do gênero narrativo ao dramático, radicalizou os motivos céticos e irônicos que vinha cultivando desde os primeiros contos... [...][15](BOSI, 1988, p.183)

No que diz respeito à produção literária do escritor siciliano, a crítica enaltece a sua dramaturgia, reservando-lhe grande espaço. Seus romances e, principalmente, suas novelas, são citados apenas quando há alguma relação com suas obras teatrais. Entretanto essa concepção crítica limitada não reduz a importância das suas obras narrativas, visto que são estas que, preliminarmente, abrigam a concepção de vida e arte de Pirandello e sua estreita ligação com a realidade sociocultural de sua época. Por esta razão, algumas de suas narrativas são consideradas “repositório de personagens” para dramaturgia, o que parece ratificar a suposta supremacia da obra teatral em relação à narrativa. A expressão reduz a importância da narrativa e principalmente dos seus personagens, colocando o teatro como evento inaugural maior. A professora e pesquisadora Martha Ribeiro discorda parcialmente dessa condição:

Igualmente não nos parece ser possível tentar explicar sua última produção dramatúrgica a partir da recuperação de sua última produção narrativa. A ideia de que o celeiro da criatividade teatral pirandelliana eram suas novelas se compromete a partir do momento em que se verifica que grande parte de sua última produção, especialmente àquelas onde a matriz autobiográfica parece evidente, não possui nenhum fundo narrativo. Cita-se: Diana e la Tuda; Lazzaro; Sogno (ma forse no); Come tu mi vuoi; Trovarsi; Sgombero; Quando si è qualcuno; I giganti della montagna. (...) Foi também a partir desta data (1925) que o escritor conheceu a atriz Marta Abba, sem dúvida nenhuma a grande responsável por uma mudança de inspiração que começou a se manifestar exatamente com Diana e la Tuda.[16] (RIBEIRO, ANO 2008, p. 116-117).

A narrativa pirandelliana e seus personagens não podem ser concebidos como algo preestabelecido – celeiro ou repositório -  pois esse entendimento interrompe a ideia de fluidez tão arraigada à sua concepção de criação. Os personagens de Pirandello, segundo o especialista Giovanni Macchia, transitam através dos vários gêneros que compõem sua obra artística, às vezes com acréscimos e outras vezes com decréscimos, no que diz respeito aos seus traços característicos. É um processo sem trégua e por isso de incomensurável importância na medida em que converte o estático em fluidez, revitalizando seus personagens, sua narrativa, seu estilo e suas reflexões.
Ele compõe e descompõe: coloca uma tachinha em um ponto, e a utiliza tal e qual em um outro. Constrói, parece satisfeito, mas depois com os mesmos materiais, rascunhados diferentemente e diferentemente colocados, começa outra composição. É um grande canteiro de obras onde nunca tem descanso. Os trabalhos, que parecem terminados, procedem sempre à procura de uma obra prima, que em sua mobilidade e no conceito de fluidez absoluta da criação artística, desmente a si mesma. Os personagens, às vezes os mesmos, outras vezes levemente alterados, com algumas pequenas modificações fisionômicas, vão e vem: saem de uma novela e entram em um romance, saem de um romance e acabam em um ensaio, e ainda insatisfeitos, das silenciosas páginas de um romance enfrentam, nas alternas tramas das suas vidas de condenados, as tábuas crepitantes de um palco.[17] (MACCHIA, ANO 2007, p. 445). Trad. Adele Audisio

Pirandello firma-se como dramaturgo em 1921 com a sua peça “Seis Personagens à Procura de um Autor” (Sei personaggi in cerca d’autore). A burguesia da época, habituada às comédias de costume, fica estupefata pela ousadia inerente ao rompimento total de regras no espaço cênico. O dramaturgo quebra a quarta parede, teorizada por Diderot, através da presença de personagens que adentram a sala, provocando a subsequente imersão do público em seus conflitos existenciais.
O drama burguês, que se fixa nas montagens teatrais ao longo do século XIX, possui uma linearidade cronológica dos fatos, bem como a verossimilhança e a coerência psicológica dos personagens. Pirandello, no entanto, transgride esses valores passadistas e renova o teatro do século XX, inserindo novos preceitos. Em suas peças, os desajustes psicológicos dos personagens são de suma importância, uma vez que, para o autor, o homem jamais terá personalidade única e definida. Para Pirandello, já que tudo é mutável, ilusório e, ou, incerto, torna-se necessário o uso das máscaras, pois estas garantem a sobrevivência do indivíduo tanto para a aceitação social, quanto para a aceitação de si próprio, ou para simplesmente evidenciar a instabilidade do ser presente em sua natureza, a partir do eu multifacetado.
Seis Personagens à Procura de um Autor, [18] é, seguramente, a obra mais fascinante do dramaturgo e, segundo o pesquisador Sabato Magaldi, “um dos documentos fundamentais sobre a experiência criadora na história literária” (MAGALDI, 2009, p. 15). Pirandello utiliza o recurso metalinguístico como artifício, ou seja, o teatro no teatro para examinar a relação existente entre personagem e intérprete, dramaturgo e ator. O personagem teria, conforme sua perspectiva, uma essência, uma verdade inatingível pelo intérprete, por mais capaz e experiente que este seja, como afirma o personagem “O Pai”:

Eh! Quero dizer...a representação que fará, mesmo pondo em prática todos os recursos de caracterização para ficar parecido comigo...acho que, com essa altura...(todos os Atores riem) dificilmente poderá ser uma representação de mim, como realmente sou. Será antes – pondo de parte o aspecto – será, mais exatamente, como lhe parece que sou, como o senhor me sente – se é que me sente – e não como eu me sinto, dentro de mim. E acho que isto deve ser levado em conta por quem for chamado a julgar-nos.[19] (PIRANDELLO, 1976, P.87).


Percebe-se, então, que o personagem aponta para uma realidade intrínseca à sua própria formação como personagem, algo genuíno que falta aos seres humanos que atuam no nível da representação em busca do verossímil. Porém, a representação, ao mesmo tempo em que subtrai a “autenticidade”, torna possível a existência perene dos personagens. A representação cênica permite a fluidez não só do que é exibido “aqui e agora”, mas da maneira como o personagem é interpretado por atores diferentes em épocas distintas. Pirandello trata na peça vários aspectos do teatro como: reutilização de cenários da companhia, sátira ao estrelismo do elenco, principalmente da primeira atriz, questionamento do autor quanto elemento hegemônico, mundo real versus mundo das aparências e da relação amalgâmica entre eles.
A arte pirandelliana, portanto, denota a fluidez decorrente de sua filosofia de que só há vida enquanto há movimento, sendo a estagnação a morte, o fim. A “caótica” escrita do artista agrigentino permite-lhe reutilizar seus personagens em várias circunstâncias e de modo diferente, dando-lhe uma fluidez, que se contrapõe à ideia de repositório, cujo próprio nome remete a estagnação. “A obra do ponto de vista literário, parece um acréscimo à anterior, não uma criação inédita, equivalente a ela no plano da arte.” (MAGALDI, 2009, p. 23). Mais do que acréscimo, a obra pirandelliana reforça o pensamento de Jacques Derrida quando este explica a ideia de suplemento evidenciada na sua obra “Torre de Babel”[20] e por esta razão satisfaz a predisposição da arte narrativa  quanto a sua continuidade, à sua fluidez e principalmente quanto à eternidade.


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PIRANDELLO, Luigi. Kaos e Outros Contos Sicilianos. Editora Nova Alexandria, 2ª Edição, São Paulo, 2001.

RIBEIRO. MARTHA. ARTIGO: Pirandello, autobiografia e teatro: um diálogo possível – Revista Poiesis nº 02 – pág 115 a 128, nov/2008

RODRIGUES, Cristina Carneiro. Tradução e Diferença. São Paulo: Editora Unesp, 2000, 237 pp.104








[1] Graduado em Letras Vernáculas pela Universidade Católica do Salvador e Mestre em Literatura e Cultura pela Universidade Federal da Bahia na Linha de Pesquisa da Tradução Intersemiótica. Sua pesquisa trata das estratégias imagéticas e sonoras na adaptação da novela “O Outro Filho” do escritor Luigi Piradello para o episódio fílmico homônimo dos Irmãos Taviani.
[2] Quel che colpisce in questa opera è una sorta d’ intercomunicabilità a longo raggio tra un  generi e l’altro. Poesie, traduzioni, novelle, romanzi, commedie e drammi, in una lingua e in dialetto, libretti d’opera, riduzioni, sceneggiature, cinematografiche, saggi: non è possibile segnare divisioni nette tra un’opera e l’altra e neanche tra opere di fantasia e opere critiche. E 'come un vasto terreno su cui scorrono continui canali d’ irrigazione:  le terre della fantasia vengono  alimentate da battute considerazioni filosofiche, pensieri polemici,  temi insistenti e concetti >> << che rimbalzano come palle elastiche da un opera all’altra, a volte con le stesse parole e non sempre personali.
[3] O “Verismo” é um movimento literário que surge na Itália em volta de 1870. Sua finalidade era representar a realidade de forma objetiva, isto é sem inserir os comentários e as concepções pessoais do autor. Os “veristas” queriam que seus livros fossem instrumentos de conhecimento e de difusão do que é “verdadeiro”. Suas obras denunciavam as condições   sociais das classes menos favorecidas (camponeses, mineiros, pescadores), e pretendiam difundir os ideais de justiça e liberdade.
[4] Sob o nome genérico de "decadentismo" recolhem-se as tendências artístico-literárias europeias que surgem no espaço de tempo que vai dos últimos vinte anos do século XIX às primeiras décadas do século XX. Essas novas atitudes artísticas, partindo de diferentes premissas, possuem, como denominador comum, o radical afastamento das objetivas "certezas" da época anterior. Os componentes que as caracterizam são: a falta de confiança na razão, a fuga da realidade quotidiana, o aflorar de um sentimento profundo de solidão e de angústia.
[5] KREMER, Karen. Análise descritiva das traduções brasileiras Devestire Gli Ignudi de Luigi Pirandello. UFSC, Florianopolis, 2012.
[6] PIRANDELLO, Luigi. Kaos e Outros Contos Sicilianos. Editora Nova Alexandria, 2ª Edição, São Paulo, 2001.
[7] PIRANDELLO, Luigi. L’umorismo. Roma: Tascabili Economici Newton, 1993.
[8] “dar uma definição de humorismo que seja simultaneamente ampla e compreensível é excessivamente difícil”. PIRANDELLO, Luigi. Un preteso poeta umorista del secolo XIII. In: Saggi, Poesie e Scritti varii. M. Lo Vecchio Musti (org.), Milano: Mondadori, 1960, p.248.
[9] Vedo una vecchia signora, coi capelli ritinti, tutti unti non si sa di quale orribile manteca, e poi tutta goffamente imbellettata e parata d’abiti giovanili. Mi metto a ridere. Avverto che quella vecchia signora è il contrario di ciò che una vecchia rispettabile signora dovrebbe essere. Posso così, a prima giunta e superficialmente, arrestarmi a questa impressione comica. Il comico è appunto un avvertimento del contrario. Ma se ora interviene in me la riflessione, e mi suggerisce che quella vecchia signora non prova forse nessun piacere a pararsi così come un pappagallo, ma che forse ne soffre e lo fa soltanto perché pietosamente s’inganna che parata così, nascondendo così le rughe e la canizie, riesca a trattenere a sé l’amore del marito molto più giovane di lei, ecco che io non posso più riderne come prima, perché appunto la riflessione, lavorando in me, mi ha fatto andar oltre a quel primo avvertimento, o piuttosto, più addentro: da quel primo avvertimento del contrario mi ha fatto passare a questo sentimento del contrario. Ed è tutta qui la differenza tra il comico e l’umoristico (PIRANDELLO, Luigi.  L'umorismo e Altri Saggi ed. Giunti, Milano, 1994 ).
[10] In principio era il Caos, ma lo spirito di Dio non scorreva su di esso a ordinarlo. Il Caos era un immenso Flusso incandescente, in cui tutto ribolliva, informe e indistinto e senza tempo. Qualche parte di quello scorrente flusso si arrestò, si solidificò, assunse una forma: la quale era la trappola che a poco a poco avvolse di sé la matéria ardente, la raggelò, la solidificò. Il flusso era la vita primeva dell’uomo e delle cose, la forma fu la morte: la nascita dell’uomo, della terra, degli astri fu dunque la morte dela gran vita universale. Quella che noi chiamiamo vita è dunque la morte dell’originario flusso imprigionato dalla forma e dal tempo (PIRANDELLO Luigi. La Trappola. In Novelle per um anno, Milano; Mondadori, 2007).
[11] DEGANI, Francisco José Saraiva. Pirandello “novellaro”: da forma à dissolução. São Paulo, 2008.
[12]  Remissão ao poema Sentimento do Mundo de Carlos Drummond de Andrade presente no livro homônimo (1940) .
[13] Adriano Tilgher  (1887-1941) foi um filósofo, ensaísta e crítico literário italiano. Nascido em  Nápoles, voltou o seu estudo para a história do cristianismo. Influenciado pelo vitalismo contemporâneo e relativismo, Tilgher propôs uma estética em desacordo com as teorias de Croce e do positivismo, considerando as obras literárias como uma síntese das tensões cotidianas. O filósofo napolitano foi o primeiro crítico a enfatizar a posição entre vida e forma e por compreender a vida com fluxo que segue foi perseguido durante o período fascista por sua oposição ao regime.
[14] Mi si permetta di dire che nessuna delle mie opere che sono tutte nate al di fuori della tesi e degli apriorismi filosofici, è malata di pirandellismo. Sono state modestamente concepite e composte da uno scrittore che si chiama Pirandello e che nel momento in cui scriveva non immaginava nemmeno lontanamente la disavventura che lo attendeva, e non poteva prevedere che queste opere fossero predestinate a essere catalogate sotto una etichetta unica, sotto una formula immutabile, di un carattere rigido e definitivo7.  (O artigo, intitulado “Abasso il pirandellismo”, foi publicado em Il Dramma, no dia 15 de abril de 1931.)
[15] BOSI, Alfredo. Publicado em: Céu, Inferno – Ensaios de crítica literária e ideologia. SP. Ed. Ática. 1988.
[16] RIBEIRO, Marta. Pirandello, autobiografia e teatro: um diálogo possível. Revista Poiesis nº 02. São Paulo, 2008.
[17] Egli Compone e scompone: mette um tasselo in um punto, e lo utilizza  tale e quale in un altro. Costruisce sembra soddisfatto, ma poi con gli stessi material, sbozzati diversamente e diversamente collocati, ricomincia un'altra costruzione. È un grande cantiere ove non si ha mai riposo. I lavori, che sembrano finiti, procedono sempre in cerca di un capolavoro, che nella sua mobilità e nel concetto della fluidità senza scampo della creazione artística, smentisca se stesso. I personaggi, a volte gli stessi, altre volte lievemente alterati, con qualche piccolo rilievo fisionômico, vanno e vengono: escono da uma novela ed entrano in romanzo, escono da un romanzo e vanno a  finire in un saggio, e ancora scontenti, dalle silenziose pagine di un romanzo affrontano, nell’alterne vicende dela loro vita di condannati, le scricchiolanti tavole di um palcoscenico. (MACCHIA, Giovanni. “Introduzione a Pirandello narratore”. in: PIRANDELLO, L. Tutti i romanzi. Milano: Mondadori, 2003).
[18] No palco de um teatro uma companhia de atores está ensaiando a comédia de Pirandello “Il giuoco delle parti”, quando se adentram seis indivíduos: um Pai, uma Mãe, o Filho, a Enteada, o Jovem e a Menina, personagens recusados pelo escritor que os concebeu. Eles pedem para o diretor de colocar em cena seu drama. Após muitas discussões a companhia aceita, assim os personagens começam a contar sua história para que seja representada. O Pai separou-se da Mãe após ter tido um filho. A Mãe, solicitada pelo Pai, constitui outra família com o secretário que trabalha na casa deles e tem com ele três filhos: a Enteada, a Menina e o Jovem. Após a morte do secretário a família cai na miséria e a Enteada é forçada a se prostituir no Atelier de Madame Pace, onde a Mãe trabalha como costureira. O Pai frequenta esse lugar e por pouco não tem relações sexuais com a Enteada, pois os dois não se reconhecem. Quem evita que essa relação aconteça é a Mãe. Atormentado pela vergonha e pelos remorsos, o Pai aceita de volta em casa a Mãe e os três filhos dela. Isso provoca a raiva do Filho e a convivência se torna insuportável. Entre os atores e os Personagens cria-se um contraste insuperável. Os atores apesar dos esforços não conseguem representar o drama real dos Personagens, seus sentimentos fundamentais, a verdadeira essência de cada um deles: a dor da Mãe, o remorso do Pai, a vingança da Enteada, a indignação do Filho. No palco tudo aparece falso. Essa incomunicabilidade, que impede que a vida real seja representada, tem seu ápice na cena final na qual a história termina em tragédia, sem a possibilidade de entender se é real ou não: a Menina se afoga no chafariz do jardim e o Jovem dá um tiro em si mesmo.
[19] PIRANDELLO. Luigi. Seis Personagens A Procura de um Autor. Coleção Teatro Vivo , editora Abril Cultural – editor Victor Civita. São Paulo 1976.
[20] JACQUES DERRIDA ( Argélia:1930 – França: 2004). Foi um dos pensadores franceses mais conhecidos internacionalmente, em particular nos Estados Unidos. Ali, a partir de 1956, lecionou nas universidades de Harvard, Yale e John Hopkins. Na França, ensinou na Sorbonne e na Escola Normal Superior. Fortemente influenciado por Sigmund Freud e Martin Heidegger; Derrida foi um dos mais importantes filósofos do pós-estruturalismo e pós-modernismo. Sobre a tradução e a adaptação observou: “O original se dá modificando-se, esse dom não é o de um objeto dado, ele vive e sobrevive em mutação”. Desse modo, o novo texto vem suplementar o original, acrescentando uma camada que vem para ocupar uma lacuna momentânea de significação, que alterado, potencializará outra modificação no devir. A contribuição do suplemento de Derrida para os estudos da adaptação vem a expandir a metáfora orgânica benjaminiana de que toda tradução se insere numa linhagem textual cujo paradigma é a semente, já citada anteriormente. O original é a semente que servirá de base e possibilitará sua sobrevivência e sua transmissão, embora, para Derrida, o caroço seja o intocável, o que resiste a tradução, mas que se oferece “a uma nova operação tradutora sem se deixar esgotar”. ( DIAS. Eduardo. Resenha: livro Torre de Babel, disciplina Teoria da Tradução I. p. 11 a 72,  2011).