Eduardo
A. Maia Dias[1]
Mestre
em Literatura
Instituto
de Letras - UFBA
RESUMO: Este artigo busca revisitar
parte do processo criativo do
escritor italiano Luigi Pirandello, evidenciando sua capacidade artística ao
transitar por variados gêneros literários: lírico, narrativo e dramático, entre o final do século XIX e início do século
XX. Alguns ensaios do artista, a exemplo do L’umorismo e Arte e Ciência, também
foram abordados no intuito de se fazer compreender melhor a dinâmica narrativa
e amalgâmica que ocorre entre as suas obras.
PALAVRAS-CHAVE: Luigi Pirandello;
literatura; poesia; romance; teatro; novela; ensaio; pirandellismo.
RIASSUNTO: Questo articolo si
propone di rivisitare parte del processo creativo dello scrittore italiano
Luigi Pirandello, cercando la sua abilità artistica di transito attraverso i
vari generi letterari: lirica, narrativa e drammatica, tra la fine
dell'Ottocento e l'inizio del XX secolo. Alcuni studi dell'artista, come la
umorismo L'e Arte e Scienza, sono stati affrontati in modo da rendere meglio
comprendere la dinamica e narrativa amalgâmica che si verifica tra le loro
opere.
PALORE
CHIAVE: Luigi Pirandello; letteratura; la poesia; romanticismo; teatro;
novelle; saggio; pirandellismo.
O nome Luigi Pirandello (1867 –
1936) emerge com vigor inquestionável após quase oitenta anos de sua morte,
sobretudo no que diz respeito à dramaturgia seja em termos da confecção do
texto dramático, seja em relação à ressignificação na montagem do espaço
cênico. O artista siciliano - embora tenha encontrado no teatro campo
privilegiado para desencadear sua dialética relativista, não se limita apenas a
esse gênero artístico: de fato, a obra pirandelliana compreende além de mais de
quarenta obras teatrais, cinco livros de poesia, sete romances, duzentas e
cinquenta e uma novelas e algumas investidas no cinema.
O seu trânsito entre esses variados
gêneros não só confirma a sua ampla capacidade e fecundidade intelectual como
também revela, no seu engenho, o diálogo e a mobilidade constante entre as suas
criações, dificultando fronteiras entre elas, independentemente de estarem no
romance, no conto, no teatro ou no cinema; como afirma Geovanni Macchia, estudioso
da obra pirandelliana:
O que
chama a atenção nessa obra é uma espécie de intercomunicação entre gêneros
distantes. Poesias, traduções, novelas, romances, comedias e dramas, em língua
ou dialetos, libretos de óperas líricas, adaptações, roteiros cinematográficos,
ensaios: não é possível marcar divisões certas entre uma obra e outra, e nem
entre obras de fantasia e obras críticas. É como um vasto terreno sobre o qual
fluem contínuos canais de irrigação: as terras da fantasia são alimentadas por
falas, considerações filosóficas, pensamentos polêmicos, temas insistentes e
<<conceitos>> que saltam como bolas elásticas de uma obra para
outra, às vezes com as mesmas palavras e nem sempre pessoais.[2]
(MACCHIA, Giovanni. 2003, p. 444-445).
Tradução: Adele Audisio.
A metáfora dos canais de irrigação utilizada por Macchia serve bem para ilustrar o
interminável fluxo da criatividade do escritor que vem a público no início da
juventude quando se volta para o gênero lírico através das poesias. Embora, o
artista agrigentino apresente em seus textos poéticos uma aproximação
identitária com o Verismo [3],
percebe-se, desde já, uma inquietação intimista que traz para sua escrita uma
dinâmica existencialista que vai além da temática social verista com suas
abordagens empíricas e limitadas a elementos situacionais de causa e efeito.
- GÊNERO LÍRICO: DA
POESIA AO TEXTO EM PROSA
O escritor agrigentino inicia-se no exercício
poético aos dezesseis anos. Percebe-se nessa fase criativa a temática social e
o seu relativismo moral, alicerçados na hipocrisia humana e nas conveniências
pessoais e sociais presentes no mundo contemporâneo. Tematicamente, seus
textos poéticos remetem o leitor ora ao Verismo ora ao Decadentismo[4] sem se
prender em nenhuma corrente literária.
Pirandello, formalmente, não busca uma inovação
estética em sua poesia, optando por seguir os modelos de versificação e
metrificação recorrentes no final do século XIX. Conforme afirma a pesquisadora Karen Kremer,
em artigo publicado pela Revista do Programa de pós-graduação em Estudos da
Tradução da UFSC (ISSN 2176-7904); evidencia-se a seguinte situação:
Pirandello não foi inovador na estética de sua
poesia; seguiu os padrões líricos clássicos de forma e metro, embora não
correspondesse a nenhuma corrente literária de seu tempo. O mais importante
dessa produção poética são suas ideias, seus temas, sua visão de mundo, que
continuará posteriormente nos romances e no teatro.[5]
(KREMER, p. 74, 2012)
O aspecto
mais extraordinário dessa produção poética é a expressão artística singular e
inovadora que, de certa forma, vai permear todas suas produções,
independentemente do gênero ao qual elas pertençam. Sua visão de mundo, suas
ideias, seus temas; tudo corroborará a presença do que se pode chamar de marca
pirandelliana. A sua temática é variada indo do macro ao micro, abordando: o
universo, os conflitos existenciais, os contrastes, a relação homem e mulher,
vida e morte, opulência e a escassez, a sociedade com suas máscaras e os
desdobramentos da personalidade. Estes últimos são elementos recursivos em sua
obra para enfatizar o relativismo moral e a multifacetação do “eu”.
Sua
produção poética deu-se entre os anos de 1883 e 1912. Pertencem a esse período
as seguintes coletâneas: Mal giocondo (1889); Pasqua di Gea (1890); Poemetti
(1890-1922); Poesie sparse (1890-1933); Elegie Renane (1895-1896); Zampogna
(1901); Scamandro (1909) e Fuori di Chiave (1912).
1.2.
GÊNERO NARRATIVO: DAS NOVELAS AOS ROMANCES
A
produção literária de Luigi Pirandello, como mencionado anteriormente, inclui
vários gêneros: o lírico, cultivado em suas poesias juvenis; o narrativo, com
suas novelas e romances e o dramático, através de sua dramaturgia que o tornou
popularmente e academicamente reconhecido. O fluxo de personagens de um gênero
para outro é um aspecto recorrente na obra de Pirandello. De fato, nas próprias novelas já exista todo o aparato humano
que, em sua complexidade, sustentará a construção dos personagens, e suas
respectivas questões existenciais retratadas em seu teatro mais tarde.
O escritor
agrigentino inicia profissionalmente a sua carreira literária aos dezessete
anos, publicando em 1884, a novela “Capannetta – Bozzetto Siciliano”, no jornal
“La Gazzetta del Popolo della Domenica”, recebendo considerável influência do
autor verista Giovanni Verga. No ano de 1894, uma década depois, são publicadas
sete novelas, sendo que o livro Amori
senza Amore compreende três delas. No decorrer da sua carreira de escritor
surgiram algumas consideráveis mudanças, principalmente na sua forma de narrar.
Pirandello, como já afirmamos, escreve inicialmente influenciado pelo Verismo
italiano. Este movimento vai se refletir em obras de um grande número de
artistas que, em nome da verossimilhança, irão escrever sob a égide das
correntes pragmáticas de pensamento, a exemplo do determinismo, positivismo e
do evolucionismo.
Os
primeiros textos pirandellianos apresentam a degradação humana física e moral,
resultante de um meio hostil que impossibilita qualquer tipo de mudança. É
valido ressaltar que, Pirandello, mesmo influenciado pelos mestres do
Naturalismo, como Zola, e do Verismo, como Verga e Capuana, estes últimos amigos
pessoais do escritor, distancia-se do discurso narrativo desses autores, ao
constituir personagens que fogem da resignação, constitutiva da teoria
determinista. Seus personagens tentam reagir no intuito de transformar a sua
realidade, mesmo fadados ao fracasso, diante do olhar impassível, porém
reflexivo, do narrador. Este lança sua visão para o que está por trás das ações
e subjuga as investidas do meio à
força das idiossincrasias humanas representadas por personagens que, embora
estejam na condição de derrotados, abarcam certa dignidade.
Estamos aqui para viver e para morrer! Se uma lei
humana, iníqua, nega ao pobre, em vida,
o direito a um palmo de terra sobre a qual, colocando o pé possa dizer:
‘Isto é meu!’, não pode negar-lhe, na morte, o direito à cova! Cristãos, esta
gente está aqui em nome de outros
quatrocentos infelizes, para reclamar o direito à sepultura. Querem suas covas.
Para si e para seus mortos! [6](PIRADELLO,
2001, p. 50-51).
Pirandello,
paulatinamente, afasta-se dos princípios veristas e volta-se para a busca da
essência humana, respaldado na mutabilidade das coisas, na relatividade moral e
na reflexão sobre as aparências, ou seja, na percepção e no sentimento do
contrário. O autor organiza, sistematicamente, essas ideias no ensaio
“L’umorismo”[7],
publicado em 1908 e revisitado e republicado em 1920. Esse texto, junto ao
ensaio “Arte e Ciência”, de 1901, resumem uma possível estética pirandelliana e
contribuem para uma melhor compreensão da dinâmica narrativa do autor.
Entretanto as inquietações de Pirandello sobre essa peculiar expressão
artística, a partir de uma reflexão filosófica, já haviam aparecido
anteriormente em 1896 em artigo intitulado “Un preteso poeta umorista del XIII
secolo”. Nele, Pirandello considera a dificuldade de definir a poética do
Humorismo, embora destaque a sua existência: “dare una definizione
dell’umorismo, la quale sia a un tempo comprensiva e comprensibile, è in sommo
grado difficile”[8].
Entretanto é no ensaio revisitado de 1920 que os contornos do Humorismo ficam
claros: Pirandello
distingue o “cômico” do humorismo. O primeiro, definido como “percepção do
contrário”, nasce do contraste entre a aparência e a realidade e provoca
imediatamente o riso. O humorismo, ao invés, nasce de uma ponderada reflexão
que vai além de uma superficial consideração da situação. O “sentimento do
contrário”, próprio do humorismo, provoca um sorriso de compreensão e de
compaixão, pois não se limita às aparências, mas reflete sobre a fragilidade
humana, sobre as fraquezas que habitam cada um de nós. Embora se oponham -
percepção e sentimento do contrário – eles possuem uma funcionalidade essencial
para compreensão dessa teoria. O escritor agrigentino reforça no ensaio
“L’umorismo” (1920) que todo riso nasce a partir da percepção do contrário, por
exemplo: uma pessoa procura um abrigo para proteger-se da chuva e não se
molhar, de repente tropeça e cai numa poça de água, molhando-se e sujando-se da
cabeça aos pés. Essa situação ilustra bem a percepção do contrário e a
comicidade, já que a queda é uma condição contrária ao seu real objetivo de
permanecer com a roupa, ou parte dela, seca. Há ainda o exemplo, citado pelo próprio
Pirandello nesse mesmo ensaio, que se utiliza de uma personagem idosa a qual se
veste ridicularmente como uma adolescente:
Vejo uma velha senhora, com o cabelo pintado, todo
lambuzado sabe-se lá de qual horrível pasta, e toda desalinhadamente empetecada
e vestida com roupas juvenis. Começo a rir. Sinto que aquela velha senhora é o
contrário do que uma velha senhora de respeito deveria ser. Posso assim, à
primeira vista e superficialmente, deter-me nesta impressão cômica. O cômico é
exatamente uma percepção do contrário. Mas se agora intervém em mim a reflexão,
e me insinua que aquela velha senhora talvez não tenha nenhum prazer em se
enfeitar assim, como um papagaio, mas que talvez sofra com isso e o faça apenas
porque se engana piedosamente que enfeitada assim, escondendo dessa forma as
rugas e os cabelos brancos, consiga manter o amor do marido muito mais jovem do
que ela, então não posso mais rir dela como antes, porque justamente a
reflexão, trabalhando em mim, me fez ir além daquela primeira percepção, ou
melhor, mais fundo: daquela primeira percepção do contrário, me fez passar a
este sentimento do contrário. E está toda aqui a diferença entre o cômico e o
humorístico. [9]
(PIRANDELLO,
1994, p.116) Trad. Adele Audisio
Certamente,
essa primeira imagem provocaria o riso pela percepção do contrário, já que seu
corpo não possui mais a firmeza, a beleza e a exuberância para estar à mostra,
nem tais tipos de roupas, acessórios e maquiagem são apropriados à sua idade.
No entanto ela insiste em transparecer jovialidade, mesmo aparentando uma
terrível caricatura do que deixou de ser há algum tempo. Observando essa idosa
desarticulada, o riso viria instantaneamente, porém, se houver uma reflexão
quanto à sua condição por se vestir dessa forma, conjecturar-se-ia que aquela
maneira de adornar-se talvez seja uma tentativa de iludir-se quanto à sua
própria imagem senil para conseguir a atenção do marido mais jovem. A reflexão
inibe o riso imediato provocado por uma superficial impressão cômica,
aproximando-se do humorismo, que consegue alcançar uma consciência maior da
situação, revelando elementos dramáticos escondidos atrás da aparente comédia.
Em 1904,
o escritor siciliano publica o romance “O Falecido Mattia Pascal” (Il Fu Mattia Pascal), considerado o
marco da legitimação de sua narrativa com o rompimento definitivo com a
estética verista e aproximação com o decadentismo italiano. Neste romance, o
protagonista Mattia, após ser equivocadamente considerado morto, aproveita a
oportunidade para se dissolver e se reconstruir como Adriano Meis, já que se
considerava infeliz em sua vida conjugal e socioeconômica. Como Adriano Meis,
percebe que não há solução para ele devido aos conflitos, pois estes o
perseguem não importando quem seja. A anulação do eu e a sua reconstituição ou
não são temáticas que denotam a constante crise existencialista que cerca a
obra do autor. Entretanto é na obra “Um, Nenhum, Cem mil” (Uno, Nessuno, Centonila), romance concluído em quase dez anos, que
a contravenção do “eu” manifesta-se de forma mais contundente. É no enredo
desse romance que o desdobramento, a multifacetação e, por fim, a desintegração
do eu ganham um viés menos trágico,
porém mais incisivo, pois um ato banal como a percepção de uma deformidade
nasalar vai desencadear um conflito interno profundo. O conflito existencial
surge, a partir do olhar do outro sobre o personagem. O conflito do
protagonista Vitangelo Moscarda é despertado ao descobrir, por meio do olhar de
sua mulher, o defeito do próprio nariz. Essa revelação desencadeará a
transgressão da identidade que julgava possuir, perturbando-o veementemente, a
ponto de imaginar-se, não mais um único Vitangelo, mas mil, pois haveria uma
diversidade de identidades, a partir das múltiplas perspectivas do outro sobre
ele. Essa plural ressignificação do eu
provoca no personagem a sua total fragmentação e a consequente perda de um
direcionamento comportamental. Vitangelo anula-se e acaba por reduzir-se a
“nenhum”. Excluído do sistema acaba sendo internado por insanidade mental.
A temática
pirandelliana volta-se para o comportamento constantemente paradoxal da
sociedade que julga a todo instante o indivíduo, direcionando-o conforme
necessidades próprias e circunstanciais, que podem ocasionar a adaptação ou a
anulação do eu. Essa nova forma do “eu”, adaptado às normas sociais,
manifestar-se-á aparentemente resignado, porém o conflito interno que o cerca
revela seu estado emocional caótico, que, para Pirandello, remete à presença
pulsante da vida, como afirma o escritor na novela “La trappola” (1912)
No princípio era o caos, entretanto o espírito de
Deus não fluía sobre ele para ordená-lo. O Caos era um enorme fluxo
incandescente, em que tudo fervia sem corpo, indistinto e atemporal. Algumas
partes do fluxo corrente pararam, solidificaram-se, tomando forma. Esta forma
foi a armadilha que envolveu gradativamente a matéria ardente, congelando-a,
solidificando-a. O fluxo era a vida primitiva do homem e das coisas, a forma
foi a morte: o nascimento do homem, da terra, dos astros, portanto, foi a morte
da grande vida universal. O que chamamos de vida é, portanto, a morte do fluxo
original aprisionada pela forma e pelo tempo.[10]
(PIRANDELLO, 2007, p.775) Trad. Adele Audisio.
Seguramente, o individuo instintivamente acaba por
movimentar-se nessa lei de fluxo contínuo e por esta razão a personalidade,
como algo preso a uma suposta identidade, perde-se nas incontáveis
possibilidades das personas existentes no vasto repertório do ser. Todavia há
uma necessidade de adequação à forma, mesmo que esta represente a “morte” do
indivíduo como afirma em sua dissertação de Mestrado, o pesquisador Francisco
José Saraiva Degani:
Mesmo estando convencido de que se fixar em
determinada “forma” significa morrer, já que toda “forma” é a cessação da vida,
o homem tende fatalmente a vestir uma “forma”, uma personalidade que o
caracterize. No momento exato em que ele a assume, sente que ela é a morte, que
não lhe serve mais e deseja experimentar novas “formas” perpetuamente
insatisfeito, infeliz e inseguro.[11]
(DEGANI, 2008, p. 26)
A forma
disponível para a caracterização do indivíduo no nicho social vai gerar um ser
desajustado, como o “homem atrás dos
óculos e do bigode” no poema de Sete Faces
( Alguma
poesia, 1930) de Carlos Drummond de Andrade
que embora transmita, por sua aparência, serenidade, força e
racionalidade, possui internamente um turbilhão de pensamento muito “maior que
o mundo”[12]
num
processo de fluxo de consciência na busca do sentido da própria
existência.
Os
romances, muito importantes pela temática filosófica, como já fora mencionado,
não foram tão constantes, no que diz respeito à frequência de publicação, em
relação às novelas. Estas sempre permearam a obra pirandelliana e foram por
alguns momentos de suma importância para sua sobrevivência, justamente por ser
um gênero de literatura facilmente comercializável nos folhetins.
Independentemente
de pertencerem a romance, a novela ou ao teatro, os personagens pirandellianos
possuem traços comuns que os sustentam diante da narrativa: passam por certas
circunstâncias e ciladas preparadas pela própria vida e diante disso se agitam
e procuram uma maneira de escapar, refugiando-se, por vezes, em recordações
emocionalmente edificantes, para não sucumbir à sua derrota psíquica.
O
escritor Luigi Pirandello, segundo o pesquisador Giovanni Macchia (1969), escreveu num total
de sete romances: L’esclusa (1894), Il
turno (1895), Il fu Mattia Pascal (1904), Suo Marito (1911), I vecchi e i
Giovanni (1913), Si Gira (1916) que depois, em 1925, recebe o título Quaderni di Serafino Gubbio operatore, e
Uno, nessuno e centomila (1927).
Pirandello
resolve sistematizar suas 210 novelas, publicadas desde 1894, por volta de
1922, em um projeto intitulado “Novelas por um ano” (Novelle per un anno). Este projeto visava reunir 365 novelas – uma
para cada dia do ano – em aproximadamente 24 volumes, agrupadas sem um critério específico; porém, antes de concluir o
seu intento, o escritor veio a falecer. Foram inúmeras as novelas publicadas em
vida e postumamente. Nessa coletânea, percebe-se que a marcação dos ambientes
na narrativa é intencional: Roma, a marina de Porto Empedocle, Agrigento são
mais do que simples pontos de referência, tornando-se uma espécie de extensão
dos personagens. Agrigento, por exemplo, terra natal pela qual o escritor
guarda enorme afetividade, surge como um local onde as convenções sociais
presas à tradição, às crendices e às superstições são reconstruídas, a partir
das vivências do próprio autor. O clima seco da região e o atraso social são
fatores que efetivamente contribuirão para definir os traços comportamentais
dos personagens, ratificando a importância do ambiente na narrativa
pirandelliana.
Luigi Pirandello
agrega, em suas composições ficcionais, discussões de cunho filosófico
universal, embora descreva os fatos a partir de interpretações particulares que
evidenciam sua sensibilidade. Essa busca do compreender o sentir
filosoficamente conduzirá alguns críticos
literários, a exemplo de Adriano Tilgher[13]
(1887-1941), a falar de “pirandellismo”; como um diferencial autoral e
metodológico na construção narrativa, por seu valor artístico e filosófico. O
próprio Pirandello rejeitou essa definição, pois os “ismos”, na sua concepção,
são espécies de rótulos que funcionam como uma estrada de duas vias: se por um
lado criam uma identidade autoral, por outro sugerem uma cristalização no
processo criativo do autor, no momento em que utilizam definições para ordenar
sua arte a partir de fórmulas pré-concebidas e presas a uma suposta marca. Sobre
o suposto “pirandellismo” o escritor ponderou:
Se me permitem, quero dizer que nenhum dos meus
trabalhos artísticos foi concebido dentro de teorias filosóficas e apriorismos,
portanto, não pode se afirmar que esses sejam acometidos pelo mal do
pirandellismo. Minhas obras são modestamente concebidas e compostas por um
escritor cujo nome é Pirandello apenas e que quando escreveu nem remotamente
imaginaria sequer a desventura que o aguardava e não poderia prever que essas
obras seriam catalogadas e rotuladas como algo único, sob uma fórmula imutável,
de rigidez definitiva.[14]
(PIRANDELLO, 1931, p. 009)
Essa
situação, portanto, vai de encontro à
sua concepção do caos na arte, citado anteriormente, pois a cristalização
impede o fluxo que só existe na aparente desordem e que, segundo o autor, é
“vida”.
1.3 GÊNERO DRAMÁTICO: DA PROSA AO TEATRO
Habituamos
a falar e a ouvir falar do relativismo pirandelliano, tomamos a expressão por
verdade global e identificamos toda obra de Luigi Pirandello com a mais
brilhante de suas fórmulas: Cosi è ( se vi pare), assim é (se vos parece). O próprio Pirandello cedeu à tentação de
enredar-se nesse esquema: passando do gênero narrativo ao dramático,
radicalizou os motivos céticos e irônicos que vinha cultivando desde os
primeiros contos... [...][15](BOSI,
1988, p.183)
No que diz respeito à produção
literária do escritor siciliano, a crítica enaltece a sua dramaturgia,
reservando-lhe grande espaço. Seus romances e, principalmente, suas novelas,
são citados apenas quando há alguma relação com suas obras teatrais. Entretanto
essa concepção crítica limitada não reduz a importância das suas obras
narrativas, visto que são estas que, preliminarmente, abrigam a concepção de
vida e arte de Pirandello e sua estreita ligação com a realidade sociocultural
de sua época. Por esta razão, algumas de suas narrativas são consideradas
“repositório de personagens” para dramaturgia, o que parece ratificar a suposta
supremacia da obra teatral em relação à narrativa. A expressão reduz a
importância da narrativa e principalmente dos seus personagens, colocando o
teatro como evento inaugural maior. A professora e pesquisadora Martha Ribeiro
discorda parcialmente dessa condição:
Igualmente
não nos parece ser possível tentar explicar sua última produção dramatúrgica a
partir da recuperação de sua última produção narrativa. A ideia de que o
celeiro da criatividade teatral pirandelliana eram suas novelas se compromete a
partir do momento em que se verifica que grande parte de sua última produção,
especialmente àquelas onde a matriz autobiográfica parece evidente, não possui
nenhum fundo narrativo. Cita-se: Diana e la Tuda; Lazzaro; Sogno (ma forse no);
Come tu mi vuoi; Trovarsi; Sgombero; Quando si è qualcuno; I giganti della
montagna. (...) Foi também a partir desta data (1925) que o escritor conheceu a
atriz Marta Abba, sem dúvida nenhuma a grande responsável por uma mudança de
inspiração que começou a se manifestar exatamente com Diana e la Tuda.[16] (RIBEIRO, ANO 2008, p. 116-117).
A narrativa pirandelliana e seus
personagens não podem ser concebidos como algo preestabelecido – celeiro ou
repositório - pois esse entendimento
interrompe a ideia de fluidez tão arraigada à sua concepção de criação. Os
personagens de Pirandello, segundo o especialista Giovanni Macchia, transitam
através dos vários gêneros que compõem sua obra artística, às vezes com
acréscimos e outras vezes com decréscimos, no que diz respeito aos seus traços
característicos. É um processo sem trégua e por isso de incomensurável
importância na medida em que converte o estático em fluidez, revitalizando seus
personagens, sua narrativa, seu estilo e suas reflexões.
Ele
compõe e descompõe: coloca uma tachinha em um ponto, e a utiliza tal e qual em
um outro. Constrói, parece satisfeito, mas depois com os mesmos materiais, rascunhados
diferentemente e diferentemente colocados, começa outra composição. É um grande
canteiro de obras onde nunca tem descanso. Os trabalhos, que parecem
terminados, procedem sempre à procura de uma obra prima, que em sua mobilidade
e no conceito de fluidez absoluta da criação artística, desmente a si mesma. Os
personagens, às vezes os mesmos, outras vezes levemente alterados, com algumas
pequenas modificações fisionômicas, vão e vem: saem de uma novela e entram em
um romance, saem de um romance e acabam em um ensaio, e ainda insatisfeitos,
das silenciosas páginas de um romance enfrentam, nas alternas tramas das suas
vidas de condenados, as tábuas crepitantes de um palco.[17]
(MACCHIA, ANO 2007, p. 445). Trad.
Adele Audisio
Pirandello
firma-se como dramaturgo em 1921 com a sua peça “Seis Personagens à Procura de
um Autor” (Sei personaggi in cerca d’autore). A burguesia da época,
habituada às comédias de costume, fica estupefata pela ousadia inerente
ao rompimento total de regras no espaço cênico. O dramaturgo quebra a
quarta parede, teorizada por Diderot, através da presença de personagens que
adentram a sala, provocando a subsequente imersão do público em seus conflitos
existenciais.
O drama burguês,
que se fixa nas montagens teatrais ao longo do século XIX, possui uma
linearidade cronológica dos fatos, bem como a verossimilhança e a coerência
psicológica dos personagens. Pirandello, no entanto, transgride esses valores
passadistas e renova o teatro do século XX, inserindo novos preceitos. Em suas
peças, os desajustes psicológicos dos personagens são de suma importância, uma
vez que, para o autor, o homem jamais terá personalidade única e definida. Para
Pirandello, já que tudo é mutável, ilusório e, ou, incerto, torna-se necessário
o uso das máscaras, pois estas garantem a sobrevivência do indivíduo tanto para
a aceitação social, quanto para a aceitação de si próprio, ou para simplesmente
evidenciar a instabilidade do ser presente em sua natureza, a partir do eu
multifacetado.
Seis Personagens à Procura de um Autor,
[18] é,
seguramente, a obra mais fascinante do dramaturgo e, segundo o pesquisador
Sabato Magaldi, “um dos documentos fundamentais sobre a experiência criadora na
história literária” (MAGALDI, 2009, p. 15). Pirandello utiliza o recurso
metalinguístico como artifício, ou seja, o teatro no teatro para examinar a
relação existente entre personagem e intérprete, dramaturgo e ator. O
personagem teria, conforme sua perspectiva, uma essência, uma verdade
inatingível pelo intérprete, por mais capaz e experiente que este seja, como
afirma o personagem “O Pai”:
Eh! Quero dizer...a representação que fará, mesmo
pondo em prática todos os recursos de caracterização para ficar parecido
comigo...acho que, com essa altura...(todos os Atores riem) dificilmente poderá
ser uma representação de mim, como realmente sou. Será antes – pondo de parte o
aspecto – será, mais exatamente, como lhe parece que sou, como o senhor me
sente – se é que me sente – e não como eu me sinto, dentro de mim. E acho que
isto deve ser levado em conta por quem for chamado a julgar-nos.[19] (PIRANDELLO, 1976, P.87).
Percebe-se,
então, que o personagem aponta para uma realidade intrínseca à sua própria
formação como personagem, algo genuíno que falta aos seres humanos que atuam no
nível da representação em busca do verossímil. Porém, a representação, ao mesmo
tempo em que subtrai a “autenticidade”, torna possível a existência perene dos
personagens. A representação cênica permite a fluidez não só do que é exibido
“aqui e agora”, mas da maneira como o personagem é interpretado por atores
diferentes em épocas distintas. Pirandello trata na peça vários aspectos do
teatro como: reutilização de cenários da companhia, sátira ao estrelismo do
elenco, principalmente da primeira atriz, questionamento do autor quanto
elemento hegemônico, mundo real versus mundo das aparências e da relação
amalgâmica entre eles.
A arte
pirandelliana, portanto, denota a fluidez decorrente de sua filosofia de que só
há vida enquanto há movimento, sendo a estagnação a morte, o fim. A “caótica”
escrita do artista agrigentino permite-lhe reutilizar seus personagens em
várias circunstâncias e de modo diferente, dando-lhe uma fluidez, que se
contrapõe à ideia de repositório, cujo próprio nome remete a estagnação. “A obra do ponto de vista literário, parece
um acréscimo à anterior, não uma criação inédita, equivalente a ela no plano da
arte.” (MAGALDI, 2009, p. 23). Mais do que acréscimo, a obra pirandelliana
reforça o pensamento de Jacques Derrida quando este explica a ideia de
suplemento evidenciada na sua obra “Torre de Babel”[20] e por esta razão satisfaz a predisposição da arte
narrativa quanto a sua continuidade, à
sua fluidez e principalmente quanto à eternidade.
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Cristina Carneiro. Tradução e Diferença. São Paulo: Editora Unesp, 2000, 237
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[1]
Graduado em Letras Vernáculas pela Universidade Católica do Salvador e Mestre
em Literatura e Cultura pela Universidade Federal da Bahia na Linha de Pesquisa
da Tradução Intersemiótica. Sua pesquisa trata das estratégias imagéticas e
sonoras na adaptação da novela “O Outro Filho” do escritor Luigi Piradello para
o episódio fílmico homônimo dos Irmãos Taviani.
[2]
Quel che colpisce in questa
opera è una sorta d’ intercomunicabilità a longo raggio tra un generi e l’altro. Poesie, traduzioni,
novelle, romanzi, commedie e drammi, in una lingua e in dialetto, libretti
d’opera, riduzioni, sceneggiature, cinematografiche, saggi: non è possibile
segnare divisioni nette tra un’opera e l’altra e neanche tra opere di fantasia
e opere critiche. E 'come un vasto terreno su cui scorrono continui canali d’
irrigazione: le terre della fantasia
vengono alimentate da battute
considerazioni filosofiche, pensieri polemici,
temi insistenti e concetti >> << che rimbalzano come palle
elastiche da un opera all’altra, a volte con le stesse parole e non sempre
personali.
[3] O “Verismo” é um
movimento literário que surge na Itália em volta de 1870. Sua finalidade era
representar a realidade de forma objetiva, isto é sem inserir os comentários e
as concepções pessoais do autor. Os “veristas” queriam que seus livros fossem
instrumentos de conhecimento e de difusão do que é “verdadeiro”. Suas obras
denunciavam as condições sociais das
classes menos favorecidas (camponeses, mineiros, pescadores), e pretendiam difundir
os ideais de justiça e liberdade.
[4] Sob o nome genérico de
"decadentismo" recolhem-se as tendências artístico-literárias
europeias que surgem no espaço de tempo que vai dos últimos vinte anos do
século XIX às primeiras décadas do século XX. Essas novas atitudes artísticas,
partindo de diferentes premissas, possuem, como denominador comum, o radical
afastamento das objetivas "certezas" da época anterior. Os
componentes que as caracterizam são: a falta de confiança na razão, a fuga da
realidade quotidiana, o aflorar de um sentimento profundo de solidão e de
angústia.
[5] KREMER, Karen. Análise
descritiva das traduções brasileiras Devestire Gli Ignudi de Luigi Pirandello.
UFSC, Florianopolis, 2012.
[6] PIRANDELLO, Luigi. Kaos e Outros
Contos Sicilianos. Editora Nova Alexandria, 2ª Edição, São Paulo, 2001.
[7] PIRANDELLO, Luigi. L’umorismo.
Roma: Tascabili Economici Newton, 1993.
[8] “dar uma
definição de humorismo que seja simultaneamente ampla e compreensível é
excessivamente difícil”. PIRANDELLO, Luigi. Un preteso poeta umorista del
secolo XIII. In: Saggi, Poesie e Scritti varii. M. Lo Vecchio Musti
(org.), Milano: Mondadori, 1960, p.248.
[9] Vedo una vecchia signora, coi
capelli ritinti, tutti unti non si sa di quale orribile manteca, e poi tutta
goffamente imbellettata e parata d’abiti giovanili. Mi metto a ridere. Avverto
che quella vecchia signora è il contrario di ciò che una vecchia rispettabile
signora dovrebbe essere. Posso così, a prima giunta e superficialmente,
arrestarmi a questa impressione comica. Il comico è appunto un avvertimento del
contrario. Ma se ora interviene in me la riflessione, e mi suggerisce che
quella vecchia signora non prova forse nessun piacere a pararsi così come un
pappagallo, ma che forse ne soffre e lo fa soltanto perché pietosamente
s’inganna che parata così, nascondendo così le rughe e la canizie, riesca a
trattenere a sé l’amore del marito molto più giovane di lei, ecco che io non
posso più riderne come prima, perché appunto la riflessione, lavorando in me,
mi ha fatto andar oltre a quel primo avvertimento, o piuttosto, più addentro:
da quel primo avvertimento del contrario mi ha fatto passare a questo
sentimento del contrario. Ed è tutta qui la differenza tra il comico e
l’umoristico (PIRANDELLO, Luigi.
L'umorismo e Altri Saggi ed. Giunti, Milano, 1994 ).
[10] In principio era il Caos, ma lo
spirito di Dio non scorreva su di esso a ordinarlo. Il Caos era un immenso
Flusso incandescente, in cui tutto ribolliva, informe e indistinto e senza
tempo. Qualche parte di quello scorrente flusso si arrestò, si solidificò,
assunse una forma: la quale era la trappola che a poco a poco avvolse di sé la
matéria ardente, la raggelò, la solidificò. Il flusso era la vita primeva
dell’uomo e delle cose, la forma fu la morte: la nascita dell’uomo, della
terra, degli astri fu dunque la morte dela gran vita universale. Quella che noi
chiamiamo vita è dunque la morte dell’originario flusso imprigionato dalla
forma e dal tempo (PIRANDELLO Luigi. La Trappola. In Novelle per um anno,
Milano; Mondadori, 2007).
[11] DEGANI, Francisco José Saraiva.
Pirandello “novellaro”: da forma à dissolução. São Paulo, 2008.
[12] Remissão ao poema Sentimento do Mundo de
Carlos Drummond de Andrade presente no livro homônimo (1940) .
[13] Adriano Tilgher (1887-1941) foi um filósofo, ensaísta e
crítico literário italiano. Nascido em
Nápoles, voltou o seu estudo para a história do cristianismo.
Influenciado pelo vitalismo contemporâneo e relativismo, Tilgher propôs uma
estética em desacordo com as teorias de Croce e do positivismo, considerando as
obras literárias como uma síntese das tensões cotidianas. O filósofo napolitano
foi o primeiro crítico a enfatizar a posição entre vida e forma e por
compreender a vida com fluxo que segue foi perseguido durante o período
fascista por sua oposição ao regime.
[14] Mi si permetta di dire che nessuna delle mie
opere che sono tutte nate al di fuori della tesi e degli apriorismi filosofici,
è malata di pirandellismo. Sono state modestamente concepite e composte da uno
scrittore che si chiama Pirandello e che nel momento in cui scriveva non
immaginava nemmeno lontanamente la disavventura che lo attendeva, e non poteva
prevedere che queste opere fossero predestinate a essere catalogate sotto una
etichetta unica, sotto una formula immutabile, di un carattere rigido e
definitivo7. (O artigo, intitulado
“Abasso il pirandellismo”, foi publicado em Il Dramma, no dia 15 de
abril de 1931.)
[15] BOSI, Alfredo. Publicado em:
Céu, Inferno – Ensaios de crítica literária e ideologia. SP. Ed. Ática. 1988.
[16] RIBEIRO, Marta. Pirandello,
autobiografia e teatro: um diálogo possível. Revista Poiesis nº 02. São Paulo, 2008.
[17] Egli Compone e scompone: mette um tasselo in
um punto, e lo utilizza tale e quale in
un altro. Costruisce sembra soddisfatto, ma poi con gli stessi material,
sbozzati diversamente e diversamente collocati, ricomincia un'altra
costruzione. È un grande cantiere ove non si ha mai riposo. I lavori, che sembrano finiti, procedono sempre in
cerca di un capolavoro, che nella sua mobilità e nel concetto della fluidità
senza scampo della creazione artística, smentisca se stesso. I personaggi, a
volte gli stessi, altre volte lievemente alterati, con qualche piccolo rilievo
fisionômico, vanno e vengono: escono da uma novela ed entrano in romanzo,
escono da un romanzo e vanno a finire in
un saggio, e ancora scontenti, dalle silenziose pagine di un romanzo
affrontano, nell’alterne vicende dela loro vita di condannati, le
scricchiolanti tavole di um palcoscenico. (MACCHIA, Giovanni.
“Introduzione a Pirandello narratore”. in: PIRANDELLO, L. Tutti i romanzi. Milano: Mondadori,
2003).
[18] No palco de um teatro uma companhia de atores está
ensaiando a comédia de Pirandello “Il giuoco delle parti”, quando se adentram
seis indivíduos: um Pai, uma Mãe, o Filho, a Enteada, o Jovem e a Menina,
personagens recusados pelo escritor que os concebeu. Eles pedem para o diretor
de colocar em cena seu drama. Após muitas discussões a companhia aceita, assim
os personagens começam a contar sua história para que seja representada. O Pai separou-se
da Mãe após ter tido um filho. A Mãe,
solicitada pelo Pai, constitui outra família com o secretário que trabalha na
casa deles e tem com ele três filhos: a Enteada, a Menina e o Jovem.
Após a morte do secretário a família cai na miséria e a Enteada é forçada a se
prostituir no Atelier de Madame Pace, onde a Mãe trabalha como costureira. O
Pai frequenta esse lugar e por pouco não tem relações sexuais com a Enteada,
pois os dois não se reconhecem. Quem evita que essa relação aconteça é a Mãe.
Atormentado pela vergonha e pelos remorsos, o Pai aceita de volta em casa a Mãe
e os três filhos dela. Isso provoca a raiva do Filho e a convivência se torna
insuportável. Entre os atores e os Personagens cria-se um contraste
insuperável. Os atores apesar dos esforços não conseguem representar o drama
real dos Personagens, seus sentimentos fundamentais, a verdadeira essência de
cada um deles: a dor da Mãe, o remorso do Pai, a vingança da Enteada, a
indignação do Filho. No palco tudo aparece falso. Essa incomunicabilidade, que
impede que a vida real seja representada, tem seu ápice na cena final na qual a
história termina em tragédia, sem a possibilidade de entender se é real ou não:
a Menina se afoga no chafariz do jardim e o Jovem dá um tiro em si mesmo.
[19]
PIRANDELLO. Luigi. Seis Personagens A Procura de um Autor. Coleção Teatro Vivo
, editora Abril Cultural – editor Victor Civita. São Paulo 1976.
[20] JACQUES DERRIDA ( Argélia:1930 –
França: 2004). Foi
um dos pensadores franceses mais conhecidos internacionalmente, em particular
nos Estados Unidos. Ali, a partir de 1956, lecionou nas universidades de
Harvard, Yale e John Hopkins. Na França, ensinou na Sorbonne e na Escola Normal
Superior. Fortemente influenciado por Sigmund Freud e Martin Heidegger; Derrida
foi um dos mais importantes filósofos do pós-estruturalismo e pós-modernismo.
Sobre a tradução e a adaptação observou: “O original se dá modificando-se, esse
dom não é o de um objeto dado, ele vive e sobrevive em mutação”. Desse modo, o
novo texto vem suplementar o original, acrescentando uma camada que vem para
ocupar uma lacuna momentânea de significação, que alterado, potencializará
outra modificação no devir. A contribuição do suplemento de Derrida para os
estudos da adaptação vem a expandir a metáfora orgânica benjaminiana de que
toda tradução se insere numa linhagem textual cujo paradigma é a semente, já
citada anteriormente. O original é a semente que servirá de base e
possibilitará sua sobrevivência e sua transmissão, embora, para Derrida, o
caroço seja o intocável, o que resiste a tradução, mas que se oferece “a uma
nova operação tradutora sem se deixar esgotar”. ( DIAS. Eduardo. Resenha: livro
Torre de Babel, disciplina Teoria da Tradução I. p. 11 a 72, 2011).